Discurso durante a 107ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre artigo da jornalista Eliane Cantanhêde, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "De milhos e mandiocas"; e outros assuntos.

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Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Considerações sobre artigo da jornalista Eliane Cantanhêde, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "De milhos e mandiocas"; e outros assuntos.
CIENCIA E TECNOLOGIA:
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AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO:
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Aparteantes
José Medeiros.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2015 - Página 11
Assuntos
Outros > ECONOMIA
Outros > CIENCIA E TECNOLOGIA
Outros > AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, MOTIVO, CRESCIMENTO, INFLAÇÃO, DESEMPREGO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ELIANE CANTANHEDE, JORNALISTA, ASSUNTO, CRISE, ECONOMIA, AUMENTO, INDICE, REJEIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, RESPONSABILIDADE, REELEIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, NECESSIDADE, PRODUÇÃO, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA.
  • ELOGIO, INSTITUTO, TECNOLOGIA, EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), MOTIVO, CRIAÇÃO, AERONAVE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, GRUPO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), OBJETIVO, ESTUDO PREVIO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INDUSTRIA, SOJA, GADO, ENTE FEDERADO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, mais uma vez nós coincidimos muito a nossa visão, o que mostra que os partidos, ou melhor, as siglas hoje não importam. A senhora pertence a uma sigla, eu pertenço a outra, mas somos praticamente de um mesmo partido, no que se refere às preocupações, às análises, e até mesmo podemos ter algumas diferenças nas propostas.

            O que a senhora fez aqui foi tentar cumprir uma parte do que é preciso hoje, e até acenar para outra coisa que é preciso hoje. Eu estava pensando, enquanto a senhora falava, que nós precisamos apenas de duas coisas no Brasil: acordar e acordar. Acordar no sentido de despertar e acordar no sentido de fazer acordo de para onde queremos levar o Brasil. É isso.

            Se nós acordamos e despertamos, demos o primeiro passo. Se nós acordamos no sentido de fazer acordo sobre o futuro, nós começamos a caminhar. E o artigo que a senhora leu da Senadora Marta coincide, de certa maneira, com um artigo que eu li hoje da jornalista Eliane Cantanhêde. A diferença talvez esteja nas personalidades.

            A Eliane é uma crítica analítica da realidade brasileira por décadas. A Marta é uma militante, pelo mesmo período, ao lado de um partido. Então, quando ela fala essas coisas tem uma força política, do ponto de vista do acordo que a gente busca. Mas o que uma jornalista como Eliane Cantanhêde fala tem o valor imenso do ponto de vista do acordar que a gente precisa, no despertar.

            E aí eu estou de acordo com a senhora. Uma coisa que a gente precisa acordar, no sentido de despertar, é que o Presidente Lula é o grande responsável por tudo isso. Ele tem criticado o PT, mas ele é mais responsável do que o PT, porque a Dilma não foi escolhida pelo PT, foi escolhida pelo Lula. O Lula é que impôs isso ao Partido dos Trabalhadores. O Partido dos Trabalhadores, provavelmente, iria preferir um militante com mais tempo no Partido, com mais tradição, mais orgânico. Foi o Presidente Lula que disse: “a candidata será Dilma Rousseff”. Ele tem que assumir isso dentro do PT e tem que assumir isso no Brasil inteiro, para que analisemos a realidade que nós atravessamos hoje, referida pela Senadora Marta Suplicy, no seu artigo - e eu creio que ela vai falar aqui na próxima semana, eu espero que sim, e que nos avise para fazermos um debate - e pela jornalista Eliane Cantanhêde também.

            O discurso da jornalista, Senadora, começa com a seguinte frase:

Boatos de suicídio no Alvorada, suspeita de bomba no Planalto, um patético habeas corpus preventivo contra a prisão do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula falando poucas e boas contra a sucessora, o Governo e o PT. A Presidente Dilma Rousseff passando vexame com milho, mandioca e “mulher sapiens”. Não bastasse, a Polícia Federal na cola de Fernando Pimentel, amigão da Presidente e Governador do principal Estado administrado pelo PT. [É um quadro muito complicado, muito complicado.]

