Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o relatório do Painel Intergovemamental sobre Mudança Climática, divulgado no mês corrente.

Autor
Kaká Andrade (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Porto de Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comentários sobre o relatório do Painel Intergovemamental sobre Mudança Climática, divulgado no mês corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2014 - Página 186
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, AUTORIA, GRUPO INTERGOVERNAMENTAL, ASSUNTO, MUDANÇA CLIMATICA, DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO, UTILIZAÇÃO, RACIONAMENTO, AGUA.

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, ao longo de dezenas de milhares de anos, desde o surgimento da espécie humana, sua sobrevivência e progresso foram viabilizados por determinadas condições ambientais. No presente, assistimos, com imensa preocupação, à acelerada alteração do ambiente em que vivemos. Em consequência da ação humana sobre a natureza, deterioram-se, a olhos vistos, as condições que têm, até hoje, garantido a sobrevivência de nossa espécie no Planeta.

            A mudança climática é, possivelmente, o fator que mais ameaça o equilíbrio do meio ambiente neste início do século XXI. Ninguém em sã consciência pode hoje continuar apegado à ilusão de que o aquecimento global seja uma mera hipótese carente de comprovação científica ou discurso apocalíptico de “ecochatos” de plantão. Bem ao contrário, o processo de mudança climática já se instalou e não é necessário ser especialista na matéria para perceber o que está ocorrendo.

            Até poucos anos atrás, no Brasil, qualquer menção ao vocábulo “seca” provocava imediata associação de ideias com a Região Nordeste. Qualquer aluno de nossos estabelecimentos do ensino fundamental sabia que o fenômeno é característico do notório Polígono das Secas. Toda a experiência histórica indicava que o restante do Território nacional era imune à ocorrência dessa calamidade natural.

            Pois bem, nos dias de hoje, o Sudeste experimenta uma estiagem sem precedentes, com a maior metrópole do País sofrendo as graves consequências de uma severa crise no abastecimento de água. Até mesmo esse autêntico “reino das águas” que é a Amazônia experimentou, alguns anos atrás, prolongada e inédita estiagem, com o portentoso Rio Amazonas recuando dezenas de metros.

            Naquela ocasião, eram impressionantes as imagens do porto de Manaus, com o rio muito distante do cais.

            Mas não é apenas na ocorrência de secas em regiões antes não afetadas por esse fenômeno que se evidencia a mudança climática. Outra de suas consequências é o agravamento dos chamados eventos extremos, a exemplo da assombrosa inundação que castigou os Estados de Rondônia e do Acre meses atrás, inclusive, interrompendo sua ligação rodoviária com o restante do País.

            Confirmando aquilo que é perceptível para qualquer leigo, tivemos, no dia primeiro deste mês, a divulgação do novo relatório produzido pelo Painel Intergovemamental sobre Mudança Climática. De tom ainda mais sombrio e com afirmações mais categóricas do que as versões anteriores, o novo documento inclui os seguintes trechos:

A influência humana no sistema climático é clara, e as recentes emissões de gases de efeito estufa antropogênicas são as mais altas da história. As mudanças climáticas recentes vêm tendo impactos generalizados nos sistemas humanos e naturais.

O aquecimento do sistema climático é inequívoco, e muitas das mudanças observadas desde os anos 1950 não têm precedentes em períodos que variam de décadas até milênios. A atmosfera e o oceano vêm aquecendo, as quantidades de neve e gelo vêm diminuindo e o nível do mar vem subindo.

Nas últimas décadas, mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e por todos os oceanos. Esses impactos são resultantes das mudanças climáticas observadas, independentemente de sua causa, indicando a suscetibilidade dos sistemas naturais e humanos à mudança do clima.

A continuação da emissão de gases de efeito estufa causará maior aquecimento e mudanças de longa duração em todos os componentes do sistema climático, aumentando a probabilidade de impactos severos, abrangentes e irreversíveis para populações e ecossistemas. Limitar a mudança climática requereria reduções substanciais e sustentadas na emissão de gases de efeito estufa, as quais, juntamente com medidas de adaptação, podem limitar os riscos da mudança climática.

