Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a redução da vazão do Rio São Francisco, causada por mudanças climáticas e ações antropogênicas; e outro assunto.

Autor
Kaká Andrade (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Porto de Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA. HOMENAGEM.:
  • Preocupação com a redução da vazão do Rio São Francisco, causada por mudanças climáticas e ações antropogênicas; e outro assunto.
Aparteantes
Jorge Viana, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2014 - Página 177
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, DISPUTA, UTILIZAÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, ENFASE, TRANSPORTE FLUVIAL, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO NORDESTE, PESCA, SISTEMA DE GERAÇÃO, ENERGIA ELETRICA, IRRIGAÇÃO, LAVOURA, INICIO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, ESTADOS, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DA PARAIBA (PB), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), REDUÇÃO, ESCOAMENTO, COMPROMETIMENTO, BENEFICIO, RIO, SUBORDINAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, QUANTIDADE, PESCADO, NAVEGAÇÃO FLUVIAL, DEMANDA, USINA HIDROELETRICA, CRIAÇÃO, EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO RURAL, AUMENTO, SAL, PROXIMIDADE, FOZ, PREJUIZO, ABASTECIMENTO DE AGUA, CIDADE, DESCUMPRIMENTO, POLITICA NACIONAL, RECURSOS HIDRICOS, DEFESA, NECESSIDADE, LEGISLAÇÃO, ESTABELECIMENTO, EXIGENCIA, COMITE, BACIA HIDROGRAFICA, RESPONSABILIDADE, DECISÃO, ALTERAÇÃO, FLUXO, RESERVATORIO, DESMATAMENTO, CERRADO, AGRAVAÇÃO, ACUMULAÇÃO, RESIDUO, MARGEM, BACIA, LIGAÇÃO, MUDANÇA CLIMATICA, RESULTADO, SECA.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ENFASE, PLANEJAMENTO, ARTIFICE, AUMENTO, FLUXO, RIO, LAGOA, GARANTIA, PESCA, PRODUÇÃO AGRICOLA, ARROZ, PROMOÇÃO, LIMPEZA, RESIDUO, AUTORIZAÇÃO, NAVEGABILIDADE, CRIAÇÃO, PROGRAMA, REFLORESTAMENTO, VEGETAÇÃO, MARGEM, POSSIBILIDADE, GOVERNO FEDERAL, INTEGRAÇÃO, BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, BACIA DO RIO ARAGUAIA.
  • CRITICA, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), APROVEITAMENTO HIDROELETRICO, USINA HIDROELETRICA, LIGAÇÃO, MUNICIPIOS, PIRANHAS (AL), CANINDE DE SÃO FRANCISCO (SE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE SERGIPE (SE).
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, IRMÃ, ORADOR.

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo, Srªs e Srs. Senadores, espectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, todos que nos acompanham pela internet, pelo sistema de comunicação do Senado, minhas senhoras e meus senhores, como têm sido amplamente noticiados pelos meios de comunicação, os conflitos pelo uso das águas estão bastante acirrados na Região Sudeste, mormente em face da severa estiagem que agora ocorre.

            Já no caso do Rio São Francisco, as disputas pelo uso de suas águas são bastante antigas e se agravaram desde a concepção do projeto para transpor parte delas com o intuito de atender às necessidades de alguns Estados nordestinos. Ainda maior acirramento hoje ocorre por conta da tremenda queda que se verifica por diversos motivos na vazão do rio.

            Desde uma perspectiva histórica, o uso mais tradicional das águas do São Francisco é para a navegação, motivo para a sua denominação como Rio da Integração Nacional, uma vez que liga as Regiões Sudeste e Nordeste. Também antiquíssima, é claro, é sua utilização como fonte de recursos pesqueiros.

            A partir da década de 60, foram construídas represas para regularização de vazão e geração de energia elétrica, como Três Marias, em Minas Gerais; Sobradinho, na divisa de Pernambuco com a Bahia; Paulo Afonso, na divisa da Bahia com Alagoas; e Xingó, entre Sergipe e Alagoas.