Definitivamente, o mar não está para peixe e o ambiente político não está nada favorável nem para Lula, nem para Dilma, nem para o Partido de ambos. No volume morto, eles se esforçam para tentar sobreviver. [É grave isso, tentar sobreviver, mas grave para o Brasil, não é só para eles.]

Lula: debatendo-se, gritando contra a imprensa, as elites e agora também contra a Dilma e o PT, para reanimar a desminlinguida militância petista. Dilma: viajando para bem longe, encontrando-se com Barack Obama e fingindo (até para ela mesma) que tudo está na mais santa paz. O PT: armando-se até os dentes e conspirando contra sua Presidente, o seu Ministro da Fazenda e a política econômica do seu próprio Governo.

[É muito ruim isso. É um quadro muito trágico.] É nesse ambiente já tão hostil que explodem revelações chocantes da Lava Jato e dados econômicos de amplo alcance e demolidores para qualquer governante e qualquer governo, ainda mais para uma governante com alarmantes 65% de rejeição e um governo bombardeado pelo seu próprio partido, o PT, e pelo seu principal aliado, o PMDB.

            A jornalista não disse algo que agrega muito problema a tudo isso. É um governo no começo do mandato, ainda não terminou o primeiro semestre dos oito que caracterizam o mandato. Se estivesse no fim do governo, tudo era fácil, nós entraríamos numa campanha presidencial, o debate seria sobre o que vai ser feito nos anos seguintes e começaríamos a nos preparar para a característica lua de mel que acontece nos primeiros meses de um novo governo democrático.

            Continua o artigo:

O Banco Central acaba de rever para baixo a previsão de crescimento em 2015, trabalhando agora com uma recessão de 1,1%. Como acaba de rever a previsão de inflação do ano para cima, já admitindo desastrosos 9%.

            Nove por cento é a véspera de 10%; 10% são o que se chama de dois dígitos de inflação, o que é uma tragédia. Pior, Senadora Ana Amélia, é que nós temos uma trágica coincidência de 9% de inflação, 9% de desemprego, que a senhora citou, e 9% de popularidade da Presidente. É uma tragédia, um momento na história em que temos 9% de inflação, com 9% de desemprego e com 9% de popularidade.

Logo, Dilma, que jamais chegou nem perto da meta de 4,5% no primeiro mandato, ultrapassa em muito o próprio teto [...], de 6,5%, no segundo.

            É preciso lembrar que a meta, há anos, é 4,5%, que já pesa no bolso de um trabalhador, se não no primeiro ano de 4,5%, mas no segundo, porque a gente esquece que, na matemática financeira, 4,5% mais 4,5% não são 9%, são mais de 10%. Quando você bota mais 4.5%, não são apenas 14%, vai para 16%, porque é cumulativo. Nas finanças, a soma de índices é multiplicada uma pela outra. Então, 4,5%, mas se toleravam 6%. Agora, a realidade vai ser, acima dos 6,5%, quase três pontos.

É óbvio que, em não se tratando de jabuticabas [continua o artigo da jornalista Eliane Cantanhêde], esse desarranjo macroeconômico acabaria corroendo os postos de trabalho. E está corroendo. Pelo insuspeito IBGE, o desemprego já está em 6,7%, enquanto o rendimento médio (...) caiu 5% em relação ao mesmo mês de 2014. [Ou seja, a renda do trabalhador brasileiro caindo 5%.]

É a maior queda em 11 anos. Aliás, Dilma bate recorde em cima de recorde negativo na inflação, no crescimento, no desemprego...

Detalhe: esses são os indicadores mais políticos da economia, porque afetam diretamente o bem-estar das famílias e, portanto, o humor do eleitorado. Estando ruins, Dilma não tem condições de ficar bem.

