Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação, ocorrido em 21 de março, com ênfase na política de cotas em universidades públicas como instrumento para a redução da discriminação racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Registro do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação, ocorrido em 21 de março, com ênfase na política de cotas em universidades públicas como instrumento para a redução da discriminação racial.
POLITICA SOCIAL:
Aparteantes
Cássio Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2015 - Página 73
Assuntos
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Outros > POLITICA SOCIAL
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, NELSON MANDELA, OBJETIVO, ERRADICAÇÃO, APARTHEID, APREENSÃO, AUMENTO, NUMERO, REFUGIADO, MOTIVO, GUERRA, PERSEGUIÇÃO, ANUNCIO, INAUGURAÇÃO, EXPOSIÇÃO, MUSEU, LOCAL, RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, TRAFICO, ESCRAVO, REGISTRO, BAIXA, QUANTIDADE, CONGRESSISTA, NEGRO, LOCALIDADE, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, RESULTADO, PROGRAMA, REFERENCIA, RESERVA, COTA, VAGA, BENEFICIO, NEGRO, LOCAL, CENTRO UNIVERSITARIO, SOLICITAÇÃO, MANUTENÇÃO, AUXILIO, PERMANENCIA, ESTUDANTE CARENTE, LEITURA, CARTA, AUTORIA, ADVOGADO, ORIGEM, PORTO ALEGRE (RS), RIO GRANDE DO SUL (RS), ANUNCIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), REUNIÃO, CONVITE, UNIVERSIDADE, ESTADO DA BAHIA (BA).

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador José Medeiros, que preside esta sessão, agora, no mês de março, nós tivemos - duas delas já passaram - datas importantes no cenário internacional na luta contra todo tipo de preconceito, discriminação, ódio, nessa longa caminhada em defesa dos direitos humanos. Tivemos o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e tivemos também, Sr. Presidente, bem próximo agora, o dia 21 de março. Relembramos um evento de triste memória, mas de força libertadora sem par. Por isso, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação foi criado pela ONU e tem como marco o Massacre de Shaperville, ocorrido nessa mesma data, dia 21 de 1960.

            Em Joanesburgo, na África do Sul, naquela ocasião, 20 mil pessoas protestavam pacificamente contra a lei do passe do regime do apartheid. Ainda que conduzida em paz, a manifestação foi duramente reprimida pela polícia do apartheid. Mataram 60 pessoas, grande maioria, jovens, mas deixaram gravemente feridos com sequelas outras 186 pessoas. Passaram-se já 55 anos desde o Massacre de Sharpeville e outros 25 do fim do apartheid na África do Sul, que só acabou pela força, pela liderança do imortal - do imortal! - Nelson Mandela.

            Mas, infelizmente, ainda, senhoras e senhores, persistem odiosas discriminações baseadas na idade, na cor da pele, na etnia e na origem das pessoas. A discriminação, senhoras e senhores, é uma das principais causas da busca de refúgio no mundo e também de guerras. Desde 1951, existe o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, criado pela Assembleia Geral para tratar dessa questão.

            Para termos uma ideia dessa grave situação internacional, entre 1975 e 1997, o número de refugiados no mundo cresceu dez vezes, passando de 2,4 milhões para 22 milhões. Pessoas fugiam dos preconceitos, das guerras, da intolerância e da perseguição, sendo que a proporção chegou a ser de 1 refugiado para 115 pessoas da população mundial.

            Nos dias atuais, de todos os refugiados no Brasil, 80% fugiram dos preconceitos, da discriminação. Isso sem contar os refugiados negros e brancos de outras nacionalidades, onde existem populações que são também discriminadas, como é o caso da Colômbia, que já responde por 10% da população refugiada no Brasil.

            Em nosso País, decorridos 127 anos do fim oficial da escravidão, as desigualdades ainda persistem, a exemplo de 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Esta é uma data para denúncia, e não para festas. E por que a ONU decidiu por um dia internacional? Pela mesma razão. Desde antes de 1500, infelizmente, na Europa, iniciaram um movimento de forçar aqueles que são discriminados a deixarem suas terras para as mais hediondas formas de vida, ou seja, foram jogados como mercadorias ao tempo, ao vento e ao mar. Transformaram seres humanos em bens comercializáveis, colocando-os à disposição de outros senhores para o trabalho forçado no mundo. É essa a nossa indignação até hoje.

            Nós, o Brasil, construímos um dos maiores destinos dessas pessoas. Por sinal, recentemente, foi aberta, no Museu da Justiça do Rio de Janeiro, a exposição chamada “Livres para sempre”, sobre a história do tráfico de escravos no mundo. Bela iniciativa, composta por paineis que explicam a história do comércio transatlântico de escravos. A mostra foi criada pelas Nações Unidas para lembrar os 400 anos, dos quais mais de 15 milhões de pessoas foram vítimas de um dos capítulos mais nefastos da história da humanidade. Um período longo, mas jamais pode ser esquecido.

            Esse evento é parte das atividades da Década Internacional dos Afrodescencentes (2015-2024), uma iniciativa para a qual o Brasil teve importante papel.

            Todas as Américas - Norte, Central e Sul - receberam essas populações e aqui as mantiveram. Aqui, as famílias, as etnias, as línguas foram separadas, como forma de se prevenirem contra todo e qualquer possibilidade de rebelião.

            Muitos se orgulham de termos uma Nação em que a Língua Portuguesa se mantém universal em tão vasto território, mas poucos sabem a que custo em violência simbólica, contra todos os idiomas das nações outras dos imigrantes que para cá vieram e que foram proibidos de falar a língua original.

            Durante muitos anos, a historiografia oficial e até mesmo as representações simbólicas fizeram crer ao senso comum que a sujeição dos escravos teria sido feita sem resistência, porque eles não queriam pelear, não queriam lutar.

            Grande engano ou grande mentira. O resgate da verdadeira história tem nos revelado o quanto foi sangrenta a oposição dos escravizados. Lutaram, guerrearam, criaram quilombos, uniram-se, e muitos, como conta o livro Navio Negreiro, jogavam-se no mar, agarrados nos filhos, com a esperança de voltar para o país de origem, e acabavam morrendo.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Essa história se torna muito mais, vamos dizer, aflitiva. Causa aflição imaginar a separação das famílias, porque uma coisa é pegar alguém que não tem laços nenhum e trazer. Vai ser sofrido, vai trabalhar, a escravidão é abominável, mas, quando se imagina um pai de família ser retirado dos seus filhos sem a menor perspectiva de voltar, isso é terrível.

