Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o cenário político do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Reflexão sobre o cenário político do País.
Aparteantes
Telmário Mota.
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2015 - Página 36
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, SITUAÇÃO ECONOMICA, PAIS, ENFASE, DEFICIT, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), BALANÇA, PAGAMENTO, PARALISAÇÃO, ECONOMIA, DEPENDENCIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, ELOGIO, EFICACIA, PROGRAMA MAIS MEDICOS, MANUTENÇÃO, INDICE, EMPREGO, APREENSÃO, CIRCUNSTANCIAS, PEDIDO, POPULAÇÃO, IMPEACHMENT, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INFLUENCIA, CRISE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), DISCORDANCIA, MODELO, SISTEMA ELEITORAL, CARENCIA, TECNOLOGIA, COMENTARIO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, DIALOGO, SOCIEDADE, REDUÇÃO, QUANTIDADE, MINISTERIOS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Senadora Ana Amélia, orgulha-me tê-la aqui presidindo, embora talvez fosse melhor tê-la assistindo, para participar desse debate, pois tenho certeza de que a senhora gostaria.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Democracia Participativa/PP - RS) - Irei para lá.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senadora, dez anos atrás, a senhora não estava aqui como Senadora, mas eu tenho certeza de que era uma observadora ainda melhor do que acontecia no Brasil. Certamente, a senhora lembra como, dez anos atrás, o Brasil vivia um clima de euforia, de satisfação, de alegria. Nós tínhamos as nossas contas equilibradas, tínhamos saldos na balança comercial, tínhamos superávit fiscal, tínhamos programas sociais que nos orgulhavam e que serviam de exemplo para o mundo, como o Bolsa Família, como o ProUni. Tínhamos uma taxa de crescimento, que, se nada tinha a ver com o tempo das grandes bonanças e do chamado “milagre”, eram taxas razoáveis. Nós tínhamos uma estabilidade monetária. Este País tinha uma estabilidade monetária, e nós tínhamos uma grande presença internacional. Estou falando de dez anos atrás, portanto, já no governo do Presidente Lula.

            A partir de 2005, com o mensalão, começou a haver uma quebra nessa euforia. A nossa imensa autoestima de dez anos atrás passou por uma certa crise, mas até o mensalão foi capaz de agregar, de certa forma, um aumento na euforia, quando a gente viu que a Justiça funcionava, quando a gente viu que, apesar de técnicas legislativas não tão satisfatórias de maneira alguma, que eram o pagamento de mensalidades a Parlamentares, se isso nos envergonhou, Senadora, de qualquer maneira, a gente disse: “Poxa, neste País, a Justiça funciona porque coloca no banco dos réus pessoas que antes não iam e até, alguns anos depois, na prisão.”

            Hoje, passados dez anos, nossa situação é completamente diferente.

            Por exemplo, olhando um por um os pontos que citei da nossa euforia, as contas estão desequilibradas. Temos um déficit fiscal de 6,6% do Produto Interno Bruto e ainda temos um déficit na balança de pagamentos de 4,4%, ou seja, além dos 10%, mais dos 10% de déficit. Isso é como se, em sua casa, você estivesse gastando 10% a mais da sua renda, tendo de buscar formas de compensar isso.

            Estamos vivendo o que, em economia, se chama déficit gêmeos, que não é tão comum: é o gêmeo do déficit fiscal das contas internas com o déficit nas contas externas. Gastamos mais do que arrecadamos e exportamos menos do que importamos. Esta é uma realidade dez anos depois.

            Estamos ainda com os programas sociais, mas, depois de dez anos, eles já começam a não satisfazer porque não vemos porta de saída para eles. Continuamos comemorando o aumento no número de bolsas, em vez de comemorarmos não termos mais necessidade delas.