            Um quarto uso das águas do rio, este mais recente, é a irrigação de lavouras em toda a sua extensão. Por fim, houve o início das obras do grande projeto de transpor parte de suas águas para os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

            Hoje, 12% das águas do Rio São Francisco abastecem as cidades e comunidades rurais, 7% vão para a indústria, e 77% são destinados à irrigação agrícola. No norte de Minas Gerais, está localizado o maior projeto de fruticultura irrigada da Região Sudeste, o Projeto Jaíba, com 25 mil hectares plantados com vários tipos de frutas. Esse projeto gera um expressivo número de vagas de trabalho. São mais de 18 mil empregos diretos.

            Nunca será demais, Sr. Presidente, destacar a importância do nosso Velho Chico, que fornece água para muitos milhares de famílias, peixes para alimentação, gerando renda para os pescadores artesanais, irrigação para a agricultura, além de atrativos turísticos.

            Concedo um aparte ao Senador Jorge Viana.

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Querido Kaká Andrade, Senador Presidente, Mozarildo, eu estou recebendo a visita de uma nova colega. V. Exª está saindo, mas a futura Senadora Regina vai assumir a vaga do eleito Governador Wellington Dias. Então, será nossa colega aqui no Senado, nossa representante do Piauí, e, certamente, vai ter dificuldade de levar adiante o trabalho do Wellington, porque ele é muito querido e respeitado. Ela vai trazer também um aumento, uma ampliação da Bancada das mulheres aqui, Senador Kaká - você, que está nos deixando nesta semana e que honrou também esta Casa. A colega Regina vem logo no começo do ano e está aqui fazendo uma visita. Eu queria que os assessores da Mesa acompanhassem, inclusive, a nossa Senadora aqui, para que ela pudesse subir e ver como é que funciona o Senado. Vamos ali em cima tirar uma fotografia junto com o Presidente Mozarildo. Obrigado, Senador.

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Senadora Regina, seja bem-vinda. Espero que tenha êxito durante a sua passagem por esta Casa.

            De outra parte, é igualmente importante ressaltar que todos os benefícios proporcionados pelo rio ficam comprometidos quando sua vazão é reduzida, como está acontecendo agora.

            Quando míngua a água do rio, são graves, algumas vezes irreversíveis, as consequências para todo o Submédio e o Baixo São Francisco, regiões que englobam quatro dos cinco Estados banhados pelo rio: Bahia, Pernambuco, Alagoas e o meu Sergipe.

            Por isso, é inadiável o enfrentamento dos diversos fatores que vêm prejudicando a vazão do rio e, consequentemente, a vida de todos aqueles que dependem do São Francisco para sobreviver.

            Para melhor compreendermos esse problema, é necessário voltarmos no tempo até suas origens. Foi a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), mediante o Decreto nº 8.031, de 3 de outubro de 1945, que deu origem ao protagonismo do setor elétrico, resultando na quase desconsideração dos demais usos das águas do Rio São Francisco. Em decorrência da importância para toda a Região Nordeste da promoção de oferta regular e abundante de energia elétrica, o planejamento do Vale do Rio São Francisco foi subordinado aos objetivos específicos deste vivo fator de transformação: a oferta garantida de energia elétrica.

            Este é o cerne do problema do Vale: a vazão de cada reservatório é definida em função do funcionamento das diversas usinas hidrelétricas, cabendo aos demais usuários se acomodarem às metas estabelecidas e ajustarem suas demandas de água aos objetivos estabelecidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) na gestão, em escala nacional, do funcionamento do sistema elétrico.

            A decisão de construir a grande barragem de Sobradinho, na década de 1970, terceiro maior lago artificial do mundo, representou a escolha de uma opção em face do dilema, sempre presente para a população e as empresas e entidades que ocupam as margens de um grande rio, como o nosso Rio São Francisco: por um lado, a construção de uma grande barragem permite livrar a todos da destruição ocasionada pelas grandes cheias, as quais acontecem a cada 20 ou 50 anos. Elas servem ainda para suprir uma vazão maior que a provável vazão natural por ocasião dos anos de menor precipitação pluvial, respondendo assim à escassez generalizada de águas nessas oportunidades.

            Por outro lado, uma grande barragem elimina as cheias anuais que fertilizam os terrenos marginais, principalmente nos trechos do médio e baixo vale de um grande rio, e enchem de água as lagoas onde os peixes se reproduzem, replicando, em quase todos os anos, o papel desempenhado pelo Rio Nilo na criação das condições econômicas que permitiram o surgimento da grande civilização egípcia.