As projeções indicam que a temperatura na superfície terrestre continuará a subir ao longo do século XXI qualquer que seja o cenário de emissão de gases considerado. É muito provável que ondas de calor ocorram com maior frequência e tenham maior duração, e que eventos de precipitação pluvial extrema se tornem mais intensos e frequentes em muitas regiões. O oceano continuará a aquecer e a acidificar e o nível global médio do mar continuará a subir.

A mudança climática aumentará os riscos já existentes e criará novos riscos para os sistemas naturais e humanos. Esses riscos são distribuídos desigualmente, e são geralmente maiores para pessoas e comunidades desprivilegiadas em países em todos os níveis de desenvolvimento.

            Sr. Presidente, a crise hídrica que vem castigando as populações paulista e mineira é apenas uma pequena amostra dos efeitos com que todas as populações do Planeta haverão de se defrontar em função da mudança climática.

            A observação leiga dos eventos que se sucedem e as análises dos cientistas não deixam qualquer margem de dúvida quanto ao fato de que estamos vivendo os primeiros anos de uma grave crise ambiental. De nossa geração, serão demandadas muita coragem, determinação e espírito de sacrifício para adotar as medidas que se mostrarão indispensáveis à própria sobrevivência da espécie.

            Mais uma vez, quero me valer do exemplo da crise hídrica que atinge o Sudeste do País, desta feita para ressaltar que acontecimentos dessa natureza, ainda que estejam relacionados ao quadro mais amplo do que ocorre com o Planeta, são também consequência do comportamento de cada indivíduo.

            É certo que a redução no nível da água nos reservatórios que abastecem a Região Sudeste resulta da alteração no regime de chuvas, relacionada à mudança climática. O esgotamento dos reservatórios também deriva, contudo, em alguma medida, do aumento do consumo. E o aumento do consumo não decorre apenas do crescimento populacional, mas também de uma cultura ultrapassada e insustentável, que encara a água como um recurso inesgotável, quando, na verdade, se trata de um recurso renovável, porém finito.

            A situação presente nos obriga a revisar esses conceitos ultrapassados. Por todo o País, como, aliás, em todas as partes do mundo, observam-se rápidas mudanças na disponibilidade do precioso líquido, instigando os cidadãos a adotar comportamentos mais responsáveis, exigindo dos governantes práticas de gestão que contribuam para a preservação dos recursos hídricos.

            No caso particular do nosso País, é importante lembrar que, embora nossa situação seja privilegiada, na medida em que detemos 12% das reservas de água doce do Planeta, a maior parte dessa disponibilidade está localizada na região menos habitada de nosso Território. Não se justifica, portanto, qualquer atitude de leniência para com o desperdício, até porque o maior consumo de água implica diretamente maior produção de efluentes, exigindo maiores investimentos em seu tratamento.

            A maior parcela de consumo de água se destina às atividades produtivas, notadamente à agricultura e à indústria. É fundamental, portanto, modificar os padrões culturais também nesses segmentos.

            Vale aqui ressaltar, Sr. Presidente, que não são apenas os Estados da Região Sudeste que padecem, neste momento, as agruras da falta de água. Também no Semiárido nordestino, onde as sucessivas gerações têm sofrido, desde sempre, o flagelo da seca, neste ano de 2014...

(Soa a campainha.)

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - ... vem se revelando particularmente penoso.

            Muitos mananciais que forneciam água para o abastecimento de cidades já secaram ou estão com os níveis de sua capacidade abaixo de 20%. Os sistemas de abastecimento originais - que executavam o ciclo completo de coleta, tratamento e distribuição - entraram em colapso há meses e foram substituídos por adutoras emergenciais ou frotas de carros-pipa, serviços realizados sob a coordenação da Defesa Civil.

            Caso as trovoadas de verão não venham a ocorrer, não se prevê que a normalização do abastecimento de água, no Nordeste, possa ocorrer antes de março próximo, quando se inicia a estação de chuvas no Semiárido. Ainda então, serão necessários mais alguns meses para que os reservatórios recuperem o nível de capacidade que permita o funcionamento dos sistemas de abastecimento convencionais.