            O crescimento estancou, Senador Capiberibe. Dez anos depois daquela euforia, o crescimento estancou. Fala-se até que, este ano, o crescimento será negativo. Ele já é negativo quando a gente leva em conta o aumento da população. O PIB per capita já está em recessão. Fala-se que o PIB, de uma maneira geral, vai estar também. Temos uma inflação persistente, que resiste; temos a presença internacional reduzida. Aquele elã que Lula e Celso Amorim trouxeram, que deixou o Brasil presente no mundo inteiro, dialogando como uma das quase potências do mundo, não estamos tendo. E ainda temos escândalos como o da Petrobras. Dez anos depois de um período dos mais eufóricos que o Brasil já viveu, comparado, eu diria, com aquele dos anos Juscelino Kubistchek, aqueles anos mágicos, estamos vivendo um período extremamente positivo.

            Para não deixar de falar em algo positivo, cito duas coisas: o impacto do Programa Mais Médicos, que, de fato, trouxe uma mudança na realidade da saúde em alguns milhares de cidades, mas que não está ainda satisfazendo. Todo mundo sabe, mas foi um impacto positivo. E eu diria o fato de que a gente mantém a taxa de emprego; não entramos num período de desemprego. Mesmo assim, o emprego que nós temos são empregos de alta rotatividade e de rendas baixas.

            Ou seja, o nosso quadro hoje, diferentemente daquela euforia, é um quadro de pessimismo, de indignação, de descontentamento, de frustração, eu diria até de raiva. É o que nós, os brasileiros, estamos entre nós sentindo, ao ponto de falar-se numa palavra que não deveria nem haver no dicionário, que é impeachment.

            O ideal é que não existisse isso. O ideal é que não houvesse essa possibilidade de interromper o mandato de um presidente, mas nós voltamos a falar nisso. E o pior, Senador Capiberibe, é que nós falamos isso quase toda vez. Falamos no Collor, primeiro eleito, e levamos até as últimas consequências; falou-se no Fernando Henrique, com a campanha "Fora, FHC"; no Lula, durante o mensalão, chegou-se a falar nisso também; e outra vez se fala. Uma democracia que, em cada presidente, a palavra impeachment aparece, é uma democracia frágil, para não dizer doente.

            Mas a nossa está sendo assim. E com uma diferença, Senador Capiberibe, que preside esta sessão: desta vez nós estamos vivendo no tempo, que não existia antes, da internet, que faz com que, de um dia para o outro, um fenômeno local vire nacional; que faz com que as convocações de manifestação não precisem mais passar pelos jornais, nem pelas televisões, nem pelas rádios; elas surgem, pode-se dizer até espontaneamente, diante dessa rede social que une todos numa imensa praça, a praça digital que a internet permite. Isso agrava muito comparando com Collor, com Fernando Henrique e com Lula, para não falar que o descontentamento hoje é muito maior.

            E para não falar também numa grande dificuldade: é que durante o impeachment do Collor, um Senador falava aqui e ia para o meio da população ser aplaudido; hoje quem falar aqui não se atreva a ir para o meio da população, porque vai ser vaiado, não importando qual de nós aqui.

            Ou seja, isso agrava a crise institucional. Isso não é bom! Isso não é bom! Esse clima de interrupção de mandato não é bom, mas pior é esconder que ele existe. Pior é negar o risco. Por isso, falei aqui um desses dias: eu falei aqui que existe, sim, na boca do povo essa palavra hoje. Eu não vou esconder, porque é o que se ouve nas barbearias, nos táxis, nos ônibus, nas filas. Tem que falar; tem que falar e tem que entender por quê, para, a partir daí, encontrar-se uma maneira de evitar que aconteça. Eu não disse impedir, porque significa proibir, eu disse evitar, fazer com que não seja necessário. Essa é a diferença entre impedir e evitar. Ao impedir, você proíbe; ao evitar, você faz com que não seja necessário.

            Isso está acontecendo porque criamos as condições. Essas condições se resumem a uma palavra: prevenção, ou melhor, imprevidência. Nós não tomamos, não fizemos as necessárias prevenções para este momento.