            É por isso que, neste momento, cabe a nós refletir, aqui, no Brasil, sobre a situação que está acontecendo com esses médicos de Cuba. Por mais que seja justificável esse acordo entre Brasil e Cuba, ele traz, no seu nascedouro, eu diria, semelhança com aquela época.

            Recentemente, a imprensa toda divulgou que esses médicos vêm para o Brasil, mas ficam proibidos de trazer suas famílias. Eles podem vir esporadicamente, e isso tem sido muito ruim, porque separa as famílias.

            Quer dizer, imagine esses profissionais, que têm que lidar com vidas aqui, que têm que atender pessoas, que têm, muitas vezes, que fazer cirurgias. Elas precisam estar sob total domínio da sua parte emocional.

            E, como um pai, uma mãe tem total domínio e está bem para prestar um serviço, se sabe que, nesse momento, sua família não está bem? Isso é muito preocupante, porque as doenças exteriores são fáceis de diagnosticar, mas essas coisas vão adoecendo. A distância da família adoece as pessoas.

            Creio que um servidor público, ou qualquer pessoa, trabalhando em condições mentais não favoráveis, pode causar tragédias. Acabamos de ver um exemplo. Estão aqui os jornais publicando a respeito desse piloto que estava com depressão.

            Sabemos que a depressão é, talvez, a doença mais comum que existe, e é por isso que V. Exª, quando levantou esse fato, lembrou-me de nos preocuparmos com o que está acontecendo hoje. Nesta data moderna, no nosso mundo contemporâneo, vemos, simplesmente, um apartheid, um distanciamento, no caso desses médicos, trabalhando aqui em condições, eu diria, sim, análogas às dos escravos.

            Muito obrigado, Senador.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador José Medeiros, claro que a época é outra, e nós hoje temos a Medicina sem fronteiras. Eu mesmo dou uma contribuição modesta a essa proposta internacional, por meio da qual os médicos, voluntariamente e com salários pequenos, dedicam-se a essa causa nobre de fazer o bem sem olhar a quem, buscando doações para mantê-los, claro, com integridade.

            Pelo menos hoje - só quero refletir com V. Exª - é de livre e espontânea vontade que eles se deslocam para outros países. Temos médicos aqui de Cuba, temos médicos da Espanha, temos médicos da França, temos médicos que vieram da Bolívia, temos médicos de outros países.

            Particularmente, fiz amizade com uma médica cubana que atende em Torres, no litoral do Rio Grande do Sul. Ela me contava da sua satisfação - estou contando um caso específico que conheço -, e o marido dela, inclusive, está na Bolívia, mas por opção. Ele está na Bolívia e é médico; ela está no Brasil, e a filha está em Cuba. Ela disse que há datas em que todos os anos se encontram, retornam para os países onde estão trabalhando e mandam dinheiro para o país-sede, seja Cuba ou Espanha. É claro que ela defende o regime do seu país, como uma patriota, digamos. Cada um tem a sua concepção, e nós todos aqui respeitamos, mas ela me lembrava algo interessante: quantos brasileiros e brasileiras estão no Japão?

            Eu estive no Japão e fui visitá-los. São milhares de brasileiros que estão no Japão, porque o salário lá é bem melhor. Eles trabalham lá e mandam o dinheiro para cá. Quantos brasileiros e brasileiras estão nos Estados Unidos? Eu mesmo tenho uma filha, casada, que optou por trabalhar nos Estados Unidos, mas eles querem voltar para o Brasil.

            Eu entendo a raiz da sua colocação, mas, hoje em dia, com a liberdade de ir e de vir, que não obriga ninguém a ficar no lugar que não quer, permite-se essa análise profunda. Ao mesmo tempo, entendi que a sua fala vai no coração, no sentimento, porque o ideal mesmo seria que todos ficassem no seu país, com o direito de viver ali com os filhos e toda a árvore da família, ou que se deslocasse toda ela para o outro país. Isso seria também ideal. Mas é uma reflexão que merece toda atenção e carinho.

            Por isso, tanto no Brasil quanto em outras nações, a memória dos líderes da libertação estará sempre junto de nós. Cito desde Martin Luther King, nos Estados Unidos, ao nosso inesquecível Nelson Mandela, falecido, recentemente, na África do Sul, assim como Zumbi dos Palmares. E eu poderia lembrar Gandhi também, que não é negro, para que fique bem claro que eu defendo o combate a todo tipo de preconceito, seja contra branco, negro, índio, deficiente, idoso, mulher.

            Eu sou um fã de Gandhi, por exemplo, e considero-o, assim como Mandela, um dos grandes líderes da humanidade mais recente. Não vou lembrar aqui - todo mundo sabe que sou cristão - que, para mim, o maior revolucionário de todos os tempos, com a sua rebeldia, firmeza, ousadia e competência, foi Jesus Cristo. Esse foi, sim, o maior revolucionário de todos os tempos e, por isso, foi crucificado. Mas a rebeldia é natural naqueles que olham para frente e querem a construção do bem para toda a humanidade.

            Lembro aqui que a memória de Zumbi dos Palmares, já reconhecido como Herói da Pátria, é só um dos símbolos dessa infinidade de lutas.

            Por que não lembrar aqui que, na América do Norte, desde a eleição de Barack Obama, aparentemente, a indústria cinematográfica daquele país foi obrigada a retirar debaixo do tapete a riqueza da participação da população negra e latino-americana na Guerra da Sucessão, por exemplo.

            Para que marquemos bem esse dia de luta contra a discriminação racial, é preciso que mostremos o rosto, o corpo, a imagem dessa discriminação. Senão, vão dizer que estamos aqui em uma postura próxima, ou espelhada, ou buscando inspiração em Dom Quixote. Sim, lutamos sempre contra moinhos de ventos, se necessário, mas vamos combater sempre todo tipo de preconceito, todo tipo de discriminação, todo tipo de arrocho que seja imposto principalmente àqueles que mais precisam, que são os mais pobres deste País.

            No Brasil, essa discriminação está bem visível, por exemplo, na esfera política: quantos homens ou mulheres negros nós temos no Parlamento? Muito poucos. E, se depender, claro, de um setor da elite superconservadora, eles tentarão, cada vez mais, tirar aqueles que são rebeldes por natureza. Inspirados, com orgulho, nos seus antepassados, estão aqui em uma luta permanente, porque nós temos a obrigação de lutar por um mundo melhor para todos, para todos e para todas, como está no livro que escrevi chamado Pátria Somos Todos.