            A carência...

(Interrupção do som.)

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - ... quantitativa e qualitativa (Fora do microfone.) de água coloca centenas de Municípios em situação de grande dificuldade, deixando a população apreensiva. Grande parte das comunidades urbanas e rurais dispersas por todo o Semiárido está na completa dependência do programa emergencial coordenado pelo Exército e pela Defesa Civil. A água é levada aos Municípios, distritos e propriedades rurais a partir de mananciais cada vez mais distantes.

            Esse quadro de escassez tem feito aflorarem conflitos pelo uso da água entre Estados e Municípios. Há também embates entre os diversos tipos de uso da água, como a pesca, a navegação, a produção de energia elétrica, a irrigação de lavouras e pastagens, o abastecimento de parques industriais e de empresas do setor de serviços, além, é claro, do consumo humano residencial. Estabelecido o conflito, as partes interessadas devem, na forma da lei, reunir-se com os representantes de órgãos federais, estaduais...

(Soa a campainha.)

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - ... e municipais, com o objetivo de firmar um acordo de uso entre os usuários, tendo como parâmetro os marcos regulatórios.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, embora a seca no Semiárido nordestino seja um fenômeno recorrente, a estiagem que atualmente flagela nossa população revela-se especialmente severa, tendo feito com que a escassez de água atinja um estágio crítico, como aponta a publicação do Ministério da Agricultura.

            De modo similar, as enchentes na Amazônia são fenômeno cíclico, que se repete a cada ano. No entanto, a enchente que se abateu sobre os Estados de Rondônia e do Acre, meses atrás, teve proporção inédita, provocando o alagamento de áreas muito mais extensas do que habitualmente ocorre, chegando ao ponto de interromper a ligação rodoviária daqueles Estados com o restante do País.

            A estiagem que castiga os Estados do Sudeste, por seu turno, traz também…

(Soa a campainha.)

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - … a marca do ineditismo, acarretando crise hídrica de gravidade que não se supunha pudesse ocorrer na Região Sudeste do País.

            Infelizmente, nos mais diversos quadrantes do Território nacional, podemos observar situações que confirmam plenamente as conclusões do novo relatório produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Os fenômenos climáticos extremos apresentam maior intensidade e duração e passam a atingir regiões onde, até recentemente, eles eram desconhecidos.

            Tudo contribui para evidenciar a tremenda gravidade da crise ambiental que o Planeta já começou a viver. É preciso dar muita atenção a esse quadro.

            Chamo, neste momento, todos os Senadores e as Senadoras a fazerem uma séria reflexão sobre os desafios que a crise ambiental coloca para toda a humanidade neste…

(Interrupção no som.)

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - ... momento da história.

            Só para concluir, Sr. Presidente. (Fora do microfone.)

            Chegamos a um ponto em que é preciso agir com muita coragem e determinação, não nos furtando a realizar os sacrifícios necessários para mitigar os efeitos do aquecimento global e para nos adaptarmos, na medida do possível, às suas inevitáveis consequências.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, gostaria que o teor completo do meu discurso fosse colocado nos Anais, porque fiz algumas abreviações aqui.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR KAKÁ ANDRADE

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente,

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores,

            Ao longo de dezenas de milhares de anos, desde o surgimento da espécie humana, sua sobrevivência e progresso foram viabilizados por determinadas condições ambientais. No presente, assistimos, com imensa preocupação, a acelerada alteração do ambiente em que vivemos. Em conseqüência da ação humana sobre a natureza, deterioram-se, a olhos vistos, as condições que têm, até hoje, garantido a sobrevivência de nossa espécie neste planeta.

            A mudança climática é, possivelmente, o fator que mais ameaça o equilíbrio do meio ambiente neste início do século XXI. Ninguém em sã consciência pode hoje continuar apegado à ilusão de que o aquecimento global seja uma mera hipótese carente de comprovação científica ou discurso apocalíptico de "ecochatos" de plantão. Bem ao contrário, o processo de mudança climática já se instalou e não é necessário ser especialista na matéria para perceber o que está ocorrendo.