            Comecemos pela Petrobras, que é uma das causas desse sentimento. É claro que nós não fomos previdentes na administração, na gestão da Petrobras. Transformamos a empresa em solução para todos os problemas nacionais, especialmente a educação que, dizia-se, seria resolvida pelo mensalão, quando qualquer conta mostrava que, se tudo desse certo, até os royalties do pré-sal não seriam suficientes para mais do que 5% e 6% do que a educação vai precisar para dar o salto. E, aí, exigimos investimentos maiores do que ela era capaz de fazer. Mas não só isso, aparelhamos, sim - vamos reconhecer -, aparelhamos, colocando nas direções pessoas vinculadas ao Governo. Até podiam ter certa capacidade, e eu acho que haveria gente com mais capacidade fora. Mas até vamos dizer que não eram incapazes, mas esse vínculo dificultava. Não tomamos a previdência, fizemos gestões temerárias, impusemos um preço abaixo do necessário para dar lucratividade suficiente para permitir a capacidade de investimento nos nossos poços. Como se isso não bastasse, cometemos a imprevidência de mantermos um sistema viciado de financiamento de campanha.

            Quando se soma, Senador Capiberibe, uma administração partidarizada e temerária com um sistema de financiamento de campanha baseado em contribuições de empreiteiras, está dado o quadro para se chegar a esse ponto. É imprevidência nossa! Estou insistindo na palavra “nossa”, não estou dizendo “deles”, do Governo. Estou dizendo “nossa”. Fomos imprevidentes. O Governo é o principal responsável, mas nós somos também responsáveis pelo que acontece.

            Quanto aos déficits, fomos imprevidentes. Quantas vezes aqui, quantas vezes nos bancos das universidades, quantas vezes em congressos não foi dito que se estava gastando mais do que era possível? Quantas vezes? Eu, aqui, falei tantas vezes, publiquei. Sabia-se que estávamos sendo imprevidentes nos gastos públicos, que estávamos sendo imprevidentes na desindustrialização e que isso levaria a problemas nas balanças comerciais.

            Fomos imprevidentes ao não percebermos o risco de queda dos preços das nossas commodities, como se ainda fôssemos um País agrícola. Fomos imprevidentes em não investir em um novo tempo industrial de alta tecnologia, como estão fazendo países que estão dando certo, como a Coreia, como a China. Nós não o fizemos, Senador Capiberibe. Nesses dez anos, não o fizemos, não demos um salto para que nossos produtos deixassem de ser commodities e passassem a ser produtos de alta tecnologia, que é o que, de fato, tem uma dinâmica, uma demanda dinâmica. Agricultura não tem mais demanda dinâmica. Pode até crescer, mas você, depois que come o suficiente para encher a barriga, não compra outra quantidade de feijão. Mas você compra um celular já pensando no seguinte, porque ele é inovado, porque ele é modificado.

            Nós fomos imprevidentes em, nesse período, não termos trabalhado soluções concretas para oferecer portas de saída aos programas sociais. Temos algumas, mas pequenas, tímidas. Não tivemos a ambição de dizer: “O Bolsa Família vai durar 20 anos, e, daqui a 20 anos, ninguém mais vai precisar disso.”

            Nós fomos imprevidentes e aí estamos pagando um preço no crescimento. Nós fomos imprevidentes ao insuflarmos o consumo, esmagando a poupança.

            O crescimento não vem, em parte, pela falta de investimento no passado, que não veio pela falta de poupança, que não veio por um consumo além do que era correto em uma política com prevenção.

            Nós estamos pagando o preço da irresponsabilidade com a inflação. A política fiscal, de excesso de gastos, termina levando à inflação. Nós criamos o descontentamento geral, que vem, por exemplo, da imprevidência de fazer um discurso de campanha que não pode ser realizado depois.