            Enfim, podemos discutir e aprofundar, mas, para que ganhe sentido essa luta, é preciso demonstrar o quanto a resistência há de continuar na luta permanente contra a discriminação.

            Na política, não precisamos ir muito longe. Basta olhar este plenário ou o da Câmara dos Deputados para vermos quantos são aqueles que estão aqui e que, na sociedade brasileira, sofrem preconceitos de uma forma ou de outra.

            Tentam tirar os poucos, mas vão ter que pelear muito, porque nós vamos lutar, lutar, e não somos daqueles que dobram a espinha sob o assoprão do vento de alguém que acha que está no poder.

            Por um lado, graças à política de valorização havida nos últimos anos, mais de 50% da população brasileira reconhecem, isto é, já se assumem como pretos ou pardos, mostrando que não têm vergonha da sua cor, da sua origem, da sua procedência, da sua etnia. Que bom isso!

            Sempre digo, quando faço palestra, Senador José Medeiros, nas universidades: qual o problema de o cara dizer “sou branco”? Qual o problema? Mas se alguém diz “sou negro”, dá a impressão de que... Ora, sou negro! Qual o problema de alguém dizer “os meus ascendentes vieram do continente africano”? E o outro dizer “os meus vieram do continente europeu”. O outro dizer “os meus vieram do continente asiático”, por exemplo. São só alguns exemplos. Não há problema algum em cada um assumir sua identidade, sua história e a vida dos seus antepassados.

            Lembro aqui que, na Câmara dos Deputados, há 513 membros: 22 se declararam não brancos, o que representa menos de 5% da composição dessa Casa; outros 81% ficaram nessa marca, e sabemos que há até mais do que isso. Aqui mesmo, no Senado, segundo o cálculo, ficaram em torno de 2%. Em outras palavras, não passa de um quinto o número de Deputados e Deputadas afrodescendentes.

            Quando levamos as comparações para o terreno do emprego e da renda, constatamos, por exemplo, que, em 2009, essa diferença era gritante, pois, quanto ao salário e aos trabalhadores com carteira assinada, a diferença ultrapassava 25% na relação negros e não negros.

            Esses dados, Sr. Presidente, são só para refletirmos sobre este momento que estamos vivendo. Esses dados não mudaram nos últimos cinco anos, embora tenha havido melhoria na taxa de desemprego.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Paim, concede mais um aparte?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - O discurso de V. Exª é muito importante. Nós precisamos falar cada vez mais sobre isso para começar até a fazer uma reflexão nacional. E ela começa, inclusive, pelo tema dos nossos filmes, das nossas novelas, porque, queiram ou não, estas entram todos os dias nas nossas casas e formam tendências, formam opiniões. Posso dar como exemplo a minha filha que, ainda pequena, com 5 ou 6 anos, tinha uma tia que morava na Angola e que mandou uma boneca negra para ela, de cor negra. E ela, quando abriu a caixa e pegou a boneca, afastou-a. Eu e a mãe, preocupados, a levamos a uma psicóloga até. Não temos em casa ensinado as crianças desta forma ou dado qualquer exemplo disso. E a profissional nos disse uma coisa muito interessante, Senador Paim: o que ela vê na TV, os desenhos são todos com personagens e protagonistas brancos. Tudo que é bonito, tudo que é bacana é branco. Na novela, se aparece, a pessoa faz o papel de porteiro ou algo assim. Então, isso vai criando uma consciência nacional em que parece que o negro tem que ficar em segundo plano. Então, o discurso de V. Exª é muito importante, inclusive, para os nossos escritores, os nossos roteiristas começarem a pensar. Eu, por exemplo, sou fã do ator Morgan Freeman e vejo que, em Hollywood, ele geralmente exerce papéis de protagonista. Recentemente, em um filme com Jack Nicholson, ele fez um papel maravilhoso. Há também o Denzel Washington. São atores cujos papéis não se restringem a porteiros. Aliás, quando se vê um filme com Denzel Washington ou Morgan Freeman, já se sabe que o filme é bom.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Já é uma marca. Só o nome deles já é uma marca.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - É uma marca. Ou com Eddie Murphy, e por aí vai. Aqui no Brasil, não evoluímos ainda para isso, talvez porque a ficção esteja retratando justamente a realidade. Mas, como a ficção tem feito tendências, é importante evoluir. Assim como nos casos em que a televisão está começando a mudar a forma de pensar e acabando com os preconceitos nacionais em relação ao LGBT, por exemplo, ou aos homossexuais, penso que está na hora - aliás, até atrasados - de começarmos a mudar também as novelas. Fica aqui a sugestão, porque a TV pode muito contribuir contra isso. E V. Exª traz um discurso, na manhã desta sexta-feira, que merecia um plenário cheio para ouvi-lo. Se há uma coisa de que o Brasil tem fartura é o preconceito. Eu venho de uma região, Senador Paim, do Nordeste, que sofre muito com isso. E lá o pau bate em todo o mundo: bate em Chico, bate em Francisco; em branco, negro e tudo. Muito obrigado, Senador.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Medeiros. Claro, o meu pronunciamento contém dados, números, mas V. Exª foi muito feliz, porque deu um exemplo prático. Com toda a humildade e a grandeza de um grande Senador, deu um exemplo da sua própria família, que preocupou V. Exª e sua esposa, em relação à questão das bonecas, porque de fato é assim.

            Veja bem: fui à África do Sul numa delegação brasileira - e faço aqui uma homenagem a João Herrmann, que daquele grupo foi quem faleceu, num acidente, em São Paulo, um grande líder do PSB. Quando fomos lá - veja bem, eu já como Deputado Federal Constituinte -, eu vi a primeira boneca negra. Lá, na terra do apartheid, foi que eu vi. Naquela época, com o apartheid, Nelson Mandela na prisão, Winnie Mandela foi que nos recebeu, pois, claro, fomos visitá-los. Levamos uma carta do povo brasileiro exigindo a liberdade de Nelson Mandela. Foi lá que eu vi as primeiras bonecas negras. E eu trouxe de lá algumas bonecas negras, como recordação, e dei para meus filhos e netos.

