Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o acirramento do conflito entre indígenas e produtores rurais no País, especialmente no Estado do Mato Grosso do Sul.

Autor
Simone Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Preocupação com o acirramento do conflito entre indígenas e produtores rurais no País, especialmente no Estado do Mato Grosso do Sul.
Aparteantes
José Medeiros, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2015 - Página 240
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), MOTIVO, CONFLITO, PRODUTOR RURAL, COMUNIDADE INDIGENA, REGIÃO, SOLICITAÇÃO, INTERVENÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), OBJETIVO, SOLUÇÃO, IMPASSE.

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão da oradora.) - Obrigada, nosso querido Presidente Senador Paim.

            Faço um agradecimento muito especial ao meu querido conterrâneo mato-grossense Senador José Medeiros, sempre muito gentil, pela permuta de inscrição, para que eu possa proferir este meu discurso.

            A questão que me traz nesta tarde a esta tribuna, Sr. Presidente, já foi tratada muito bem pelo ilustre Senador Moka. Mas, diante da situação realmente gravíssima que está acontecendo no meu querido Estado de Mato Grosso do Sul, eu não poderia deixar de me pronunciar, porque, no mínimo, seria omissão da minha parte. E, se há uma coisa que eu não gosto, é de me omitir em relação a questões graves e sérias, ante as quais gosto de ter posição e de me pronunciar sobre ela.

            Srs. Senadores, como foi relatado pelo Senador Moka, durante uma reunião muito tensa no Sindicato Rural de Antônio João, um pequeno município com menos de 10 mil habitantes localizado no sul do nosso Estado, na fronteira com o Paraguai, diante de uma situação tensa, mais de 50 produtores rurais resolveram - apesar de o Senador Moka ter tentado dissuadir esses produtores - retomar uma das cinco fazendas ocupadas, na semana anterior, pela comunidade indígena guarani-kaiowá.

            Pois bem, eles foram até a sede da fazenda, onde permaneciam índios com arcos, flechas e, muitos disseram, armas. Se havia armas de ambos os lados, não é essa a questão. A questão é que, a partir daí, ninguém entrava e ninguém saía da propriedade. A imprensa foi atacada e agredida por ambos os lados. Não permitiram que ela entrasse na sede para falar com os proprietários rurais. E, ao sair, também foi agredida pela comunidade indígena.

            O DOF (Departamento de Operações de Fronteira), como foi dito aqui, que é nossa polícia de fronteira, foi acionado, assim como a Força Nacional. Ambos compareceram, mas nada puderam fazer porque, infelizmente, há uma interpretação equivocada de que, por estarmos tratando de comunidades indígenas, essa é uma questão em que só a União pode ser envolvida.

            DOF é segurança pública, está fora do processo. Mas a Força Nacional, que está ligada ao Ministério da Defesa, e não ao Ministério da Justiça, também não poderia intervir. A Polícia Federal, sem efetivo - palavras do Ministro da Justiça, ditas diversas vezes, quando fomos procurá-lo pedindo ajuda. Por falta de efetivo, a Polícia Federal não consegue fazer as reintegrações de posse quando a Justiça determina que determinada área não é considerada área indígena.

            No conflito, um índio morreu. O corpo desse índio foi entregue à polícia. Se ele morreu no conflito ou fora dele, se ele morreu pelas mãos de homem branco ou não, o laudo pericial é que vai determinar, levando em conta a hora do falecimento. A polícia do meu Estado - e eu confio - vai investigar, e a Justiça vai fazer aquilo que ela é obrigada a fazer, simplesmente justiça, e condenar quem de direito.

            Mas a questão que me traz a esta tribuna é maior, porque a situação é muito mais grave do que isso que aconteceu lá nesse Município tão pequeno. Nós estamos falando de um conflito seriíssimo, um conflito fundiário, envolvendo brancos, produtores rurais, e índios, conflito que acontece - e eu já tive a oportunidade de dizer aqui - há muitos anos, há décadas, por todo o País. Essa não é uma situação própria de Mato Grosso do Sul. Além de Mato Grosso do Sul, ela também ocorre em Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul; no Nordeste, nós temos casos de violência e de situações como essa na Bahia, no Maranhão, em Alagoas; no Norte do País, em Roraima, no Pará, no Amazonas. Enfim, eu trouxe um relatório muito breve aqui, mas eu acho importante dizer, antes de tudo, que se trata de um conflito nacional.