            Até os anos 70, Srªs e Srs. Senadores, as várzeas de Sergipe e Alagoas eram lugares de uma economia rica, de pujante agricultura, baseada na produção do arroz, e o rio era imensamente piscoso, pois as várzeas se transformavam anualmente em imensos berçários para diversas espécies de peixes; moluscos, em especial mariscos; e crustáceos, como o camarão.

            Com a construção da grande barragem de Sobradinho, a vazão do rio foi drasticamente reduzida. De acordo com o National Center for Atmospheric Research, o Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas, localizado no Colorado, Estados Unidos, a perda de vazão do Rio São Francisco, entre os anos 1948 e 2004, foi de nada menos que 35%!

            Evidentemente, essa redução de vazão teve consequências catastróficas. No que tange à navegabilidade do rio, por exemplo, a situação é apontada como precária, desde pelo menos a publicação do Plano Decenal, em 2004. Dos 1.370km antes navegáveis, hoje, apenas 572km permanecem navegáveis. Ainda pior, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco considera que parte desse último trecho, que há muitos anos está desativada, parece definitivamente também perdida. Hoje, as restrições à navegação se verificam em todo o curso do rio, não mais apenas no Baixo São Francisco.

            Após a construção da grande barragem, a implantação de projetos de irrigação e a construção de dezenas de quilômetros de pôlderes não lograram reproduzir as condições naturais anteriores. Houve, a partir daí, um empobrecimento generalizado da população rural. A pesca, como atividade econômica, praticamente acabou em determinados trechos do Rio São Francisco, localizados nos Estados de Sergipe e Alagoas, pois os estoques de pescado se reduziram drasticamente, com perda de diversidade e diminuição do tamanho dos peixes. A produção de arroz foi quase eliminada, pois se tornou inviável em função dos altos custos de operação dos projetos de irrigação. De fato, as regiões mais pobres do meu Estado, Sergipe, são, hoje, exatamente aquelas lindeiras ao rio, em decorrência do fim das cheias anuais.

            Em síntese, a economia do Baixo Vale do São Francisco passou, com a construção da barragem de Sobradinho, a ser protegida das grandes e periódicas cheias e enchentes, mas perdeu a sua pujança histórica, e a sua população rural agora depende de aposentarias e pensões pagas pelo INSS, do Seguro Defeso para os pescadores e das sistemáticas transferências de renda, como o Bolsa Família.

            O “efeito Nilo” no Rio São Francisco foi, na prática, eliminado, em decorrência da imposição da supremacia dos interesses e objetivos do funcionamento da cascata hidrelétrica da Chesf sobre os interesses e objetivos dos demais usuários dos recursos hídricos.

            Anteriormente à construção da barragem de Sobradinho, o grande caudal das enchentes anuais levava os bancos de areia para o mar, e o oceano não invadia o Baixo Vale com a sua língua salina, como atualmente ocorre, pois havia permanentemente um canal escavado pelas enchentes para levar as águas do Velho Chico até o mar. Hoje, peixes de água salgada estão sendo pescados a mais de 100km da foz do Rio São Francisco, fato que permite dimensionar a profundidade da invasão da cunha salina. Esse fenômeno representa sério risco para as cidades localizadas próximas à foz do rio, as quais podem ter seu abastecimento de água inviabilizado em decorrência da salinidade.

            A completa destruição do povoado Cabeço, localizado em ilha na foz do Rio São Francisco, na divisa entre Sergipe e Alagoas, no Município sergipano de Brejo Grande, é uma testemunha das mudanças causas pela barragem de Sobradinho no regime hidrológico do rio e nas características de sua foz. Não menos impressionante é o fato de que o farol, que antes sinalizava a foz, hoje se encontra a cerca de mil metros mar adentro.

            A realidade, Sr. Presidente Mozarildo, Srªs e Srs. Senadores, é que a ação combinada da Agência Nacional de Águas e do Operador Nacional do Sistema Elétrico passou a esmagar as possibilidades de promoção da conciliação dos objetivos e interesses dos usuários da água em cada bacia hidrográfica, anulando um fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos, definido pelo inciso IV do caput do art. 1º da Lei das Águas, Lei nº 9.433, de 1997: “a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas.”