            V. Exª lembrou bem: quando apareceu uma boneca negra, até a sua filha estranhou. No fundo, ela estranhou porque não estava acostumada, não via, e por isso a profissional falou.

            E V. Exª também vai além, com os exemplos práticos do próprio sistema de mídia no País. Não há nenhuma crítica aqui à mídia, porque ela tem que ter liberdade de colocar o seu ponto de vista, mesmo quando nos critica. Eu às vezes sou criticado ali, em uma notinha que alguém planta aqui, planta ali. É a liberdade de imprensa! Plantaram, foi dito, e eu toco a vida cumprindo o meu mandato aqui, na linha que é a mesma de V. Exª, ou seja, fazer o bem sem olhar a quem. Mas tem que haver esse olhar que V. Exª lembrou. Tem que haver o olhar! Nós temos artistas, atores preparadíssimos para fazerem o papel principal. Por que não? E não é um ou outro; são diversos, e estão em busca dessas oportunidades.

            Então, eu quero cumprimentar V. Exª, porque não adianta vir aqui, como eu estou fazendo, e só dar dados e números; é preciso mostrar na prática. E V. Exª, como um bom cirurgião - e sei que não é cirurgião - tocou na parte essencial para salvar a vida de muita gente.

            Lembro aqui - e permita que eu diga isso, já que se falou na sua filha - que, quando moleque, eu procurava - já estou com 65 anos, calcule lá atrás, há 60 anos - uma referência na TV, no cinema, enfim. Não que não existisse, mas não aparecia. E hoje, passados tantos anos, e são muito poucas as referências. Não é que não existam, mas são muito poucas.

            Por isso faço questão, por esse ser um exemplo aqui citado, que se incorpore, na íntegra, ao meu pronunciamento.

            Eu avanço um pouquinho - permita-me, Presidente - no campo da educação. Embora reflitam agregados de uma década atrás, persistem ainda desigualdades. Mas que bom que nós conseguimos aqui, depois de um longo debate, aprovar a política de cotas. E os alunos negros e brancos, mostrando que nossa juventude não tem preconceito, se dão muito bem nas universidades, quando alguns diziam que haveria uma guerra nas universidades. Pelo contrário.

            Eu quero aqui, inclusive, cumprimentar a revista IstoÉ por uma matéria que eu guardei, de alguns meses atrás, que diz, com todas as letras, na capa, que as cotas deram certo no Brasil. Todo e qualquer articulista, estudioso da matéria, professor, mestre que faz o estudo das cotas diz que elas estão indo muito bem, obrigado. E que bom que acertamos, já que erramos em tantas coisas, não é? Nós todos erramos.

            E os meninos e meninas, negros e brancos, estão mostrando que têm o mesmo potencial. Não é a cor da pele que define quem é mais competente ou menos competente; é a conduta, a maneira de agir, a maneira de interagir, a maneira de se preparar para o estudo e de efetivamente se formar.

            Eu via ontem em um debate, na Comissão de Direitos Humanos, uma professora, mestre e articuladora que dizia que a oportunidade que foi dada a essa meninada pobre - pois nas cotas são negros e brancos pobres - eles a agarram com tanta força que dificilmente eles rodam. Ela dizia isso.

            Por isso quero aqui também fazer um apelo para um projeto que apresentei há doze anos, chamado Bolsa Permanência, que foi aplicado e que agora eles estão pedindo que seja mantido, porque não estão recebendo.

            Enfim, eu ia nessa linha, Sr. Presidente, falando da educação, da importância dessa integração e que a juventude brasileira se mostrou de uma sensibilidade enorme.

            Nas universidades por que passo para dialogar sobre o tema, em nenhum momento, eu vi qualquer tipo de disputa, eu diria fraternal, como de irmão matando irmão. Isso não acontece. Hoje, há uma integração. No primeiro momento, até houve algum desencontro, mas depois se tornou natural.

            Hoje, nós temos a tranquilidade de ver que deu certo e que negros, brancos, pobres e índios estão irmanados nas universidades e se formando.

            Como o meu pronunciamento contém muitos dados, muitos números, Sr. Presidente, eu me sentirei contemplado - pois é nessa linha todo o meu pronunciamento - ao ler para V. Exª, já que falei em cotas, uma carta que recebi, lá do Rio Grande do Sul, que tem tudo a ver com o tema deste pronunciamento, que espero que V. Exª considere na íntegra.

            Registro de carta que recebi do gaúcho Juan Savedra, que deixo nos Anais da Casa. Assim ele escreve - tem a ver com este pronunciamento, e com ela, então, eu encerro essa questão do dia 21 de março, Dia Internacional da Luta contra o Preconceito -:

Caro Senador Paul Paim. Boa tarde.

Muito provavelmente o senhor não se recorda de mim, mas alguns anos atrás (mais precisamente em julho de 2009), lhe enviei um e-mail questionando as cotas raciais, e "acusando" o preconceito que eu entendia existir por trás dessa política.

Na oportunidade, questionei: "Estudar no Brasil, está cada vez mais fácil para os negros, índios. Esquecem do BRANCO, esquecem daqueles que não tem condições de pagar uma faculdade".

À época, minha indignação se devia ao fato de que eu, jovem branco, pobre, sem qualquer posse, não tinha condições de pagar uma faculdade particular e nem de investir em um cursinho pré-vestibular para que pudesse entrar em uma Federal.

Logo após, em agosto de 2009, Iniciei o curso de Direito na UniRitter, em Porto Alegre, fazendo apenas 3 cadeiras das 5 que eram obrigatórias.

Utilizei os recursos que havia guardado trabalhando para que pudesse pagar esse primeiro semestre. No segundo semestre de curso fui contemplado com o FIES [que, ontem, em audiência pública, exigi que seja mantido na íntegra] e pude, finalmente, fazer todas as cadeiras e investir mais tempo e dedicação à graduação.

Dia 18 de março de 2015, há dois dias atrás, recebi minhas credenciais de advogado. Passei no exame de Ordem na primeira tentativa, ainda em julho do ano passado, e estava apenas aguardando minha formatura para encaminhar a carteira da OAB (me formei em fevereiro, e no dia útil seguinte à formatura encaminhei a documentação).

Hoje, refletindo sobre esse período de cinco anos, lembrei do e-mail que enviei ao senhor nos idos de 2009.

Coincidência ou não, o meu trabalho de conclusão de curso falou exatamente sobre a política de cotas raciais no acesso à Universidade Pública.