            O Sr. Telmário Mota (PDT - RR) - Senador, o senhor me concede um aparte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Em um minuto, Senador, com o maior prazer.

            Nós fomos imprevidentes! Volto a insistir no pronome “nós”. Fomos imprevidentes! O discurso de campanha foi feito por marqueteiro, e o discurso de governo foi feito por economista. Foi uma imprevidência não perceber no discurso e dizer com clareza, correndo riscos eleitorais, que a tarifa de luz tinha de subir, que a tarifa de água tinha de subir, que os juros iam subir. Tudo isso tinha de ter sido feito. Agora, era um risco eleitoral. Mas era a previdência! Fomos imprevidentes! Nós fomos imprevidentes em usar o discurso de João Santana antes e o do Joaquim Levy depois. Interessante é que, do ponto de vista do imediato, os dois estavam certos. O de João Santana estava certo para ganhar votos, e o de Joaquim Levy está certo para ganhar estabilidade, mas os dois não combinam. E essa não combinação é uma prova de imprevidência.

            Falta prevenção. E isso não é uma característica do Governo. Isso é uma característica brasileira. Nós não somos um povo de gostar de previsão. Daí o problema de saúde: falta de previsão. Grande parte do nosso problema de saúde, nos hospitais, inclusive, vem da falta de água e da falta de esgoto limpo. A gente não investe.

            A grande dificuldade de sermos um País dinâmico tecnologicamente se dá por que não investimos na educação de base. Isso exige pensar preventivamente. E, agora, a gente está diante dessa crise. E espero que despertemos, inclusive para evitar o desenlace que fere a democracia. Mesmo sendo constitucional, mesmo não sendo golpe, impeachment fere a democracia, porque se perde a credibilidade eleitoral, mesmo ganhando credibilidade no funcionamento da Constituição. A Constituição funciona, mas fica uma marquinha, ainda mais quando é uma marquinha repetida. Imagine se a cada quatro presidentes a gente tire dois por impeachment! Não há democracia. Sem se falar que, nos outros dois, também se falou nisso. Então, nós temos de trabalhar para evitar isso.

            Para tanto, é preciso reconhecer, primeiro, que existe essa ideia na cabeça da população e, segundo, que isso não é golpe, que isso é constitucional, tanto é que se tirou o Collor, o Presidente Collor, nosso colega aqui. Não houve quebra da Constituição, ainda que dê para se desconfiar, porque ele foi inocentado pela Justiça recentemente. Mas se seguiram todos os trâmites. Mas não é bom, é ruim. Então, primeiro, é preciso reconhecer e não tapar os olhos nem os ouvidos.

            Há algum tempo, fui muito criticado aqui porque falei que, se fosse recomendar um profissional para a Presidenta Dilma, eu recomendaria um oftalmologista para ela ver a realidade. Acho que, agora, é preciso um médico desses para ela ouvir as vozes do povo. Está precisando ouvir. Nós precisamos ouvir, o PT precisa ouvir. Nós também precisamos ouvir, todos nós! Escutando a voz do povo, reconhecendo o risco, sem medo da palavra, mas querendo evitá-la, acho que aí a gente precisa fazer duas coisas: primeiro, criar...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...um diálogo; segundo, definir uma agenda. Está faltando esse diálogo.

            A Presidenta falou em diálogo no dia de sua vitória e nunca mais voltou a falar em diálogo. Está precisando voltar e praticar o diálogo. Praticar o diálogo significa chamar para conversar os críticos, e não só os bajuladores. Hoje, o Governo prefere ouvir os bajuladores a ouvir os críticos. Não agregam nada os bajuladores. São os críticos que agregam, sobretudo em momentos de crise. E, ao ouvir os críticos, precisa falar algumas coisas para o povo. Por exemplo, precisa reconhecer falhas e erros, reconhecer que gastou mais do que devia, reconhecer que fez um discurso eleitoral que não era compatível com a realidade. E, nessa crítica...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...deve chamar para o diálogo. Collor fez isso, mas já era tarde. O Presidente Collor, ao final, até tentou fazer (Fora do microfone.) um ministério de notáveis, saindo das amarras de seu Partido, saindo das amarras de sua base eleitoral, ampliando-a. Mas aí não dava mais tempo.