            Além desse caso ocorrido dia 29 último, uma semana antes, três fazendas foram ocupadas, também em Antônio João; 50 índios guarani ocuparam a Fazenda Primavera, de 2.300 hectares; 100 índios guarani ocuparam a Fazenda Piquiri, 850 hectares; 50 índios guarani ocuparam a Fazenda Brasil, 280 hectares - neste caso, foram retirados da propriedade por ação dos produtores. Vejam o perigo: ali também poderia ter ocorrido um conflito com vítimas fatais.

            Continuando: em Paranhos, 17 de agosto, 50 índios guarani, Fazenda Ouro Verde; julho, três fazendas em Aquidauana, 130 índios as ocuparam; em junho, um conflito entre índios e fazendeiros em relação a três fazendas: em Coronel Sapucaia, Fazenda Madama - neste caso, também quase com vítimas fatais, porque os proprietários retomaram a fazenda; em Aral Moreira, Fazenda Água Boa e Fazenda 27 estrelas.

            Esse não é um caso só de Mato Grosso do Sul, Sr. Presidente. Em Mato Grosso, terra do Senador Blairo e do Senador José Medeiros, não houve mortes, mas, em 2011, há um relato aqui de que 60 índios surpreenderam várias fazendas, incendiando casas; houve ataques com violência, e, em maio desse mesmo ano, cerca de 200 índios ocuparam outras fazendas.

            Na Bahia, três suspeitos indígenas teriam matado uma pessoa, um senhor, Sr. Dionísio, de 76 anos, que foi espancado; sua mulher, Meire, teve o rosto queimado, e a sua mercearia foi incendiada.

            No Amazonas, por fim, terra da Senadora Vanessa, quatro mortes. Disseram, a princípio, que o falecimento do cacique Ivan tinha sido fruto de uma queda de moto; depois, três testemunhas afirmaram que não, que ele havia sido assaltado por três homens brancos e morreu em consequência disso. Duas semanas depois, esses mesmos três homens, desapareceram, e suspeita-se de vingança.

            Por que estou dizendo tudo isso? Poderia continuar aqui por horas com esses relatórios, porque, neste caso, temos a violência de ambos os lados, e, quando ocorre violência, todo mundo perde a razão.

            Nesse meio tempo, falei de casos, nesta tribuna, que têm mais de cinco anos. Procuramos incessantemente o Governo Federal, ao tempo em que era Vice-Governadora.

            E aqui quero fazer um desagravo ao Senador Moka. Não houve uma reunião que ele não liderasse, pedindo paz, pedindo ordem, pedindo intervenção do Ministério da Justiça. E pedia para ambos os lados. Pedia que as áreas que fossem demarcadas e homologadas fossem indenizadas para que os proprietários pudessem sair e buscar novas terras; mas pedia agilidade e anunciava: “É a tragédia da morte anunciada”.

            Quantas vezes, a convite do Senador Moka, eu, Vice-Governadora, vim aqui e estive no Ministério da Justiça, juntamente com o Governador de Estado? Foi meia dúzia de vezes. Em todo momento, o que sentimos foi um engodo, enrolação e omissão por parte do Governo Federal.

            E quero novamente chamar a atenção dos Srs. Senadores: não estamos falando de um problema local, mas nacional! É um conflito do campo? É verdade. É um conflito no campo? Sim, nos verdes campos deste imenso e querido País; mas é um conflito que atinge a todos porque, no meu Estado, por exemplo, nós não temos condições de definir se é no campo ou na cidade, principalmente nos Municípios pequenos - não é, Senador Moka? A maioria dos 5.564 Municípios brasileiros são pequenos, têm menos de 10 mil habitantes. E aquelas placas indicativas de perímetro urbano não servem para nós que somos do interior, porque o interior adentra os distritos, que são as pequenas vilas, e chega às ruas asfaltadas e muitas vezes sem asfalto das nossas cidades.