Nesse trabalho, tentei fazer uma análise imparcial para, ao final, concluir que a política de cotas é medida urgente e necessária para sanar as desigualdades do presente.

Relendo sua resposta àquele e-mail, me deparei com a seguinte frase: "As medidas afirmativas são temporárias e transitórias, acreditamos que as gerações futuras serão recompensadas ao ver efetivamente a brasilidade negra, indígena, branca e ocidental estampada de maneira proporcional em todos os setores da nossa sociedade".

            Escrevi para ele, naquela época, já eu que era relator aqui, nesta Casa. E diz ele: “Li de novo as suas palavras e remeti a você, e talvez você nem lembre mais ter me mandado essa carta”.

            O Senador Cássio Cunha Lima, na época votou junto e defendeu aqui, embora com posição contrária à de um Senador do seu partido que respeitamos muito. V. Exª defendeu, eu me lembro. Discordou, na época, do seu Líder, mas defendeu essa política aqui. Faço questão de reconhecer isso de público isso.

O curso de Direito abriu a minha mente e o meu coração às possibilidades. Finalmente entendi a sua resposta, e hoje lhe parabenizo por sua luta, por sua garra e coragem.

Na juventude, acreditei que era um jovem de "direita" [eu acho isso muito bonito], liberal, defensor da meritocracia, acima de tudo.

Mas a vida não para de nos surpreender; Hoje [ele, que lá atrás achou que era de direita] faço da Juventude Socialista Brasileira de Porto Alegre (ligada ao PSB).

A simples correspondência eletrônica que trocamos naquela oportunidade, somado aos conhecimentos adquiridos pelo Direito, fizeram com que eu me encontrasse politicamente.

Por fim, Senador, quero lhe agradecer pela resposta que recebi naquela oportunidade e pela contribuição que, direta ou indiretamente, tens em minha concepção política. Saúde e paz! Assinado: Juan César Bühler Savedra - Advogado.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Senador Paim, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pois não, Senador Cássio.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Em primeiro lugar, quero testemunhar a emoção de V. Exª ao ler a carta do João. João? Perdão.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - A carta do é Sr. Juan Savedra, um jovem...

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - É João...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... que discordou de nós, na época, hoje, formado, reconhece que estávamos certos. Juan Savedra.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Vou me permitir tratá-lo como João. Então, quero registrar a emoção de sua trajetória de luta - já registrei outras vezes aqui - e lembrar - já tivemos a oportunidade de conversar sobre esse tema de cotas - que, quando Governador da Paraíba, o que muito me honrou, pude...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O que V. Exª registrou no dia da votação...

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Exatamente.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E faço questão de ouvi-lo novamente.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Exatamente. Pude garantir duas importantes conquistas para a nossa universidade estadual, Presidente José Medeiros: a primeira delas foi a autonomia financeira, administrativa, científica, pedagógica, que está ameaçada hoje com a falta de diálogo, com o corte profundo no orçamento da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), mas talvez tenha sido essa uma das mais importantes ações que realizamos no período em que estivemos à frente do Governo do Estado, com a garantia da autonomia da UEPB. E talvez a Paraíba tenha sido o primeiro Estado a fazer o regime de cotas, não apenas pelo critério racial, mas pela origem dos alunos. Começamos com um percentual de 15% e já atingimos o percentual de 50%, ou seja, metade das vagas da UEPB está reservada para alunos egressos do sistema público. No sistema público, nós temos negros, temos pardos, índios - a Paraíba tem uma população indígena expressiva, mais de 10 mil índios vivem no Estado - e brancos. Portanto, o critério da cota pela origem da escola pública, no nosso entendimento, contempla, por via direta, a cota racial, porque os mais pobres, os que estão em desvantagem, sempre, no processo econômico-social, em sua maioria negros, pardos, estão também...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Como alguém disse, a pobreza tem cor. Ou é índio, ou é preto, ou é pardo.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - É verdade. E estão na escola pública. Mas dentro da escola pública nós também temos situações como a de João.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Claro, brancos pobres.

            O Sr. Cássio Cunha Lima (Bloco Oposição/PSDB - PB) - Brancos pobres. Então, acredito que o critério que encontramos na Paraíba, que vem funcionando bem, responde a essa necessidade de gerar oportunidades para todos. E é por isso que quero cumprimentar V. Exª e reafirmar o compromisso que temos com a educação. A educação precisa ser tratada com prioridade, não essa prioridade retórica, de que já se fala há tantos e tantos anos, pois é o caminho para que se faça a verdadeira transformação e a revolução de que o Brasil precisa. Onde a educação chegou na frente, onde a educação chegou primeiro, não se verificam os problemas de segurança e de violência com que o Brasil se depara hoje, não há problemas de saúde pública, não há problemas de desenvolvimento. Em países onde a educação chegou primeiro, nada do que estamos vivenciando no Brasil se converte ou se apresenta como desafios. Então, é hora, é o momento, mais do que passado o tempo, durante toda essa trajetória, de olharmos para a educação definitivamente como o único caminho de salvação do País, de transformação da nossa realidade, e isso começa desde o ensino primário, do ensino básico, chegando às universidades, numa transformação que precisa ser feita e que está por demais atrasada em nosso País. Cumprimento V. Exª. Queria apenas trazer a contribuição desse exemplo que fizemos, com muito sucesso, na Paraíba, e reafirmar o nosso compromisso, que é um compromisso de uma vida inteira, pela educação e pela oportunidade para todos.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Cássio Cunha Lima. Lembro-me sempre de que V. Exª foi constituinte. Tive a alegria de sermos constituintes juntos, e hoje nos encontramos no Senado da República, quase trinta anos depois.

            Enfim, Sr. Presidente, concluo na mesma linha da fala que fiz.

            Recebi um convite para estar na Bahia, em Salvador, na Uneb, no 4º Encontro de Cotistas, promovido com a participação da UNE. O evento terá o tema “O Brasil que queremos, a população negra e a sua integração”, com o desafio de consolidar todo um debate juntamente com a UNE. Eu deverei estar lá na mesa que vai levar o título “Caminhos para a Construção da Igualdade Racial no Brasil”, na linha do que aqui falado, da igualdade entre brancos, negros, índios, enfim, entre todos os segmentos que formam o nosso querido povo brasileiro.