            Resta hoje evidente o efeito nefasto da condução centralizada do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos a partir de Brasília, sendo inadiável promover uma alteração legal para fortalecer os Comitês de Bacias Hidrográficas como instrumento de conciliação do uso múltiplo da água nos vales do País.

            Entendo deva ser estabelecida em lei a exigência de que o Comitê de Bacia Hidrográfica continue o locus de decisão quanto à alteração da vazão outorgada em reservatórios regularizadores. Essa alteração legislativa é fundamental, especialmente em casos como o da Bacia do Rio São Francisco, haja vista que tem sido cada vez mais frequente a realização de reduções emergenciais, realizando-se a liberação de uma vazão mínima, sem tempo suficiente para que os usuários situados a jusante do respectivo reservatório se organizem para fazer face às novas contingências.

            No meu entendimento, as alterações de vazão devem priorizar não apenas a segurança energética, como também os demais usos de água, conforme exige a Política Nacional de Recursos Hídricos. Assim, a decisão de alterar vazões deve ser posta em execução de forma gradual, segundo decisão do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica.

            De fato, a redução ou o aumento da vazão sem regras fixas e sem participação dos demais usuários tem gerado impactos econômicos, sociais e ambientais significativos aos Municípios, em especial aos setores ligados ao saneamento ambiental, à produção agrícola e à navegação, bem como às populações ribeirinhas.

            Impõe-se alterar o regime de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos no sentido de que o respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica autorize previamente o aumento ou a redução das vazões oriundas de reservatórios reguladores, bem como estabeleça cronograma para implementação dessa medida, de modo a preservar o uso múltiplo das águas e promover, na medida das condições vigentes, a conciliação dos objetivos dos demais usuários.

            Essa é, Sr. Presidente, medida importante no sentido de garantir a vazão ecológica e o uso múltiplo das águas de nossos rios à jusante dos grandes reservatórios. Muitas outras medidas são, contudo, necessárias à preservação dos rios brasileiros.

            Voltando ao caso específico do Rio São Francisco, sabemos que seus maiores tributários, em termos de contribuição hídrica - o Rio Paracatu, o Rio Grande e o Rio das Velhas -, estão localizados no Cerrado, bioma que, aliás, cobre praticamente metade da área da Bacia do São Francisco, estendendo-se de Minas Gerais até o oeste e o sul da Bahia. A Caatinga, por seu turno, predomina em Pernambuco, Alagoas e nordeste da Bahia, onde as condições climáticas são mais severas.

            Na Bacia do São Francisco, a vegetação natural do Cerrado foi substituída por pastagens e espaços agrícolas, bem como por reflorestamentos e espaços destinados à ocupação urbana e às atividades industriais. O grande domínio original desse tipo de vegetação, que cobre grande parte da bacia, está localizado em Minas Gerais e no oeste da Bahia, ou seja, nas regiões do Alto e Médio São Francisco.

            No Cerrado, em áreas de nascentes, as matas de galeria, protetoras dos marimbus e das "bolhas" que formam as nascentes dos afluentes, estão sendo dizimadas, assim como o ecossistema de veredas. Os buritizais que as caracterizam estão diminuindo em ritmo acelerado. Desse modo, o desmatamento segue também aumentando, agravando inclusive o assoreamento dos leitos fluviais.

            Até a década de 1970, cerca de 300 mil hectares foram desmaiados anualmente nos cerrados de Minas Gerais, principalmente para o suprimento de carvão ao parque siderúrgico do Estado. Essa devastação chegou a atingir um milhão de hectares, até que a região, já quase totalmente desnuda, foi parcialmente socorrida por uma lei estadual impondo gradativa substituição do carvão proveniente das florestas nativas por aquele de florestas cultivadas.

            Em síntese, a ocupação urbana, a agricultura irrigada, a pecuária extensiva e o desmatamento indiscriminado, incluindo matas ciliares, constituem as principais intervenções humanas que estão ameaçando a disponibilidade hídrica em quantidade e qualidade suficientes na Bacia do Rio São Francisco.