            Tanto é verdade que, lá em Antônio João, um Distrito do município foi atingido, e muitos hoje têm medo de sair de casa por conta dessa situação.

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Quando falei, esqueci de dizer o nome do Distrito. O nome do Distrito é Campestre. Eu conheço Campestre, porque fica entre Antônio João e a minha cidade natal, que é Bela Vista. Lá não tem propriedade rural. É gente humilde, é gente muito simples. Essas pessoas tiveram que sair de suas casas sob ameaça de que poderiam sofrer retaliação, até mesmo poderiam ver suas casas incendiadas. Então, esse tipo de injustiça está acontecendo ali em Antônio João. O pior de tudo, Senadora Simone, o fato de eu não estar na ponta, de não ter entrado com os produtores... E talvez, se eu não fosse Senador, se lá estivesse como cidadão comum, talvez tivesse eu acompanhado, mas seria uma consequência que não sei avaliar direito. É claro que, se eu não fui, se não instiguei e o caso já se torna como se fosse eu o mentor dele, imaginem se eu estivesse lá! Acabaria contribuindo para tornar ainda mais hostil, mais violenta essa questão fundiária entre índios e produtores rurais do meu Estado. Sou daqueles que não fogem da raia, não tenho esse tipo de preocupação. O que fiz, com certeza, foi em função do que, lamentavelmente... Eu não tive oportunidade de ir a Antônio João, de nem sequer me dirigir aos produtores. Estive em Campo Grande, mas em Antônio João não tive oportunidade nem sequer de pegar no microfone, porque lá a indignação era tamanha, a vontade de retomar a propriedade era tão grande que a presidente do sindicato, Srª Roseli, conclamou os presentes que ela estava cansada, indignada com aquilo e que voltaria para a casa dela, que é a fazenda.

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador Moka, não tenho dúvida de que, se V. Exª tivesse adentrado a fazenda, seria para mediar e pacificar, porque essa é a conduta de V. Exª, e assim foi em todas as vezes em que estivemos juntos no Ministério, ou mesmo recebendo o Ministro da Justiça no nosso Estado, nesses últimos seis anos, pelo menos.

            V. Exª confirma quando fala daquele distrito.

            Este é um conflito também da cidade, embora mal compreendido pelos homens urbanos. Talvez seja um problema desconhecido da maioria absoluta dos homens urbanos que vivem nas grandes cidades, mas isso não tira a responsabilidade do Governo Federal por omissão. Omissão é crime, é prevaricação! Daí por que eu digo neste momento que o Governo Federal não é somente responsável nesses casos pela omissão. Ele é responsável também pela violência. Cabe indenização em relação ao Poder Público em função dessas violências.

            Só para se ter noção do tamanho da gravidade da repercussão dos conflitos em números, Senador Moka, essa área, Senador Paim, no nosso Estado, o Mato Grosso do Sul, é chamada de Cone Sul. É uma área que abriga 22 dos 79 Municípios do nosso Estado. Isso significa algo em torno de 23% a 24% de toda a área de Mato Grosso do Sul. Um quarto do nosso Estado em conflito! Ali nós temos um quarto do PIB de Mato Grosso do Sul, porque ali estão concentradas as áreas mais férteis do nosso Estado!

            Eu conheço a região. É a região do meu querido e falecido avô. Eu passava a minha infância ali. Por isso, eu não entendo esse conflito. Ali, brancos e índios conviviam de forma harmônica, principalmente no comércio e nas ruas das cidades. Ali, nós temos praticamente toda a nossa produção de grãos. Quarenta por cento da cana de Mato Grosso do Sul saem do Cone Sul. Sessenta por cento da soja de Mato Grosso do Sul é do Cone Sul. Setenta por cento do milho que Mato Grosso do Sul produz é do Cone Sul.