            Era isso, Sr. Presidente. Peço que considere na íntegra os meus pronunciamentos do dia de hoje. Na verdade, todos eles ficaram com o foco no combate a todo tipo de preconceito. Sou daqueles que sonham, como dizia Martin Luther King, que, um dia, no Brasil, todos nós poderemos sentar à mesma mesa, dar as mãos e comer do mesmo pão.

            Obrigado, Sr. Presidente

 

SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 21 de março relembramos um evento de triste memória, mas de força libertadora sem par: o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) tem como marco o Massacre de Sharpeville, ocorrido nessa mesma data, em 1960, em Joanesburgo, na África do Sul. Naquela ocasião, vinte mil pessoas protestavam pacificamente contra a Lei do Passe do regime de apartheid.

            Ainda que conduzida em paz, a manifestação foi duramente reprimida pela polícia, matando 60 pessoas; e deixando outras 186 feridas.

            Passaram-se, já, 55 anos desde o massacre de Sharpeville; outros 25 do fim do apartheid na África do Sul. Mas ainda persistem odiosas discriminações baseadas na etnia, na cor da pele, na origem das pessoas.

            A discriminação por raça, Senhoras e Senhores, é uma das principais causas da busca de refúgio no mundo.

            Desde 1951 existe o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, criado pela Assembleia Geral, para tratar dessa questão.

            Para termos uma ideia, entre 1975 e 1997, o número de refugiados no mundo cresceu dez vezes, passando de 2,4 milhões para 22 milhões: eram pessoas que fugiam das guerras, intolerância e perseguições, sendo que a proporção chegou a ser de um refugiado para 115 pessoas da população mundial.

            Nos dias atuais, de todos os refugiados no Brasil, 80% são de origem africana. Isso sem contar os refugiados negros de outras nacionalidades onde existem populações afrodescendentes, como é o caso da Colômbia que já responde por 10% da população refugiada no Brasil.

            Em nosso País, decorridos 127 anos do fim oficial da escravidão da população negra, as desigualdades ainda persistem.

            A exemplo do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, esta é uma data para denúncia; e não para comemorações.

            E por que um dia internacional? Pela mesma razão que, desde antes de 1500, os europeus iniciaram o movimento de forçar os africanos a deixarem suas terras, para a mais hedionda forma de mercantilização a transformação de seres humanos em bens comercializáveis, colocados à disposição de outros senhores, para os trabalhos forçados no Novo Mundo.

            E nós, o Brasil, constituímos um dos maiores destinos dessas pessoas. Por sinal, recentemente, foi aberta no Museu da Justiça do Rio de Janeiro a exposição denominada “Forever Free - Livres para sempre”, sobre a história do tráfico de escravos no mundo.

            Composta por painéis que explicam a história do comércio transatlântico de escravos, a mostra foi criada pelas Nações Unidas para lembrar os 400 anos nos quais mais de 15 milhões de pessoas foram vítimas de um dos capítulos mais nefastos da história da humanidade.

            Um período longo de mais para ser esquecido. Esse evento é parte das atividades da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), uma iniciativa para a qual o Brasil teve importante papel.

            Todas as Américas - Norte, Central e Sul - receberam essas populações e aqui as mantiveram; aqui as famílias, as etnias e as línguas foram separadas, como forma de se prevenirem contra toda e qualquer possibilidade de rebelião.

            Muitos se orgulham de termos uma nação em que uma língua - a portuguesa - se mantém universalizada em tão vasto território.

            Mas poucos sabem a que custo em violência simbólica, contra todos os idiomas das nações africanas que para cá vieram à força.

            Durante muitos anos, a historiografia oficial e até mesmo as representações simbólicas fizeram crer ao senso comum que a sujeição dos africanos teria sido feita sem resistência.

            Entretanto, o resgate da verdadeira história tem-nos revelado o quanto foi sangrenta a oposição dos escravizados.

            Tanto no Brasil quanto em outras nações. A memória de Zumbi dos Palmares, já reconhecido como Herói da Pátria, é só um dos símbolos dessa infinidade de lutas.

            Na América do Norte, desde a eleição de Barack Obama, aparentemente, a indústria cinematográfica daquele país foi obrigada a retirar de debaixo do tapete a riqueza da participação negra na Guerra da Secessão, por exemplo.

            Para que marquemos bem este dia de luta contra a discriminação racial é preciso que mostremos o rosto, o corpo, a imagem dessa discriminação. Se não, vão dizer que, quixotescamente, lutamos contra moinhos de ventos.

            No Brasil, essa discriminação está bem visível na esfera política, no campo da economia, na educação e da cultura.

            E para que ganhe sentido essa luta, é preciso demonstrar o quão perversa é essa discriminação.

            Na política, não precisamos ir muito longe: basta olhar este Plenário; ou o da Casa ao lado, para vermos o quão sub-representados estão os afrodescendentes no Congresso Nacional.

            Por um lado, graças à política de valorização havida nos últimos anos, mais de 50% da população brasileira reconhecem, isto é, se autodeclaram pretos ou pardos.

            Na Câmara dos Deputados, de seus 513 membros, apenas 22 se declararam negros, o que representa menos de 5% da composição daquela Casa; outros 81 se declararam pardos, isto é, 15,8%.

            Em outras palavras, não passa de um quinto o número de deputados e deputadas afrodescendentes.

            Quando levamos as comparações para o terreno do emprego e da renda, constatamos, por exemplo, que, em 2009, os homens brancos possuíam o maior índice de formalização de trabalho (43% com carteira assinada), em contraste com a posição das mulheres negras, que apresentavam o pior percentual de formalização (apenas 25% com carteira assinada).

            Esses dados não mudaram muito nos últimos cinco anos, embora - para todos - tenha havido melhoria nas taxas de emprego.

            Um estudo do Dieese, da Fundação Seade e do Ministério do Trabalho e Emprego revela que a população negra segue sendo discriminada no trabalho.

            Utilizando como base a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) sobre biênio 2011-2012, o estudo constata que, embora os negros tenham avançado na empregabilidade, a mesma tendência não ocorreu com seus salários ou postos ocupados no mercado.

            Os negros ganham salários de apenas 61,6% do valor auferido por não negros no setor de serviços; apenas 62,7%, na indústria de transformação; 68,3%, no comércio.

            O boletim mostra que, na média entre todas as regiões metropolitanas investigadas, a remuneração por hora dos negros é equivalente a 63,9% do ganho-hora dos não negros.