            Vale a pena conversar com ele para ouvir essas coisas.

            Creio que essa pauta, essa agenda deveria ter, Senador Capiberibe, entre outras coisas, a substituição de dirigentes do Governo por pessoas com credibilidade, com competência e com respeitabilidade. Hoje, tem de diminuir o número de Ministérios, até porque em 40 é capaz de não haver tantos com credibilidade, com respeitabilidade e com competência no Brasil. Tem de diminuir o número, mas tem de mudar a cara. Os que estão aí não têm credibilidade ou respeitabilidade ou competência. Talvez, alguns pouquíssimos tenham essas três coisas. Tem de haver uma mudança nas estatais também. Uma das vantagens da vitória, nessas eleições últimas, do candidato do PSDB é que se mudariam os dirigentes. A gente precisa fazer uma mudança, precisa dar uma arejada. E não está havendo arejamento. Agora, a grande chance de arejar a Petrobras foi jogada fora, porque não houve arejamento. Houve mudança do nome. Tem de haver isso.

            Tem de haver propostas que compensem as perdas que vamos ter de ter. E vou apoiar isso, mesmo com custo político. Tem de haver perdas para poder haver ajuste fiscal neste País. Vai ter de haver perdas, mas a gente pode compensar, Senador Capiberibe: reduzem-se alguns direitos sociais tradicionais, até porque alguns desses têm de ser moralizados porque não estão muito moralizados, porque houve vícios no seguro-desemprego e tudo isso. Mas se podem criar novos direitos, que vão custar menos ou que têm mais tempo para serem executados.

            O trabalhador brasileiro está disposto, a meu ver, a perder alguns direitos para equilibrar as contas se a gente prometer que, dentro de alguns anos, os seus filhos terão uma escola igual à escola do patrão! Esse é um direito novo. Não custa dinheiro um direito novo ao trabalhador de, a cada tanto tempo, ter uma licença para mudar de profissão, para se adaptar às novas técnicas, que é o que lhe vai garantir emprego. O que garante emprego no mundo de hoje não é uma lei que diga que há estabilidade, mas é a capacidade de o trabalhador se reciclar a cada momento.

            Nós precisamos ter uma pauta e ter um diálogo: diálogo e pauta, pauta e diálogo.

            É disto que a gente precisa: chamar para conversar. E ninguém deve se recusar.

            Eu gostaria de ver - não digo gostar no sentido de satisfação, mas fico curioso de saber - a Presidenta Dilma chamando para ouvir alguns críticos e eles se negarem a ir num momento destes da história. Eu queria ver se eles se negariam. Mas eu quero saber também se, eles indo, ela os escutará. Ou fazemos isso ou vamos caminhar para algo muito perigoso, inclusive porque, se essa ideia de interrupção de mandato pega, não vai ser só o da Presidente, não, mas vai ser o de todos nós aqui. Hoje, impeachment significaria eleição geral antecipada, de todos os Senadores, Deputados, Prefeitos, tudo.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso não seria bom também para o processo democrático. Interrupção não combina com democracia, mesmo não sendo golpista. O impeachment está previsto, mas é interrupção. É interrupção de um processo, de uma lei, de um regulamento. Não é bom, mesmo sendo legal.

