Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 25 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e ênfase na necessidade de sua constante atualização.

Autor
Blairo Maggi (PR - Partido Liberal/MT)
Nome completo: Blairo Borges Maggi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Comemoração dos 25 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e ênfase na necessidade de sua constante atualização.
Aparteantes
José Medeiros, Marta Suplicy, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2015 - Página 198
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, VIGENCIA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ELOGIO, CRIAÇÃO, ESTATUTO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BAIXA, INDICE, MORTALIDADE INFANTIL, REGISTRO, NECESSIDADE, ATUALIZAÇÃO, LEI FEDERAL, OBJETIVO, GARANTIA, AMPLIAÇÃO, ABRANGENCIA.

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como vários colegas nesta Casa já observaram, celebramos, no último dia 13 de julho, os 25 anos de vigência do Estatuto da Criança (ECA).

            Como não poderia deixar de ser, a data comemorativa vem sendo pretexto para que, passado um quarto de século, avaliemos as políticas públicas voltadas para a criança e o adolescente, principalmente nesse contexto de criminalidade crescente entre os jovens no Brasil.

            Na qualidade de ex-governador, por dois mandatos, de Mato Grosso, onde tive que enfrentar, mais de uma vez, os desafios impostos pelo Estatuto, gostaria também de tecer aqui algumas considerações sobre esse importantíssimo marco legal, que substituiu o Código de Menores, e que, acredito, pode representar ainda uma alternativa viável para que equacionemos o problema da violência juvenil em nosso País.

            Em primeiro lugar, faço aqui um elogio. Partindo da ideia absolutamente correta, urgente e necessária de que era preciso oferecer proteção integral à criança e ao jovem, o ECA criou o arcabouço jurídico que permitiu que superássemos alguns dos péssimos indicadores sociais do início dos anos 1990, quando começou a ser implantado.

            A mortalidade infantil, nos últimos 25 anos, caiu de 47 para 14,4 crianças em cada mil nascimentos.

            O trabalho infantil, que vitimava uma média de 23,63 jovens a cada mil, hoje atinge menos de dois indivíduos a cada mil jovens e crianças.

            O acesso à creche avançou para 27,9% entre as crianças de 0 a 3 anos, e o atendimento na educação infantil já atingiu 87,9% das crianças de 4 a 5 anos.

            Existem hoje 1.303 varas da infância, e temos 5.906 unidades de conselhos tutelares.

            Embora o ECA não seja, isoladamente, o responsável por todas essas transformações, é evidente que muito contribuiu para que passássemos a dar, às crianças e aos jovens, uma alternativa de futuro. Para que déssemos ao nascituro a oportunidade de uma maternidade mais segura. Para que oferecêssemos às crianças menores de 6 anos a perspectiva de uma educação integral desde a primeira infância. Para que defendêssemos e amparássemos os brasileiros menores de 18 anos nas inúmeras situações de violação de direitos.

            O ECA é, por tudo isso, um instrumento que merece ser celebrado.

            E nós, juntos, aqui, aqueles que comemoram os 25 anos desse importantíssimo diploma. No entanto, é preciso, também, reconhecer que 25 anos depois os tempos são outros; o Brasil é outro e a juventude também é outra. O ECA, como todo ordenamento jurídico, merece ser rediscutido, atualizado e aprimorado, principalmente o estatuto, embora necessário, não foi suficiente para que protegêssemos os jovens e as crianças deste País.

            Com efeito, a taxa de homicídio entre crianças e adolescentes é hoje quase o dobro do que era 25 anos atrás. Em 1990, 7,7 crianças e jovens eram mortos a cada 100 mil. Esse percentual hoje é de 13,9 menores assassinados para cada 100 mil. Ou seja, um aumento de 80% nesse quesito. Se considerarmos apenas a faixa etária dos 16, 17 anos, os indicadores são ainda mais nefastos: 50,1 jovens assassinados para cada 100 mil, contra 26,2 há 25 anos. É mais que o dobro, Sr. Presidente. Apesar do ECA, os jovens são hoje muito mais vítimas da violência do que eram quando o estatuto começou a vigorar.

            Também avançamos muito na proteção dos direitos básicos. Apenas o primeiro trimestre deste ano, o Disque Direitos Humanos registrou 21.021 denúncias de violação de direitos de crianças adolescentes do Brasil, principalmente relacionados à negligência, à violência física, psicológica e sexual.

            Veja-se o caso do menino Bernardo Boldrini, que chocou o Rio Grande do Sul e o País, e que sintetiza, de forma assombrosa, a que ponto se pode chegar a negligência e a violência contra a criança, apesar da existência de conselhos tutelares.

            Na verdade, segundo o Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares, temos 632 unidades a menos que o necessário e, entre as existentes, 25% não têm telefone e 37% não têm celulares.