            Até poucos anos atrás, no Brasil, qualquer menção ao vocábulo "seca" provocava imediata associação de idéias com a região Nordeste. Qualquer aluno de nossos estabelecimentos de ensino fundamental sabia que o fenômeno é característico do notório "polígono das secas". Toda a experiência histórica indicava que o restante do território nacional era imune à ocorrência dessa calamidade natural.

            Pois bem, nos dias que correm, o Sudeste experimenta uma estiagem sem precedentes, com a maior metrópole do País sofrendo as graves conseqüências de uma severa crise no abastecimento de água. Até mesmo esse autêntico "reino das águas" que é a Amazônia experimentou, alguns anos atrás, prolongada e inédita estiagem, com o portentoso rio Amazonas recuando dezenas de metros. Naquela ocasião, eram impressionantes as imagens do porto de Manaus, com o rio muito distante do cais.

            Mas não é apenas na ocorrência de secas em regiões antes não afetadas por esse fenômeno que se evidencia a mudança climática. Outra de suas conseqüências é o agravamento dos chamados eventos extremos, a exemplo da assombrosa inundação que castigou os Estados de Rondônia e do Acre meses atrás, inclusive interrompendo sua ligação rodoviária com o restante do País.

            Confirmando aquilo que é perceptível para qualquer leigo, tivemos, no dia primeiro deste mês, a divulgação do novo relatório produzido pelo Painel Intergovemamental sobre Mudança Climática. De tom ainda mais sombrio e com afirmações mais categóricas do que as versões anteriores, o novo documento inclui os seguintes trechos:

            "A influência humana no sistema climático é clara, e as recentes emissões de gases de efeito estufa antropogênicas são as mais altas da história. As mudanças climáticas recentes vêm tendo impactos generalizados nos sistemas humanos e naturais."

            "O aquecimento do sistema climático é inequívoco, e muitas das mudanças observadas desde os anos 1950 não têm precedentes em períodos que variam de décadas até milênios. A atmosfera e o oceano vêm aquecendo, as quantidades de neve e gelo vêm diminuindo e o nível do mar vem subindo."

            "As emissões de gases de efeito estufa antropogênicas vêm crescendo desde a era pré-industrial, impulsionadas em grande medida pelo crescimento econômico e populacional, e são agora maiores do que em qualquer momento anterior. Isso levou a concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e oxido nitroso sem precedentes ao menos nos últimos 800 mil anos. Os seus efeitos, juntamente com aqueles de outras causas antropogênicas, foram detectados em todo o sistema climático, e são muito provavelmente a causa principal do aquecimento observado desde a metade do século XX."

            "Nas últimas décadas, mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e por todos os oceanos. Esses impactos são resultantes das mudanças climáticas observadas, independentemente de sua causa, indicando a suscetibilidade dos sistemas naturais e humanos à mudança do clima."

            "Mudanças em muitos eventos climáticos e meteorológicos extremos vêm sendo observadas desde aproximadamente o ano 1950. Algumas dessas mudanças resultam de influências humanas, incluindo uma diminuição em extremos de baixa temperatura, um aumento em extremos de alta temperatura, um aumento em elevações extremas do nível do mar e um aumento no número de eventos de grandes precipitações pluviais em muitas regiões."

            "A continuação da emissão de gases de efeito estufa causará maior aquecimento e mudanças de longa duração em todos os componentes do sistema climático, aumentando a probabilidade de impactos severos, abrangentes e irreversíveis para populações e ecossistemas. Limitar a mudança climática requereria reduções substanciais e sustentadas na emissão de gases de efeito estufa, as quais, juntamente com medidas de adaptação, podem limitar os riscos da mudança climática."