            Por isso, vamos fazer o nosso dever de casa, que a gente tem se negado a fazer, o da prevenção. Não fizemos as prevenções necessárias para não chegarmos a este momento, mas ainda é tempo de fazer a previsão necessária para não extrapolarmos - não é a Constituição, porque essa não vai se extrapolada - a normalidade. Temos de ser constitucionais, mas temos de ser normais. Temos de manter a constitucionalidade, mas temos de manter a normalidade. Mas, em momentos de anormalidade, a gente só constrói a normalidade com algumas ações, não fechando os olhos, não tapando os ouvidos. Vamos abrir os olhos, abrir os ouvidos, ver o que a rua está dizendo, saber que esse não é o melhor caminho, mas entendendo por que eles estão querendo isso. Vamos fazer o nosso dever: um diálogo e uma agenda. Com essas duas coisas, nós podemos ficar na normalidade democrática de que o Brasil precisa, além da constitucionalidade democrática.

            Era isso, Sr. Presidente, mas tenho um pedido de aparte, que, se ainda se mantiver, eu terei o maior prazer em dar.

            O Sr. Telmário Mota (PDT - RR) - Senador Cristovam, estou muito atento ao seu discurso e o parabenizo. Eu não podia esperar de uma pessoa da sua magnitude, com seu compromisso cívico e democrático, outra atitude. É verdade que V. Exª abordou diversos assuntos, mas no final entendi sua mensagem como uma mão estendida para o pacto proposto pela Presidenta. Sinceramente, vivi, senti na carne a perseguição de um poder ditatorial, de não ter a liberdade que temos hoje, até de mostrar todas as irregularidades que apontam hoje nos governos, não só no Federal, mas no Estadual e no Municipal. Quando você está em um regime fechado, nada disso é divulgado e nada disso provoca sentimento de revolta na população. Então, entendo que, quando a Presidenta acenou, num primeiro momento, dizendo que precisava buscar o entendimento, o pacto, o diálogo, todos nós temos que fazer uma reflexão: será que foi só o Executivo o responsável? Como V. Exª disse, V. Exª veio muitas vezes a esta tribuna e fez grandes alertas, grandes observações, mas quando você está no calor de uma eleição, quando você está no calor de uma disputa, às vezes você não quer mexer naquilo que satisfaz a população. De repente, pode-se paralisar um crescimento econômico ou o desenvolvimento de uma economia, ou alavancar isso em alta velocidade com bons números, mas o maior capital é o humano. Vivemos num país em que ainda o próprio sistema da ditadura... Na época, li muitos livros de V. Exª nesse sentido. Espera-se o bolo crescer para dividi-lo. Isso nunca aconteceu. Vivemos, sim, num país de pessoas pobres, de pessoas necessitadas, um país que parece um continente, que é o nosso. Se pegarmos do Rio Grande do Sul a Roraima, que é o meu Estado, vamos encontrar todas essas diferenças. Então, acho que, nesta hora, o Congresso, que é uma Casa maior de reflexão, de pessoas amadurecidas, comprometidas com a democracia, com a cidadania, que tem de ter a responsabilidade da governabilidade, acho que, às vezes, o gesto não pode ser esperado só do Executivo.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Telmário Mota (PDT - RR) - Ninguém faz um governo só com o Poder Executivo, até porque isso foi uma coisa implantada num sistema ditatorial, em que só o Executivo faz, e o Legislativo bate palmas ou fica assistindo. Acho que é hora de todos aqui se curvarem diante das necessidades do que a população, do que as ruas gritam, mas com responsabilidade. Não adianta a gente chegar aqui e impor um monte de reformas, um monte de situações pela força das ruas, se, amanhã, tivermos de fazer um novo acerto nesse planejamento. Acho que esta é a hora de todo mundo dar as mãos. Nós não compusemos nem as nossas comissões. Esta Casa ainda nem colocou as comissões para trabalhar. Está atrasada! Você vai ali, na Câmara Federal, e já estão num vapor bem maior do que o nosso. O carro deles já está...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Telmário Mota (PDT - RR) - ...bem na frente do nosso. (Fora do microfone.) Sr. Presidente, obrigado. Concluindo, V. Exª tem toda a autoridade do homem que já escreveu a sua história no Brasil. Vamos fazer uma frente dentro deste Senado? Eu vejo aqui frente para a infraestrutura, frente para a saúde. Frente só para tirar. Vamos fazer uma frente para salvar o Brasil!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem!