            Na educação, o caminho a ser trilhado também é grande. Há ainda 3,8 milhões de jovens brasileiros, principalmente na faixa etária entre 15 e 17 anos, fora da escola. E jovem fora da escola, Srªs e Srs. Senadores, é problema na certa.

            Mas vejam também as escolas. Segundo o Censo Escolar de 2014, apenas 45% das escolas brasileiras da rede pública de ensino fundamental têm biblioteca e apenas 33% delas têm quadras poliesportivas atuantes. Além disso, apenas um terço das escolas está adaptado para alunos com deficiência de mobilidade reduzida.

            Enfim, parece-nos evidente que o estatuto que está aí e que representa, sem sombra de dúvida, um avanço notável nas políticas de atenção às crianças e aos jovens merece, sim, ser rediscutido e aperfeiçoado. Precisamos, sim, discutir por que o ECA ainda não foi capaz de promover a proteção integral aos menores brasileiros e precisamos, principalmente, discutir por que o estatuto não conseguiu deter o avanço da criminalidade entre os jovens - da criminalidade de que os jovens são vítimas e da criminalidade de que os jovens são autores também, porque os jovens não são apenas vítimas da violência e vêm se tornando também, cada vez mais, os seus próprios agentes.

            Os casos estão em toda parte: no estupro coletivo de que foram vítimas recentes quatro adolescentes do Estado do Piauí; no assassinato a facadas de um médico à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro; no adolescente que, há pouco mais de um ano, ateou fogo em uma dentista, em São Bernardo do Campo.

             No Mato Grosso, os crimes cometidos por menores infratores cresceram na ordem de 8%, apenas entre 2013 e 2014. A situação se repete em todo o País. Abra-se o jornal do dia: não há uma só edição em que não tenhamos a denúncia de que um crime cometido por um menor de idade não tenha acontecido.

            Por isso, é importante avançar, não apenas sobre a questão dos direitos das crianças e dos adolescentes, mas também sobre os deveres dos jovens.

            Não podemos mais manter presos por apenas três anos os jovens que cometem crimes hediondos. Não podemos continuar a tratar como crianças aqueles que já não agem mais como crianças. Não podemos aceitar o excesso de tolerância e promiscuidade de toda uma geração.

            Se oferecemos direitos - e precisamos oferecê-los de forma abrangente e estruturada -, temos também que cobrar deveres. E essa, talvez, seja a questão mais chave hoje, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores.

            Eu concedo um aparte ao Senador José Medeiros, meu colega de Mato Grosso.

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Blairo, queria parabenizar V. Exa por esse pronunciamento. Primeiro, pela coragem. Hoje, falar desse tema é ter muita coragem, mas sempre foi uma característica de V. Exa enfrentar os temas com muita propriedade, não importa a dificuldade com que eles se apresentam. Eu creio que o País agora está numa encruzilhada. Vemos que a sociedade não tolera mais que pessoas, sejam elas de que idade for, matem e fiquem impunes. Sentimos que essa cobrança é urgente e recai sobre esta Casa essa responsabilidade. Eu creio que estamos tratando aqui com muita responsabilidade, e V. Exa traz a solução no próprio discurso, quando fala justamente sobre a questão da educação. Hoje, a grande dificuldade do ECA é não ter conseguido fazer frente a todas as demandas que se apresentaram, mas V. Exa levanta justamente a necessidade de sairmos pela educação. A educação vai resolver tudo? Sempre vai haver esses casos de menores que, se comportando como adultos, matam, enfiam a faca nos outros, como aconteceu no Rio de Janeiro. Entendemos que isso não é mais tolerável. Concordo justamente, quando esta Casa começa a discutir uma forma de aumentar a pena, de não haver mais essa pena de três anos, e partir para um aumento de pena, para que essas atitudes não fiquem a revoltar cada vez mais o cidadão, que se sente impotente diante desses “menores”, aspas, que na verdade são brutamontes que assaltam, matam, e às vezes, por um senso comum ou um discurso politicamente correto, há toda uma rede de proteção para que essas pessoas fiquem impunes. Meus parabéns pelo pronunciamento.

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Muito obrigado, Senador Medeiros. Agradeço o seu aparte e a sua participação.

            Quero dizer, Senador Medeiros, que hoje em dia muitos pais - e não quero dizer que seja a grande maioria - querem terceirizar a educação dos seus filhos.

            Tive oportunidade, como Governador do Estado, de conversar com centenas de professoras e professores das escolas da rede pública do Estado de Mato Grosso. Em muitas oportunidades, ouvi dessas professoras e professores relatos de mães que chegam à escola com os guris, as crianças, os piás, como nós falamos, pendurados pela orelha e dizem para os professores: cuidem desse bichinho porque eu não dou mais conta dele em casa. Quer dizer, já passou do ponto de moldar a personalidade, o caráter dessa criança, e acham que o Poder Público tem a obrigação de fazer isso.