            "As projeções indicam que a temperatura na superfície terrestre continuará a subir ao longo do século XXI qualquer que seja o cenário de emissão de gases considerado. E muito provável que ondas de calor ocorram com maior freqüência e tenham maior duração, e que eventos de precipitação pluvial extrema se tomem mais intensos e freqüentes em muitas regiões. O oceano continuará a aquecer e acidificar, e o nível global médio do mar continuará a subir."

            "A mudança climática aumentará os riscos já existentes e criará novos riscos para os sistemas naturais e humanos. Esses riscos são distribuídos desigualmente, e são geralmente maiores para pessoas e comunidades desprivilegiadas em países em todos os níveis de desenvolvimento."

            "Muitos aspectos da mudança climática \ \\ e dos impactos a ela associados irão perdurar por séculos, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam interrompidas. Os riscos de mudanças abruptas ou irreversíveis crescem à medida que a magnitude do aquecimento aumenta."

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

            A crise hídrica que vem castigando as populações paulista e mineira é apenas uma pequena amostra dos desafios com que todas as populações do planeta haverão de se defrontar em função da mudança climática. A observação leiga dos eventos que se sucedem e as análises dos cientistas não deixam qualquer margem para dúvida quanto ao fato de que estamos vivendo os primeiros anos de uma grave crise ambiental. De nossa geração, serão demandadas muita coragem, determinação e espírito de sacrifício para adotar as medidas que se mostrarão indispensáveis à própria sobrevivência da espécie.

            Mais uma vez, quero me valer do exemplo da crise hídrica que atinge o Sudeste do País. Desta feita, para ressaltar que acontecimentos dessa natureza, ainda que estejam relacionados ao quadro mais amplo do que ocorre com o planeta, são também conseqüência do comportamento de cada indivíduo.

            E certo que a redução no nível da água nos reservatórios que abastecem a região Sudeste resulta da alteração no regime de chuvas, relacionada à mudança climática. O esgotamento dos reservatórios também deriva, contudo, em alguma medida, do aumento do consumo. E o aumento do consumo não decorre apenas do crescimento populacional, mas também de uma cultura ultrapassada e insustentável que encara a água como um recurso inesgotável, quando, na verdade, se trata de um recurso renovável, porém fínito.

            A situação presente nos obriga a revisar esses conceitos ultrapassados. Por todo o País -como, aliás, em todas as partes do mundo -, observam-se rápidas mudanças na disponibilidade do precioso líquido, instigando os cidadãos a adotar comportamentos mais responsáveis, exigindo dos governantes práticas de gestão que contribuam para a preservação dos recursos hídricos.

            No caso particular de nosso País, é importante lembrar que, embora nossa situação seja privilegiada, na medida em que detemos 12% das reservas de água doce do planeta, a maior parte dessa disponibilidade está localizada na região menos habitada de nosso território. Não se justifica, portanto, qualquer atitude de leniência para com o desperdício, até porque o maior consumo de água implica diretamente maior produção de efluentes, exigindo maiores investimentos em seu tratamento.

            A maior parcela do consumo de água se destina às atividades produtivas, notadamente à agricultura e à indústria. E fundamental, portanto, modificar os padrões culturais também nesses segmentos. Mostra-se indispensável, hoje, otimizar os padrões de uso da água, dando-se ênfase à redução, à reutilização e ao reaproveitamento. Na agricultura, em particular, urge avançar na substituição dos métodos tradicionais de irrigação, com a adoção de tecnologias modernas que assegurem o pleno aproveitamento da água utilizada.

            Vale aqui ressaltar, Senhor Presidente, que não são apenas os Estados da região Sudeste que padecem, neste momento, as agruras da falta d'água. Também no Semiárido nordestino, onde as sucessivas gerações têm sofrido, desde sempre, o flagelo da seca, este ano de 2014 vem-se revelando particularmente penoso.

            Informativo publicado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento dois meses atrás dava conta de que, naquela região, a escassez de água havia chegado a um estágio crítico. Com efeito, após três anos seguidos sem chuvas normais, a sobrevivência da população do Semiárido nordestino passa por um momento crucial.