E o que falar das contas públicas? Bem, o Governo Dilma (...) conseguiu nos cinco primeiros meses do segundo mandato produzir o pior superávit fiscal desde 1998 [um ano de uma grande crise]. Resultado de um desequilíbrio que foi particularmente descarado no ano eleitoral de 2014 e é mantido até hoje: gastos altos, arrecadação em baixa.

            E aí vem uma palavra, Senadora Ana Amélia, que a senhora usou aqui e que eu anotei, e a gente deveria repetir mais vezes: Governo perdulário. Esta é a causa da crise: Governo perdulário, que gasta mais do que pode. Com um agravante: perdulário, provavelmente, para ganhar as eleições. Isso agrega uma maldade muito certa, muito forte. Não foi perdulário por não saber, porque a gente avisou. Os economistas avisaram. Não foi perdulário por uma irresponsabilidade inconsequente. Não; foi um perdulário para ganhar a eleição.

            E estamos pagando. E hoje quem vai pagar somos nós, porque somos brasileiros, porque este é o nosso Brasil, e não dá para botar a conta só em cima das propinas da Petrobras, que não chegarão para pagar o rombo que nós estamos atravessando.

É exatamente aí que entra a que entra [e aqui é para nós a fala, o artigo] a inestimável contribuição do Congresso para a bagunça geral. Primeiro, trocou o fator previdenciário por uma nova fórmula. Agora, estende o reajuste do salário mínimo a todos os aposentados. Os cofres da Previdência Social suportam esse tranco?

            Não foi analisado isso. Nem no que se refere ao fator previdenciário, sua extensão, nem no que se refere ao aumento, ao reajuste acima da inflação para todos os aposentados. E não vai demorar, vai haver alguém aqui propondo o reajuste do salário mínimo para nós, Senadores, para os Deputados e para os ministros do Supremo.

            Ou seja, o mesmo reajuste do piso ao teto, que é o contrário do que a gente quer, que é subir mais quem está embaixo e subir menos quem está em cima.

            Pois bem. Não analisamos nada disso. Dilma vetou o cálculo previdenciário e terá de vetar a ampliação do reajuste, no mínimo, para aposentados, com inevitável desgaste político que, nesse caso, não vai ser ruim só para ela, vai ser ruim para todos, porque ela ainda tem três anos e meio de mandato.

A chance de Dilma recuperar alguma popularidade, um pouco de respeito no PT e o mínimo de piedade do PMDB é revertendo a tendência da economia. Mas como, se as pesquisas, os ataques do PT e as investidas do PMDB no Congresso são exatamente os piores inimigos da política econômica do Governo? Diante de tudo isso, fica aquela sensação incômoda de que Obama, ao encarar Dilma olho no olho, reunir-se com ela, dar entrevista na Casa Branca ao seu lado e assinar uma penca de acordos e protocolos bilaterais, estará pensando: será que essa Dilma manda alguma coisa? Será que chega ao fim do mandato? Ou será que todos esses salamaleques aqui são uma baita perda de tempo, só para brasileiro ver?

            Esse é um artigo que eu acho que vale tanto a pena ser lido para ajudar no acordar do despertar, que eu li aqui, Senadora. Mas ele não ajuda no acordar de fazer acordo. Essa é uma tarefa nossa. E, para isso, Senadora Ana Amélia, temos que sair, neste Congresso, do debate apenas em cima disso, que é a conjuntura que atravessamos, e debater aqui as causas estruturais, profundas, nas raízes da crise que nós atravessamos.

            Nós precisamos saber que há uma crise mais profunda do que esse debate estéril entre PT e PSDB, um acusando o outro, mas os dois muito parecidos nas propostas para o presente do Brasil e sem propostas para um outro futuro para o Brasil.

            Lembre-se de que, nesse artigo que eu li, diz que o Governo Dilma “conseguiu nos cinco primeiros meses do segundo mandato produzir o pior superávit fiscal desde 1998”. Em 1998, era o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Claro que se pode dizer que foi um superávit causado, em parte, pelo medo da eleição do Presidente Lula, que era candidato. Mas a chance de Lula ganhar em 1998 era muito pequena.