            O Sr. Telmário Mota (PDT - RR) - Eu convido V. Exª para fazer parte.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem, Senador Telmário! Eu fico satisfeito com a sua proposta.

            Essa frente é que a gente precisa, incluindo nela, talvez, 81 Senadores. Essa é a frente de hoje, uma frente que, daqui a alguns meses, talvez, eu espero, não precisemos mais dela. Eu quero fazer parte dessa frente. Ao vir aqui, eu já sou, de certa maneira, um membro dessa frente.

            Mas quero tirar proveito de duas coisas do seu discurso. Um é que, como o senhor fala, a impressão que eu tenho é que nós nos dividimos aqui em dois grupos: os que esperneiam e os que aplaudem. Só existem esses dois. Não existe ninguém, de fato, pensando, enfrentando, formulando, correndo riscos, porque, se se esperneia, você tem aplausos de um lado; se se aplaude, você também aplaudiu do outro lado. O meio termo leva pancada dos dois lados.

            Hoje, recebi uma pergunta, por uma das redes que eu uso, que foi a seguinte: “Quando é que você vai escolher o seu lado? Você é PT ou PSDB?” O meu lado eu escolhi quando era adolescente. Estou do mesmo lado. Já mudei até de sigla, mas de lado, não! Sigla é uma coisa. Lado é outra. Em alguns lugares, as siglas terminam consistentes com lados. Hoje, não mais.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Então, este é um lado: nem espernear, nem aplaudir. Formular, falar, propor.

            Segundo, a ideia de o bolo crescer. Há muitos anos, sempre digo que esse negócio de o bolo crescer para depois distribuir é uma promessa para não distribuir nunca, até porque você não pode, Senadora Simone, fazer um bolo cheio de açúcar e, depois, distribuir para diabético. Não é recomendável.

            A maneira como o bolo vem crescendo no Brasil é intrinsecamente não distribuível, porque não dá para todos. Vejam o exemplo do automóvel: não vai dar para todos, porque não cabe nas ruas, porque o combustível consumido vai poluir.

            Então, temos é que definir o bolo que a gente quer para atender às necessidades da população. Aí, faze-lo crescer, mas de forma compatível com as necessidades. Hoje, o nosso bolo cresce conforme o capital quer, e o Governo entra nisso. E nós aplaudimos, ou esperneamos.

            Eu acho que, em vez de aplaudir ou espernear, vamos gritar, Senador Dário. Vamos gritar! Vamos gritar o que a gente pensa, mesmo que alguns achem que é delírio, que é idealismo ou que não se enquadra em nenhuma das duas polarizações que estão aí, porque são ambas responsáveis, ao longo da década que falei aqui, pelo o que está acontecendo. Embora nesses dez anos só houvesse o Governo do PT, o Governo do PT foi uma continuação, com outra cara, do Governo do PSDB. Vamos gritar, em vez de espernear e de aplaudir.

            Vamos gritar fazendo essa frente, Senador Telmário, que o senhor propôs. Salvar o Brasil talvez fique mais dramático do que eu até costumo ser, porque dá a impressão de que estamos nos afogando mesmo. Não estamos. A gente está é nadando com braços errados, mas não nos estamos afogando. Vamos escolher um verbo diferente de “salvar”, mas uma frente que seja para recuperar o Brasil, para tirar, para equilibrar, para evitar tragédias.

            Era isso, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Democracia Participativa/PSB - AP) - Obrigado, Senador Cristovam.

            Definitivamente, V. Exª não é aquele político redondo: que rola para um lado, que rola para o outro, de acordo com os atrativos que são postos na sua frente.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2015 - Página 36