            Juntamente com a mudança climática, todas essas agressões antropogênicas têm levado à drástica redução que se observa no volume das águas do São Francisco. Para que se tenha uma ideia da gravidade do quadro, basta dizer que, na semana passada, os três maiores reservatórios localizados na calha do rio estavam na seguinte situação: Sobradinho apresentava 21,4% do seu volume útil; Itaparica, 17,4%; e o reservatório de Três Marias - pasmem os senhores! - tinha menos de 3% do seu volume útil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já é passada a hora de revertermos essa situação. De hoje em diante, é fundamental que os reservatórios hídricos a serem construídos no País sejam planejados tendo em vista as situações críticas. Não podemos continuar contando com a generosidade de São Pedro, até porque as mudanças climáticas já estão em curso.

            É necessário, de outra parte, colocar, em primeiríssimo lugar, a garantia do abastecimento para o consumo humano e a vazão ecológica. Essas, sim, são questões prioritárias! No que concerne ao consumo para outras finalidades, a diretriz deve ser a da economia desse precioso recurso, com a persistente aplicação de medidas de redução, reutilização e reaproveitamento.

            Eu, que represento nesta Casa o Estado de Sergipe, devo manifestar minha indignação com o uso basicamente voltado para a geração de energia elétrica das águas do São Francisco.

            Dando absoluta prioridade a esse uso do rio, o ONS, a ANA e a Chesf desconsideraram por completo as dramáticas consequências da míngua na vazão para o Baixo São Francisco, no Estado de Alagoas e no meu Estado de Sergipe.

            São intoleráveis as falhas no planejamento das barragens. Em Xingó, não foi construída a escada necessária para a piracema, rompendo-se, assim, o círculo da reprodução dos peixes. Essa falha na execução da obra cria para a Chesf a obrigação de promover o repovoamento do rio, como medida de compensação ambiental. E, tendo em vista a inexistência da escada, é imprescindível que as iniciativas de repovoamento sejam regulares, sistemáticas e permanentes.

            Outro fato obscuro que a direção da Chesf precisa explicar é o subaproveitamento do vultoso investimento realizado em Xingó. Aquela usina hidrelétrica foi planejada, projetada para a operação de dez turbinas, gerando, cada uma delas, 500MW, no total de 5.000MW.

            Assim foram construídas as tomadas d’água. No entanto, acabaram sendo instaladas, apenas, seis turbinas. O megainvestimento foi realizado. A obra civil está pronta. No entanto, verifica-se o desperdício de 40% do seu potencial.