            Então, não foi só isso. Foram erros também do governo Fernando Henrique, do PSDB. Esse debate PT-PSDB está exaurindo a imaginação da política no Brasil. Nós estamos aprisionados. De um lado da algema, o PT; do outro lado da algema, o PSDB, e nós caminhando assim. É isso que está acontecendo, Senadora Ana Amélia. Temos que romper essa algema com outra proposta, uma proposta que traga para cá o debate que a senhora tem trazido, o problema de como aumentar a produtividade, a competitividade, quebrar a desigualdade, enfrentar a violência intrínseca que hoje está dentro do Brasil. Não é mais a violência esporádica, como era. É uma violência com a dimensão que havia na escravidão, aquela violência contra negros escravos, intrínseca. Hoje, é uma violência de uns contra os outros, de todos ao mesmo tempo. Esse era o debate que deveríamos fazer.

            Por trás desse debate, Senadora - dizem que é mania, e é mesmo, há manias positivas -, está a educação. Hoje, nascerão no Brasil 8.200 crianças - as estatísticas dizem. Dessas 8.200 crianças, qualquer análise pode mostrar que 820 morrerão analfabetas se nós não fizermos a revolução educacional que é necessária. São 10% de analfabetos. Se essa taxa de 10% se mantiver, 820 serão analfabetos, dos 8.200 que nascerão hoje. Apenas 410 dos 8.200 chegarão ao final com uma educação de qualidade capaz de lhes fazer serem criativos para um novo País e para o sucesso pessoal. Cinco por cento? Eu ouvi isso do Cláudio Haddad aqui, que é uma figura importante. O Senador Anastasia sabe. Ele fala em 5% que terminam o ensino médio com um mínimo de qualificação para enfrentar o mundo. Ou seja, 7.790 dos 8.200 que nascerão hoje vão chegar ao final da vida sem uma educação com a qualidade necessária para construir um novo País e para ter o sucesso pessoal que cada pessoa tem o direito de buscar.

            Esta causa intrínseca dos nossos problemas - eu não diria que é a única, mas a principal - está fora do debate entre PT e PSDB.

            A Senadora Ana Amélia esteve presente na votação do projeto da federalização, que pode não ser a melhor proposta, mas não está aparecendo outra melhor hoje para dar o salto. O PT não foi nem ao menos votar e, do PSDB, eu contei com o voto do Senador Anastasia, que está aqui. Mas o único voto contra foi de um Senador do PSDB, que acha que isso não é o caminho. É até possível que não seja, mas qual é o caminho? Quem está oferecendo?

            Continuar do mesmo jeito não vai nos fazer dar o salto que a gente precisa, não vai fazer a revolução que o Brasil necessita, não vai permitir nem o acordar do despertar nem o acordar de fazer o acordo para um novo País, não vai dizer como virar a direção do rumo.

            O PT e o PSDB, hoje, discutem como fazer para o Brasil continuar no mesmo rumo em vez de voltar - nesse ponto, estou até contente com eles. Eles querem saber como continuar no mesmo rumo. Mas o mesmo rumo, mesmo continuando, não é bom.

            É preciso virar pelo menos o PIB. Cair em 1,1% o PIB é uma tragédia, mas retomar para 3% ou 4% o mesmo PIB não é o bom, não é o certo. O PIB baseado na agricultura, baseado na indústria primária, no sentido de indústria dos anos 50, não é o caminho.

            O caminho não é apenas o PIB crescer, é o PIB mudar. A gente não precisa apenas de um PIB maior, precisamos de um PIB mais bonito, mais brilhante, sintonizado com alta tecnologia, com esses produtos que geram a demanda ao surgir da invenção de alguém, e não aqueles produtos cuja demanda só vai enquanto enche a barriga e, então, para. Isso porque não se come mais alimentos do que se precisa. Mas você ter um computador, você compra mais do que precisa. Aquilo que renova você compra mais do que precisa. Um equipamento médico, na hora em que ele sai, já cria a demanda. Mas um saco de soja não cria demanda por ele, mas, sim, pelo estômago do comprador.