            Eu tenho outros números aqui. São 94 fazendas ocupadas por índios, distribuídas em 22 Municípios. Isso gera - aí é o pior - a instabilidade econômica, a instabilidade social e a instabilidade jurídica. Me aflige a instabilidade econômica, pela sua importância - nós estamos falando de números, nós estamos falando de valores - mas não é tudo. Há instabilidade econômica quando temos, de um lado, a ocupação indígena das áreas mais férteis do nosso Estado e, de outro, produtores rurais que hoje estão deixando de produzir, porque não sabem se vão colher ou estão produzindo e perdendo parte da sua produção, porque não conseguem entrar na fazenda sequer para tirar os insumos, os fertilizantes, os equipamentos, quanto mais a produção. E isso vale para o gado também.

            Essa questão merece atenção! Os Municípios estão impactados. Isso está gerando desemprego, porque deixa de entrar receita nesses Municípios. Mas existe uma instabilidade maior e, a meu ver, mais grave, que é a instabilidade social. Ela é grave porque a história deste País é feita pela união dos povos. Nós somos um País fruto da miscigenação, graças a Deus, porque este País só é belo e só é rico porque tem uma imensa riqueza cultural. Uma mistura sanguínea do índio, do negro, do europeu. Essa mistura é o que fez do Brasil o que ele é.

            Nós temos uma instabilidade social quando, por omissão, o poder público, ao não agir, faz com que, por meio da violência, pela vindicta privada, pela Lei do Talião, que significa o “olho por olho, dente por dente”, brancos expulsem índios, índios expulsem brancos, quando, na realidade, esses povos não são opostos. Ao contrário, eles são complementares. Eles se complementam, eles não se excluem. O oposto aí é o Governo Federal, que alega, por artifícios jurídicos, que não pode indenizar e resolver o problema. Essa, a meu ver, é a principal crise que se tem dentro do nosso Estado.

            A minha preocupação é que a união dos povos que construiu este País, a união dos povos que desenhou a geografia do Brasil, a união dos povos que nos deu a cultura que temos hoje, inclusive a cultura da paz, porque o povo brasileiro é pacífico, essa cultura, essa união dos povos hoje se esfacela por conta da inércia do Governo Federal.

            E, por fim, nós temos a instabilidade jurídica. Esta nós temos condições de resolver, Presidente. Aqui tramita uma PEC que pode dar a solução para esses problemas. Há instabilidade jurídica, e aqui nós temos que fazer um reconhecimento, porque, de um lado, nós temos o direito dos índios a ter as suas terras tradicionalmente ocupadas. É preceito constitucional, será direito deles se lá, realmente, por estudo antropológico, a Funai confirmar e depois houver a demarcação por parte do Ministério da Justiça e a homologação pela Presidente da República. Ninguém pode se contrapor a esse direito das comunidades indígenas. Mas, de outro, há, também, um direito dos proprietários rurais que adquiriram essas terras. Eles não as receberam de mão beijada do Governo Federal, embora muitos digam isso. São terras que foram compradas. Podem ter passado de geração a geração, mas foram adquiridas de forma mansa, pacífica, de boa-fé, há 30, 50, 120 anos.

            Quando a Constituição disse - e esse é o mais grave - que a União teria cinco anos para demarcar essas áreas, portanto, até 1993, e não o fez, porque a maior parte das demarcações ocorreu depois, inverteu-se o ônus da prova, inverteu-se a situação, dando direito ao proprietário rural que está lá de boa-fé, em nome da segurança jurídica, a indenização.

            É isso, simplesmente isso. Resolveria todo o problema. E não é verdade, portanto, que o Governo Federal não pode indenizar. Nós não precisaríamos nem da PEC nº 71, porque o tempo para demarcar sem indenização já passou há quase 20 anos. Mas, para não dar mais desculpa para este Governo, para o Governo que passou e para os demais, nós precisamos urgentemente votar a PEC nº 71.

            Sr. Presidente, já estou nos meus minutos finais, mas eu gostaria de agradecer imensamente ao Presidente desta Casa, que, a pedido Senador Moka e a nosso pedido, incluiu a PEC nº 71, de 2011, na Agenda Brasil. Portanto, ela passa a ter prioridade também nas tratativas deste Senado.