            Eu concedo, com muita honra, aparte ao Senador Pedro Simon.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Ilustre Senador Kaká Rodrigues, é com muito respeito que eu faço o aparte a V. Exª. Sua estadia, aqui, no nosso meio, tem demonstrado a sua competência, a sua grande responsabilidade e a importância da sua vida, de modo especial, para o Estado de Sergipe. Fico impressionado com o pronunciamento, neste momento, de V. Exª. Realmente, todos nós, brasileiros, alguns como eu, lá do Rio Grande do Sul, acompanhamos, com respeito e um carinho enorme, o Rio São Francisco, o chamado rio que introduziu a civilização brasileira ao longo de toda a nossa costa, um rio que prestou inestimáveis serviços ao crescimento de nosso País, e que vem sendo objeto de um grande debate, uma grande discussão. Não é de deixar de se reconhecer que todos têm razão. Quem quer levar o rio para regiões onde a presença de água seria necessária e seria importante tem argumentos favoráveis, mas aqueles que acham que o rio tem de ser respeitado na sua capacidade e que essa transposição pode significar algo como quase a morte do rio, ainda tem mais razão. Por isso, eu acho que o pronunciamento de V. Exª, realmente, é muito importante, e eu creio que, nesta hora em que nem sabemos como está a situação - alguns dizem que a obra já está, praticamente, feita e acabada, outros dizem que falta muito, ainda, para, realmente, se concretizar -, eu vejo que V. Exª escolheu um assunto da maior importância e do maior significado no pronunciamento que encerra suas atividades nesta Casa. Atividades que honraram esta Casa, que dignificaram esta Casa. Eu quero dizer - eu, que também estou encerrando minha participação neste Congresso - que tenho muito orgulho em tê-lo como colega. V. Exa demonstrou - a sua biografia, que tenho diante de mim, o mostra - o seu trabalho, a sua dedicação e a sua luta e esforço em prol do bem comum, do progresso e do desenvolvimento do seu Sergipe. Sua profissão, ligada à engenharia química, e a atuação de V. Exa, ligada fundamentalmente à questão da água e do meio ambiente, mostram que V. Exa é uma das pessoas que representam um segmento importante de nosso País, uma das pessoas que fazem e desejam que a gente prossiga. Não é possível que um país como o Brasil, que tem a maior reserva de água doce do mundo, um país como o Brasil, que, lá atrás, no início... Por exemplo, no Rio Grande do Sul, nossos rios eram praticamente todos navegáveis. O transporte no Rio Grande do Sul era praticamente feito através das nossas diversas bacias hidrográficas, e o que esperávamos, naquela oportunidade, era a ligação das bacias. Agora, há uma hidrelétrica aqui, asfalto para lá e para cá. Uma ligação entre Porto Alegre e a cidade de Rio Grande, que é o nosso grande porto, podia ser feita - e era feita - via Guaíba, mas hoje são tantos e tantos quilômetros em uma estrada difícil e complicada. Por isso, eu acho que as palavras de V. Exa, o esforço de V. Exa, a análise que V. Exa está fazendo, demonstrando competência e capacidade no que diz, deviam ser mais debatidos pelo Governo, e o Governo devia prestar um pouco mais de informações para nos satisfazer, porque ficamos na dúvida entre as duas teses. Quem não conhece fica com a interrogação: afinal, é bom ou ruim? Vamos levar adiante ou não vamos levar adiante? Mas eu felicito V. Exa e digo do grande orgulho e do grande contentamento que tive em participar desta Casa com V. Exa. Eu felicito o povo de Sergipe por tê-lo como homem público, e tenho certeza de que, não de passagem, mas se Deus quiser, logo ali adiante, V. Exa poderá realmente representar novamente o povo de Sergipe nesta Casa. Meu abraço, meu carinho, meu muito obrigado. V. Exª é uma demonstração de quem vê, principalmente nos dias de hoje, nas páginas policiais, a política e os políticos, e o resto coloca lá embaixo, que não se pode generalizar, porque ainda existem homens, políticos com dignidade, com seriedade, com hombridade, com responsabilidade e que merecem o respeito de todos, que é o caso de V. Exª. Muito obrigado pelo aparte, Senador.

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Obrigado, Senador Pedro Simon. Quero dizer que Deus foi muito generoso comigo ao me permitir que, durante esta curta passagem aqui pelo Senado, tivesse a oportunidade de ter como colega nesta Casa patrimônios da política brasileira como V. Exª, como já tive a oportunidade de dizer aqui ao Senador Mozarildo, entre outros. Muito obrigado por suas generosas palavras. Para mim, é motivo de muita satisfação mesmo ter dividido esta Casa, ter presenciado vários dos seus lúcidos pronunciamentos aqui, todos eles com eco em todo o Brasil.

            As pessoas comentam quando o senhor ocupa esta tribuna. Ontem, eu ouvi o Senador Randolfe, dizer: “Naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim”. Vai doer em todo brasileiro a saudade da presença de V. Exª nesta Casa, pois V. Exª dignifica e dignificou a política no Brasil. V. Exª passará para a história como um homem com essas qualidades. Existem políticos sérios no Brasil. Política é local de gente séria, e V. Exª está mostrando, com sua história, com sua biografia, que tudo o que estou falando é verdade.

            Sr. Presidente, contando com a sua compreensão, já estou caminhando para finalizar.

            Cumprindo meu dever parlamentar de fiscalização das ações do Poder Executivo devo indagar: por quê? Qual o motivo para esse desperdício? Houve mau planejamento da obra? O volume de água era insuficiente para a operação de dez turbinas de 500MW cada? Afinal, não é por estar sobrando energia no País que deixaram de instalar quatro turbinas. Ao contrário, o País tem necessidade premente de energia, tanto que investimentos para sua produção estão sendo realizados em outros locais. Como explicar, então, que um investimento já realizado permaneça subaproveitado?

            Sr. Presidente, o que deve ser feito para promover a revitalização do Rio São Francisco?