            Poder-se-ia argumentar - reconhecendo outra discriminação, a de acesso à educação - que alcançam mais e melhores empregos ou salários mais elevados aqueles com maior nível escolar.

            Mas como explicar que, em uma cidade como São Paulo, entre as pessoas com nível superior, apenas 3,7% dos afro-brasileiros que atuam na indústria ocupavam postos de gestão em 2011 e 2012? Em contrapartida, os não negros em igual condição ocupavam 14,6% dessas mesmas posições, ou seja, quatro vezes mais.

            Outra discrepância: nesse mesmo período, 61,1% dos pretos e pardos estavam envolvidos em atividades de execução; mas apenas 5,7% nas de direção e planejamento.

            Em contraste, entre os não negros, esses percentuais se elevavam para 52,1% e 18,1%, respectivamente.

            Quando vamos para outra área igualmente importante para a dignidade da pessoa, a moradia, vemos o quanto os negros ainda se encontram em situação de vulnerabilidade.

            Das famílias residentes em favelas, 39,4% delas eram chefiadas por homens negros; outras 26,8% das famílias residentes nesses núcleos urbanos precários eram chefiadas por mulheres negras.

            Ao passo que 21% eram chefiadas por homens brancos; e outros 12% das famílias chefiadas por mulheres brancas.

            No campo da educação, embora reflitam agregados de uma década atrás, persistem válidas as desigualdades; e mantém-se lenta a sua superação: em 1995, a taxa de escolarização líquida no ensino superior era de 5,8%, isto é, o percentual da população que, na idade adequada, deveria estar no nível de ensino próprio.

            Naquela data - vinte anos atrás - esta taxa era de 21,3% entre a população branca, contra apenas 8,3% entre a população negra, chegando a apenas 6,9% entre os homens negros.

            Em 2009, a escolarização líquida subiu para 14,4%. Nesse período, a taxa de escolarização de mulheres brancas no ensino superior foi de 23,8%, enquanto, entre as mulheres negras, esta taxa era de apenas 9,9%.

            Felizmente, Sr. Presidente, temos alguma esperança de ver esse quadro mudar.

            Como sabem os Srs. e as Srªs Senadoras, eu não tenho me permitido um segundo só de descanso, no que se refere a essa dívida histórica da sociedade brasileira.

            Com esse intuito submeti ao Congresso Nacional a proposta de um Estatuto da Igualdade Racial.

            Aprovado e sancionado em 2012 - mais de uma década depois de proposto -, esse marco legal tem conseguido consolidar as políticas voltadas aos negros e feito com que o Estado se responsabilize pelo cumprimento das ações específicas.

            Isso quer dizer que o principal mérito do Estatuto foi o de retirar algumas políticas da condição de esporádicas para que sejam um compromisso permanente do Estado.

            Nessa norma, fizemos inscrever, por exemplo, que “as ações afirmativas são programas e medidas especiais adotadas pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e promoção da igualdade de oportunidades, conforme consta do art.2º, VI, do Estatuto da Igualdade Racial.

            Alguns movimentos sociais avaliam que as diretrizes contidas naquela norma garantiram uma fonte jurídica segura para que os governos tomem medidas mais efetivas.

            Elas se transformaram em programas do Plano Plurianual 2012-2015, que hoje compõem a Agenda Transversal de Promoção da Igualdade Racial.

            No período de 2011 a 2014, houve avanços na incorporação da perspectiva racial nas políticas governamentais, particularmente com a consolidação de ações afirmativas para o acesso a universidades e institutos técnicos federais; e também o ingresso no serviço público por meio de concursos da Administração Federal.

            Outra frente de conquistas foi a obtenção recursos para projetos de cultura e arte.

            Um dos instrumentos criados depois da aprovação do Estatuto foi o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), um mecanismo estruturante do Governo Federal para o fortalecimento e ampliação da efetividade da política de Promoção da Igualdade Racial, em parceria com Estados, Distrito Federal e Municípios.

            Como resultante desse processo, já existem 166 órgãos e 89 conselhos nessas três instâncias, voltados para a promoção da igualdade racial.

            Estranha-se, entretanto, que ainda sejam criticadas essas ações de inclusão, as ações afirmativas no ensino superior, que demoraram um século para serem iniciadas.

            Há poucos dias, um jornal que se quer de cobertura nacional exibiu, como se fosse uma denúncia, uma capa em que lamentava o quanto as vagas nas universidades públicas passaram a ser ocupadas por outros que não os filhos de uma elite econômica que se autoidentifica como branca.

            E a reclamação era a de que, após investirem maciçamente em escolas privadas, nos níveis fundamental e médio de ensino, para que seus filhos passassem pelo excludente funil do vestibular, agora essas famílias são obrigadas - segundo o jornal - a pagar universidades privadas para seus filhos.

            Isso para não mencionar a ação de pedido de inconstitucionalidade movida no Supremo Tribunal Federal contra o pioneirismo da Universidade de Brasília, quando aquela instituição criou, por resolução própria, a reserva de vagas para afrodescendentes e indígenas.

            Felizmente, o STF não deu ouvidos a essa manifestação de verdadeira intolerância e, por unanimidade, declarou constitucional a medida.

            Esse é um campo, felizmente, em que vemos brotar alguma esperança. Desde 2013, no ano seguinte à aprovação da Lei nº 12.711, de 2012, começou a ser implementada pelo Ministério da Educação (MEC) a universalização das cotas nas universidades e nos institutos técnicos federais.

            Com isso, o Brasil passou a ser o país com a iniciativa mais abrangente de democratização do acesso ao ensino superior, por meio de ação afirmativa, uma vez que tal política já vinha sendo adotada por universidades estaduais desde 2002.

            Entre 2013 e 2014, nas universidades federais, as vagas totais cresceram 10%.

            Ao mesmo tempo, aquelas destinadas a serem ocupadas pelos cotistas cresceram 38%; já nos institutos federais, no mesmo período, tanto o total das vagas quanto as das destinadas para cotistas cresceram 18%.

            Ainda sem fechar um balanço, estima-se que, em 2014, um quinto do total de vagas ofertadas pelas Universidades Federais (48.676) tenham sido ocupadas por estudantes declarados pretos, pardos e indígenas; em outras palavras: praticamente a metade das vagas destinadas a cotas.