            Temos de mudar o PIB, e não apenas aumentar o PIB. E o debate que a gente vê entre os grandes partidos, hoje, é como retomar o crescimento do mesmo velho, feio, antiquado Produto Interno Bruto do Brasil, e não como crescer mudando a cara do PIB, o brilho do PIB, as características do nosso Produto Interno Bruto.

            Crescer o PIB com a característica concentradora que ele carrega há 50 anos não é o que o Brasil quer. O Brasil precisa de um Produto Interno Bruto que tenha, dentro dele, características distributivas, de distribuição.

            A indústria baseada no automóvel, por exemplo, não é distributiva, porque exige alta renda para comprar, porque exige espaço nas ruas para andar, porque exige investimentos altos em infraestrutura de viadutos e estradas para não haver engarrafamentos; e um tijolo numa estrada é um tijolo a menos no saneamento, na água, no hospital, na escola.

            Nós precisamos mudar o debate. Nós precisamos de um debate que traga esperança, Senador Telmário, e não apenas desse debate que está se vendo aqui, preso ao presente. Esperança não rima com presente. Esperança rima com futuro. E o debate que nós temos feito é um debate de acusações mútuas conjunturais, do presente.

            É preciso quebrar essas duas partes da algema do debate, que são uma algema chamada PT e uma algema chamada PSDB, e fazer uma liberdade. O problema é que eu não vejo nenhum outro partido oferecendo isso; e nós somos de um partido, Senador Telmário, mas não estamos oferecendo alternativa, não estamos. Ou seja, não é culpa dos dois grandes partidos, é nossa, de não estarmos trazendo uma alternativa que inspire e traga para o povo brasileiro a esperança de que é possível não apenas sair dessa crise - e eu li, aqui, o artigo trágico, Senadora Ana Amélia, outro trágico, da Marta Suplicy -, não apenas sair desse momento trágico, mas avançar para um amanhã promissor.

            É isto, Senadora: acordar e acordar. Acordar no sentido de despertar e acordar no sentido de fazer um grande acordo por um Brasil que realize os sonhos desses 8,2 mil meninos e meninas que nascerão hoje, ou que já nasceram desde meia-noite, e cujo futuro, nem na previdência, nem na educação, nem na saúde, nem na segurança, nem na qualidade de vida das cidades, parece ser mais promissor do que o da nossa geração, com todos os defeitos do presente que atravessamos.

            Vamos voltar a sonhar. Para isso, é preciso debater diferentemente.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Apoio Governo/PP - RS) - É o que eu mais desejo, Senador Cristovam.

            Enquanto V. Exª estava discorrendo, com muita elegância, com muita objetividade e com muita correção, a analise dos temas que são inescapáveis hoje, a nós todos, eu estava lembrando também que, em política, um dos sentimentos, eu diria, de menor valor é a ingratidão, a ingratidão e a falta de solidariedade política, que é o que a gente percebe nas atitudes e nas críticas do ex-presidente à sua sucessora: a ingratidão e a falta de solidariedade. Ele deveria, em vez de fazer críticas agudas e ácidas, estar solidário a ela e a ajudando a superar a crise. Acho que seria mais construtivo. Inclusive a própria biografia do presidente Lula, que foi fundador do Partido dos Trabalhadores, o mesmo partido a que ele também faz severas críticas, e ele é o maior líder do Partido. Também é recorrente a crítica que o Governo e, especialmente, o Presidente Lula fazem à imprensa. Tudo é culpa da imprensa. A imprensa está sendo acusada nesse processo, mas não é culpa da imprensa o aumento da energia, o aumento dos combustíveis, o aumento da inflação, o aumento do desemprego, o aumento da insegurança, o aumento dos problemas da crise na saúde e também não é culpa da imprensa a Operação Lava Jato, Senador. A imprensa reproduz tão somente os fatos que acontecem. Às vezes, claro, com um grau de crítica diante dos fatos.