            Uma das providências óbvias é o planejamento de cheias artificiais, capazes de dar ao rio condição semelhante àquela que existia antes dos barramentos. É preciso voltar a encher as lagoas naturais, garantir a plantação de arroz e a pesca. Além disso, essas cheias artificiais terão também o papel de promover a limpeza da calha, mediante o arrastamento dos sedimentos, assegurando, desse modo, a recuperação da navegabilidade do Velho Chico. Evidentemente, antes da realização de qualquer cheia artificial, é necessário prevenir as populações ribeirinhas.

            Deve ser promovido, com seriedade, competência e pertinácia, um programa de recuperação de nascentes em toda a bacia. No contexto desse programa, é imprescindível que as nascentes sejam consideradas e analisadas, não apenas no local onde brotam, mas também, e de modo muito especial, em suas áreas de recarga.

            Não menos importante é a realização de um programa intensivo e continuado de replantio da mata ciliar ao longo de todo o leito do São Francisco e de seus tributários. Precisamos ter claro, Srªs. e Srs. Senadores, que, caso o Rio São Francisco continue no rumo que está, teremos, no futuro, refugiados ambientais, pessoas que rumarão para outras grandes cidades, agravando os problemas que lá já existem.

            Colocando uma dose de audácia nesse objetivo tão relevante de revitalizar o Velho Chico, estou convicto de que é o caso de o Governo Federal considerar com mais atenção a possibilidade de integração da Bacia do Rio Tocantins-Araguaia com a Bacia do Rio São Francisco.

            Evidentemente, a elaboração de um projeto com essa finalidade deverá ser precedida de todos os estudos ambientais e técnicos necessários. É preciso saber se o volume de água é suficiente para permitir a transposição, se a fauna ictiológica dos dois cursos d’água é diferenciada, se não ocorrerá a proliferação de algas exóticas no leito do São Francisco. Esses cuidados devem, por sinal, ser redobrados à medida que estamos tratando de dois grandes rios que compõem diferentes bacias.

            Falando em transposição de águas, Srªs. e Srs. Senadores, desejo reiterar meu posicionamento de sempre no sentido de que a concretização do projeto de transposição das águas do São Francisco foi extemporânea, à medida que o Rio não está mais em condições que permitam a retirada de qualquer volume de água. Sua precária situação atual exige, isto sim, sua urgente revitalização. Feita essa, aí, sim, poderíamos levar à frente a transposição de uma parte de suas águas.

            E fato que a ideia da obra é mais que centenária, existindo, naquela época, robustos argumentos a seu favor.

            No entanto, o projeto foi polêmico na sua decisão e na sua contratação e continua a ser polêmico. É polêmico na sua execução, que se encontra muito atrasada. É polêmico no seu preço, mais que duplicado em relação à previsão original. É polêmico na sua operação, pois ainda existem problemas a serem resolvidos nesse particular. É polêmico no que concerne à rede de distribuição, pois a água do rio não está sendo suficiente sequer para as atividades normais do seu curso, que incluem a vazão ecológica, o abastecimento para o consumo humano, a irrigação agrícola, a geração elétrica, a navegação, a pesca e o lazer.

            Há que se considerar que o processo é irreversível, a obra encontra-se em andamento e vultosos recursos já foram investidos. Como cidadão brasileiro, torço para que ela cumpra os objetivos para os quais foi concebida.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a espécie humana encontra-se, neste momento de sua trajetória, frente a uma encruzilhada. Uma gravíssima crise ambiental já se está desenrolando perante nossos olhos. Eventos climáticos extremos pipocam a todo o momento e nos mais diversos lugares. As florestas agonizam. Os rios pedem socorro. O ar vai se tomando irrespirável.

            E hora de agir!

            Não há tempo a perder!

            Contudo, Sr. Presidente, antes de finalizar, gostaria de prestar uma homenagem à minha irmã Ana Roza, que nos deixou há um mês.

            Nós sabemos minha irmã, que sua face não mais poderá ser tocada, sua mão amiga cessou seu auxílio, sua palavra já não pode ser ouvida; mas sua lembrança jamais poderá ser apagada de nossas mentes e de nossos corações. Onde falta o toque, fica a boa vibração dos seus atos e de sua coragem. Onde falta a palavra, fica a sintonia do bem que você sempre fez a todos.

            A você, Ana Roza, dedico meu mandato, aqui, no Senado Federal.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2014 - Página 177