            Já nos institutos federais, 23% do total de vagas ofertadas foram ocupadas por estudantes declarados pretos, pardos e indígenas (12.055), o que corresponde também a praticamente metade das vagas destinadas a cotas. Ainda é pouco? Sim. Mas já significa um avanço.

            Mais recentemente, a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, destinou 20% das vagas para negros nos concursos para cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Federal Direta e Indireta.

            A efetivação desta lei constitui um dos principais avanços das ações afirmativas, já que provoca impacto diretamente na composição racial dos postos mais valorizados do setor público federal.

            Há outros setores em que ainda se esperam novos avanços, como as ações voltadas aos quilombolas: até 2014, tínhamos 2.432 comunidades certificadas; e outras 1.386 delas com processos de titulação abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Mas lamentamos que, até agora, haja apenas 232 já tituladas.

            Ironicamente, ainda ouço - de maneira mais sussurrada ou mais gritada - a estranheza a meus pronunciamentos nesta Casa; ou a censura a minhas iniciativas - apoiadas por colegas que comungam desse ideal - na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

            Questionam essa luta como se ela fosse despropositada, indevida, criadora de injustiças, até. Mas não é isso que mostram todos os estudos do retrato da desigualdade.

            Não é isso que está estampado em nossos audiovisuais - filmes, novelas, propagandas -, onde os negros ainda aparecem na condição de coadjuvantes.

            A propósito disso, o grande ator Milton Gonçalves declarou certa vez que não se importava para ser escalado para papéis de motorista ou serviçal, desde que esse personagem fosse o protagonista.

            Pois bem, neste 21 de março de 2015, quero mais uma vez trazer à lembrança desta Casa, de todo o Congresso Nacional e de toda a sociedade brasileira o quanto - ainda - não somos uma democracia racial, como se quis fazer crer por muitos anos.

            Mas precisamos reforçar as ações no Brasil. E também levar a presença brasileira aos outros países do Continente Americano.

            Por sinal, uma conquista obtida foi a declaração desta como sendo a Década Internacional dos Afrodescendentes, com o tema...

            Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento, uma campanha lançada oficialmente pelas Nações Unidas, em 10 de dezembro de 2014.

            Outra prova da boa atuação brasileira levou à aprovação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Intolerâncias Correlatas, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 5 de junho de 2013.

            Por todas essas razões, devemos, sim, marcar este dia de luta, o 21 de março como Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou deixar registrado aqui uma correspondência que recebi de um conterrâneo gaúcho: Juan Savedra. Assim ele escreve...

Caro Senador Paul Paim. Boa tarde.

Muito provavelmente o senhor não se recorda de mim, mas alguns anos atrás (mais precisamente em julho de 2009), lhe enviei um e-mail questionando as cotas raciais, e "acusando" o preconceito que eu entendia existir por trás dessa política.

Na oportunidade, questionei: "Estudar no Brasil, está cada vez mais fácil para os negros, índios. Esquecem do BRANCO, esquecem daqueles que não tem condições de pagar uma faculdade".

À época, minha indignação se devia ao fato de que eu, jovem branco, pobre, sem qualquer posse, não tinha condições de pagar uma faculdade particular e nem de investir em um cursinho pré-vestibular para que pudesse entrar em uma Federal.

Logo após, em agosto de 2009, iniciei o curso de Direito na UniRitter, em Porto Alegre, fazendo apenas 3 cadeiras das 5 que eram obrigatórias.

Utilizei os recursos que havia guardado trabalhando para que pudesse pagar esse primeiro semestre. No segundo semestre de curso fui contemplado com o FIES e pude, finalmente, fazer todas as cadeiras e investir mais tempo e dedicação à graduação.

Dia 18 de março de 2015, há dois dias atrás, recebi minhas credenciais de advogado. Passei no exame de Ordem na primeira tentativa, ainda em julho do ano passado, e estava apenas aguardando minha formatura para encaminhar a carteira da OAB (me formei em fevereiro, e no dia útil seguinte à formatura encaminhei a documentação).

Hoje, refletindo sobre esse período de cinco anos, lembrei do e-mail que enviei ao senhor nos idos de 2009.

Coincidência ou não, o meu trabalho de conclusão de curso falou exatamente sobre a política de cotas raciais no acesso à Universidade Pública.

Nesse trabalho, tentei fazer uma análise imparcial para, ao final, concluir que a política de cotas é medida urgente e necessária para sanar as desigualdades do presente.

Relendo sua resposta àquele e-mail, me deparei com a seguinte frase:...

"As medidas afirmativas são temporárias e transitórias, acreditamos que as gerações futuras serão recompensadas ao ver efetivamente a brasilidade negra, indígena, branca e ocidental estampada de maneira proporcional em todos os setores da nossa sociedade".

O curso de Direito abriu a minha mente e o meu coração às possibilidades. Finalmente entendi a sua resposta, e hoje lhe parabenizo por sua luta, por sua garra e coragem.

Na juventude, acreditei que era um jovem de "direita", liberal, defensor da meritocracia, acima de tudo.

Mas a vida não para de nos surpreender: Hoje faço da Juventude Socialista Brasileira de Porto Alegre (ligada ao PSB).

A simples correspondência eletrônica que trocamos naquela oportunidade, somado aos conhecimentos adquiridos pelo Direito, fizeram com que eu me encontrasse politicamente.

Por fim, Senador, quero lhe agradecer pela resposta que recebi naquela oportunidade e pela contribuição que, direta ou indiretamente, tens em minha concepção política. Saúde e paz! Assinado: Juan César Bühler Savedra - Advogado.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos dias 3 a 5 de abril, será realizado em Salvador, Bahia, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), o 4º Encontro de Negros, Negras e Cotistas da UNE (União Nacional de Estudantes).

            O evento, cujo tema será “O Brasil que queremos para a população negra” tem o desafio de consolidar uma opinião da juventude negra da UNE sobre a reestruturação das universidades brasileiras, avançando em uma perspectiva global de permanência que compreenda os fatores extra-classe como determinante para a vida acadêmica dos estudantes negros.

            Estarão na pauta: o genocídio do povo negro, a reforma curricular, os investimentos em assistência estudantil, a regulamentação do ensino privado e a oxigenação do modelo de gestão das instituições públicas, entre outras.

            Sr. Presidente, fui convidado para a mesa “Caminhos para a construção da igualdade racial no Brasil”, mas, por questões de compromissos assumidos anteriormente não poderei me fazer presente.

            Desde já agradeço o convite.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2015 - Página 73