            Então, eu quero apenas também lembrar esse comportamento e essa situação, a falta disso. E, como o senhor, também desejo, sinceramente, e com a ajuda de Deus, que este País entre nos trilhos e que nós tenhamos realmente a esperança de dias melhores.

            Parabéns, Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senadora, a senhora trouxe aqui um conceito que exige uma nova palavra. Precisa-se de uma palavra para definir ingratidão mútua, porque ingratidão é de um para o outro e, agora, tem de um para outro e de outro para um. Acho que a gente poderia chamar de “bi-ingratidão”.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Bom, o senhor está dando uma colaboração para esse neologismo, Senador Cristovam, como sempre criativo. (Risos.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mas o Senador José Medeiros pediu a palavra.

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Srª Presidente, Senador Cristovam, novamente eu queria parabenizá-lo por este debate, porque é a essência do caminho que a gente tem que seguir. O País precisa de um rumo tanto político quanto econômico. Enfim, o País precisa descobrir para onde nós queremos ir, e é em quase todas as áreas. Eu me lembro que, em uma palestra lá no meu Estado, em Mato Grosso - todo mundo muito contente com a economia pujante que ali existe, maior produtor de grãos, maior rebanho - V. Exª alertava que Olinda já passou por esse ciclo, que o café, lá em São Paulo, também passou por esse momento de euforia, assim como o cacau, e que hoje era Mato Grosso, com os grãos. Ontem, V. Exª citou isso aqui, e eu fiquei pensando sobre isso durante a noite. Agora mesmo, V. Exª alertava para a questão da África. O Brasil, com essa política que está fazendo em alguns países, uma das coisas que ele está fazendo na África é levando a tecnologia desenvolvida aqui pela Embrapa para a África. Eu alertei, esses dias, para uma coisa que o Ronald Reagan havia dito: entre países não existe amizade, existem interesses comerciais, porque, no fim de tudo, o objetivo de cada país é defender o seu próprio povo. E V. Exª ontem dizia: a África está no meio do caminho entre a China e o Brasil, e a China é o principal consumidor dessas commodities nossas. Pois bem. Então, nós estamos acelerando o fim desse nosso modelo e, se estamos acelerando esse nosso fim, cai justamente onde V. Exª diz: precisamos de um rumo, precisamos de uma outra vertente, de uma outra matriz de desenvolvimento. Então, ainda me remetendo ao seu discurso em Mato Grosso, em que V. Exª dizia da produção de conhecimentos e do quanto se precisa de tecnologia para produzir uma tonelada de soja. Sempre, em algum lugar do mundo, vai ser preciso produzir alimento, seja na África ou onde for. Ou seja, se começarmos a produzir conhecimento nessa área, nós teremos vida longa. E aí eu sempre me lembro do que aconteceu nos Estados Unidos: quando eu era pequeno, os jogos de computadores remetiam-se a Detroit, porque Detroit é cantado em verso e prosa como a grande cidade do automóvel. Pois bem, Detroit hoje é uma cidade fantasma praticamente, porque aquela indústria entrou em declínio, porque não criou outro caminho. Paralelo a isso, outra região norte-americana, chamada Vale do Silício, passou a produzir conhecimento. Hoje, cada um de nós, neste plenário, tem um telefone com inúmeros componentes produzido no Vale do Silício, e é isso no mundo inteiro. Quer dizer, vida longa a eles que produziram conhecimento. Então, a sua preocupação não é só uma reflexão, ela é real e preocupante, porque estamos atravessando um momento de insegurança política, de insegurança econômica e parece-me que nos comportamos - e isso em geral, do Governo a todo mundo - como a banda do Titanic, tocando enquanto o barco afunda. É extremamente preocupante a situação por que passamos. Tive notícias agora do setor sucroalcooleiro, que mais de 70 usinas de álcool já fecharam no País. Parece-me que a previsão é de que fechem mais de mil agências de automóveis em São Paulo, e o desemprego já vai para mais de um milhão de pessoas desempregadas. Ou seja, estamos caminhando a passos largos, e não é para o rumo do crescimento. E precisamos retomar o crescimento em algum momento. Mas de que forma? Esse é o grande debate - concordo com V. Exª e quero me juntar a isso. Este País é capaz. Somos muitos capazes. Há poucos dias, vi aquele avião - sempre me remeto a esse exemplo, Senador Cristovam Buarque, que é Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia - feito pela Aeronáutica, o projeto que foi feito todinho do nada, numa prancheta. A Aeronáutica fez o projeto do KC-390, se não em engano, e passou para a Embraer, e construímos um avião com características brasileiras. O avião é top na sua categoria, no cenário internacional. Fizemos do nada, do zero, um avião gigantesco. Então, temos condições, temos competência, basta termos foco. Agora mesmo, estamos enrolados nessa discussão da reforma política. Ora, nós somos capazes de fazer e estamos com esse desafio. Espero que venhamos a nos debruçar sobre esses assuntos, mas avançando além da conversa miúda, do debate pequeno. Por isso, fico muito satisfeito de ter o privilegio de fazer parte desta Casa junto com V. Ex ª e vários outros Senadores, porque há muita gente boa aqui. Isso engrandece o debate. Agora precisamos realmente desse rumo, porque o País anseia, como o vigilante anseia pela aurora, por esse rumo. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Senadora, se me permite, quero fazer três comentários curtos. Primeiro, os aviões saíram do zero e de uma escola de engenharia chamada Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Aqueles aviões que voam por aí, no mundo inteiro, da Embraer, são produtos da educação, não são produtos da indústria. São produtos da educação e da genialidade empresarial de diversos brasileiros, e cito Ozires Silva como símbolo.