            Muitos mananciais que forneciam água para o abastecimento de cidades já secaram ou estão com os níveis de sua capacidade abaixo de 20%. Os sistemas de abastecimento originais - que executavam o ciclo completo de coleta, tratamento e distribuição - entraram em colapso há meses e foram substituídos por adutoras emergenciais ou frotas de carros pipa, serviços realizados sob a coordenação da Defesa Civil e do Exército.

            Evidentemente, quando há falhas ou atrasos no fornecimento da água, o que ocorre com freqüência, os transtornos para o funcionamento normal das cidades são enormes. A rede escolar vê-se forçada a suspender as aulas por absoluta falta de condições para o preparo da merenda escolar e por se tornarem precárias as condições higiênicas. Os hospitais, por seu turno, precisam interromper a realização de procedimentos cirúrgicos. E as famílias veem-se impossibilitadas de realizar as tarefas domésticas.

            Caso as trovoadas de verão não venham a ocorrer não se prevê que a normalização do abastecimento de água possa ocorrer antes de março próximo, quando se inicia a estação de chuvas no Semiárido. Ainda então, serão necessários mais alguns meses para que os reservatórios recuperem o nível de capacidade que permita o funcionamento dos sistemas de abastecimento convencionais.

            A carência quantitativa e qualitativa de água coloca centenas de Municípios em situação de grande dificuldade, deixando a população apreensiva. Grande parte das comunidades urbanas e rurais dispersas por todo o Semiárido está na completa dependência do programa emergencial coordenado pelo Exército e pela Defesa Civil. A água é levada aos Municípios, distritos e propriedades rurais a partir de mananciais cada vez mais distantes.

            Esse quadro de escassez tem feito aflorar conflitos pelo uso da água entre Estados e Municípios. Há também embates entre os diversos tipos de uso da água, como a pesca, a navegação, a produção de energia elétrica, a irrigação de lavouras e pastagens, o abastecimento de parques industriais e de empresas do setor de serviços, além, é claro, do consumo humano residencial. Estabelecido o conflito, as partes interessadas devem, na forma da Lei, reunir-se com os representantes de órgãos federais, estaduais e municipais com o objetivo de firmar um acordo de uso entre os usuários tendo como parâmetro os marcos regulatórios.

            Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

            Embora a seca no Semiárido nordestino seja um fenômeno recorrente, a estiagem que atualmente flagela nossa população revela-se especialmente severa, tendo feito com que a escassez de água atinja um estágio crítico, como aponta a publicação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

            De modo similar, as enchentes na Amazônia são fenômeno cíclico, que se repete a cada ano. No entanto, a enchente que se abateu sobre os Estados de Rondônia e do Acre meses atrás teve proporção inédita, provocando o alagamento de áreas muito mais extensas do que habitualmente ocorre, chegando ao ponto de interromper a ligação rodoviária daqueles Estados com o restante do País.

            A estiagem que castiga os Estados do Sudeste, por seu turno, traz também a marca do ineditismo, acarretando crise hídrica de gravidade que não se supunha pudesse ocorrer na região Sudeste do País.

            Infelizmente, nos mais diversos quadrantes do território nacional podemos observar situações que confirmam plenamente as conclusões do novo relatório produzido pelo Painel Intergovemamental sobre Mudança Climática - IPCC. Os fenômenos climáticos extremos apresentam maior intensidade e duração, e passam a atingir regiões onde, até recentemente, eles eram desconhecidos.

            Tudo contribui para evidenciar a tremenda gravidade da crise ambiental que o planeta já começou a viver. E preciso dar muita atenção a esse quadro.

            Chamo, neste momento, todos os Senhores Senadores e as Senhoras Senadoras a fazerem uma séria reflexão sobre os desafios que a crise ambiental coloca para toda a humanidade neste momento da História. Chegamos a um ponto em que é preciso agir com muita coragem e determinação, não nos furtando a realizar os sacrifícios necessários para mitigar os efeitos do aquecimento global e para nos adaptarmos, na medida do possível, às suas inevitáveis conseqüências.

            Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2014 - Página 186