            Então, estamos com um problema sério na educação, e não só nas escolas, mas também em casa. Temos que ensinar os pais a serem pais, coisa que não aprenderam quando criança.

            Lembro-me de que, quando eu era criança e a coisa não andava direito, a minha mãe puxava a orelha. Tenho a orelha grande porque ela puxava e me fazia rodar. E outra coisa: não tinha essa história de correr atrás para bater na bunda. Nós tínhamos que ir lá. A D. Lúcia acenava o seu dedinho mágico e nós estávamos no pé dela. A educação era efetiva, coisa que nós não temos hoje.

            Parabéns pela sua intervenção neste discurso. E dou ao Senador Moka para um aparte.

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador Blairo Maggi, penso que uma coisa não exclui a outra. Vejo aqui uma proposta do ECA no sentido de aumentar o tempo de permanência desses jovens, sobretudo quando têm um agravamento da pena. Mas eu, particularmente...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Eu estava falando sobre o ECA. Já vi projetos de lei defendendo o aumento de tempo de permanência desses jovens. Eu acho que é válido. Uma coisa não exclui a outra. Nós temos uma contribuição do Senador Aloysio Nunes Ferreira que reduz a maioridade penal, mas condiciona essa redução para alguns casos e especifica, no seu projeto de emenda à Constituição, quais seriam esses casos. E ainda condiciona, no sentido de que quem daria a última palavra seria um juiz, depois de provocado por um membro do Ministério Público. Eu acho que assim nós separaríamos aqueles jovens realmente recalcitrantes que acabam cometendo crimes hediondos e que não têm mais condição de convivência. Esses casos, infelizmente, existem. E trataríamos esses outros jovens com uma pena maior, ou com um rigor maior, nesse projeto de lei que também tramita aqui, que é uma alteração do ECA. Era o aparte que queria dar a V. Exª.

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Muito obrigado, Senador Moka, pela sua intervenção.

            Senadora Marta Suplicy, V. Exª quer fazer um aparte?

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Eu quero parabenizá-lo, Senador, por trazer essas reflexões. Nós falamos muito sobre o adolescente, e V. Exª trouxe uma visão ampla, dados. E eu gostaria de acrescentar um dado que é relacionado aos adolescentes que...

(Interrupção do som.)

            A Srª Marta Suplicy (S/Partido - SP) - Esses adolescentes hoje têm uma possibilidade de socialização e reinserção na sociedade com êxito de 80%, só 20% de reincidência, ao contrário dos adultos. É exatamente o número ao contrário. Então, por mais desanimadora que seja a situação das casas de ressocialização, elas estão conseguindo fazer um trabalho. Agora, V. Exª tocou no ponto de que elas estão mal geridas ou poderiam ser mais bem geridas. Eu acho que nós teríamos talvez que focar um pouco nisso, porque, se vamos aprovar a maioridade com 16 anos - eu não vou votar nisso; eu vou votar numa permanência maior -, nós teremos um novo problema: como fazer com que esses jovens que vão ficar retidos, caso prevaleça essa visão, tenham realmente um processo. São jovens muito mais delinquentes, perigosos, são crimes hediondos, etc. Nós vamos ter que focar nesses jovens, porque esses jovens são o grande problema que nós vamos ter daqui a pouco. Já existem, sem nenhuma solução. Mas quero lhe dizer que o seu apanhado, em geral, foi...

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Maioria/PMDB - AL) - Senador Blairo Maggi.

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Para finalizar, fortalecer o Estatuto de Criança e do adolescente e assegurar que seja efetiva e integralmente implantado, para que cuidemos da geração do amanhã. Mas, enquanto essa geração não chega, cuidar também da que está aí e sinalizar que não estamos dispostos a transigir um milímetro que seja na busca de uma sociedade pacífica, em que os cidadãos não sejam assaltados todos os dias pelo medo.

            Parabéns, pois, para o Estatuto da Criança e do Adolescente nesses 25 anos de história. E coragem a todos nós, a todas as lideranças deste País, para que façamos avançar, acompanhado das revisões e reformulações de que tanto...

(Soa a campainha.)

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Para que o tempo de hoje reclama de todos nós.

            Era isso o que tinha a dizer, Sr. Presidente. E dizer o seguinte: as crianças de hoje não são as crianças de 25 anos atrás. Uma criança do dia de hoje, de 15 anos, de 16 anos, tem muito mais informação, tem muito mais conhecimento. Talvez não tenha a capacidade de discernimento, mas tem muito mais conhecimento do que o meu avô, que faleceu com 101 anos de idade.

            Muito obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2015 - Página 198