            Se ficasse também na Escola de Engenharia sem a capacidade empresarial, não aconteceria. Daí é preciso reconhecer: sem ser uma empresa estatal, a Embrapa não existiria no Brasil. Mas, se tivesse continuado estatal, não teria dado o salto que deu depois da privatização. Isso nos leva a rediscutir o conceito do que é estatal, do que é público, do que é o interesse do Brasil.

            Segundo, o senhor lembrou Olinda, Belém e São Paulo. São Paulo soube reciclar-se e virar um Estado industrial. Se tivesse ficado no café, hoje seria um Estado de segunda no cenário econômico brasileiro. Mas pegou a crise do café e se reciclou para virar uma indústria.

            E, finalmente, quero lembrar que ouvi, um dia desses, a afirmação de que Jeff Bezos, que é dono da Amazon, um gênio dos negócios, tem um grupo que se reúne com ele permanentemente com uma única finalidade, Senador Anastasia, perguntar quem está se preparando para ganhar para ele nos negócios. Ele têm um grupo só para imaginar quais são as técnicas que estão surgindo e que poderão destruir o seu negócio.

            Acho que valeria à pena sugerir ao nosso amigo, o Governador do Mato Grosso, que ele crie um grupo desse tipo, um grupo que se preocupe não apenas em como avançar, que é preciso, é claro, mas também um grupo que se preocupe em saber o que vai atrapalhar a indústria da soja e a indústria do gado em Mato Grosso. Enquanto ninguém descobrir o que vai atrapalhar, ótimo. Mas, se alguém descobrir, começar a trabalhar para sair disso e buscar um novo rumo, um novo caminho, um novo vetor do progresso.

            Esse é o debate que o Brasil precisa descobrir, um novo vetor para o nosso progresso, porque o vetor que estamos seguindo desde Juscelino e que nos permitiu dar esse salto todo se esgotou por causa da realidade mundial.

            Muito obrigado, Senador Medeiros.

            Muito obrigado, Senadora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2015 - Página 11