            Eu encerro, portanto, as minhas colocações, pensando em algo ainda maior. Sem dúvida nenhuma o Brasil depende, acima de tudo, do campo. Apesar de hoje sermos 85% nos centros urbanos e só 15% - nem isso, eu acho - na zona rural, a grande realidade é que nós temos 15 milhões de brasileiros do campo que sustentam este País, que colocam o alimento na mesa dos nossos trabalhadores, que exportam as commodities que foram responsáveis no ano passado pelo Brasil não ter passado uma vergonha ainda maior do que apenas os R$ 4 bilhões negativos na Balança Comercial. O agronegócio gerou R$ 80 bilhões de superávit, senão o déficit na balança comercial seria, evidentemente, muito maior.

            Nós temos que pensar que o campo precisa de paz. E, para isso, eu proponho quatro medidas.

            A primeira, a aprovação pelo Congresso Nacional da PEC nº 71, de 2011, com urgência, sem nenhuma enrolação, nenhuma artimanha ou condicionante do Governo Federal, porque agora quem não aceita mais condicionantes do Governo, no meu caso, falo por mim, sou eu. Não vou aceitar mais que este Governo queira mudar prazos, como está querendo mexer na PEC para poder homologar 17 áreas que estão na mesa da Presidente da República, para não indenizar essas áreas, para poder pensar em indenização daqui a quatro ou cinco anos e, com isso, gerar mais violência e mais guerra no campo.

            A segunda, que se cumpram as reintegrações de posse daquelas áreas que sequer têm estudo antropológico. Quando há estudo, quando as áreas estão demarcadas e não foram homologadas, eu até posso entender, mas quando não há indícios de que a área tem...

(Soa a campainha.)

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB) - Já estou terminando, Sr. Presidente.

            Quando não há indícios de que a área foi considerada originariamente indígena, não é possível que ações, que reintegrações de posse continuem nas gavetas do Ministério da Justiça por anos, sob o argumento -   eu não vou falar o adjetivo que eu gostaria - inverídico de que não há efetivo da Polícia Federal para cumprir essas decisões.

            A terceira medida - e esta é drástica, eu sei, pode assustar, mas é necessária nesse momento -, um decreto da Presidente da República, que tem que ter coragem, ainda que ele valha por seis meses, tempo para nós aprovarmos a PEC aqui, um decreto proibindo a ocupação de áreas por comunidades indígenas que não tenham estudo antropológico, sob pena de essas áreas, se ocupadas, irem para o final da fila do estudo por parte da Funai.

            E, por fim, eu defendo também o direito das minorias, o direito, que é sagrado, à terra, que eles chamam de terra-mãe, das comunidades indígenas; que se agilizem as demarcações das áreas que realmente têm um estudo antropológico que comprove que são áreas de direito das comunidades indígenas, para que elas possam viver em paz, como nós queremos também, mas que, dentro desse processo, a Funai tenha transparência, além da agilidade, com ampla defesa, garantindo a terra ao índio e a indenização ao branco.

            Eu estou terminando.Não sei se eu posso dar aparte. O Senador José Medeiros me solicitou.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pode. Eu lhe dei só cinco minutos mais e para a maioria eu dei quase 20.

            Então é legítimo.

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Eu estou encerrando, Senador Paim. Só vou conceder o aparte ao Senador José Medeiros e, com isso, vou encerrar.

           O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senadora Simone, esse é um problema gravíssimo que vem sendo tratado há muito tempo aqui no Senado. Apesar de o Senador Moka ter constantemente avisado, apesar de vários Senadores, vários Parlamentares terem falado sobre o tema, a Funai faz ouvidos de mercador. A grande questão que se impõe também é a seguinte: fala-se muito em laudos antropológicos. Eu penso que não precisava gastar um centavo sequer com laudos antropológicos, porque, da Avenida Paulista à Sapucaí, tudo isso aqui era terra indígena. Tudo aqui no Brasil é terra indígena. O que se tem que fazer é exatamente o que V. Exª propõe na PEC nº 71: decidiu-se que vai ter uma área para os índios, muito bem. Delimite essas áreas, pague a terra nua, pague a terra, o produtor vai sair. Agora, não se pode - e eu já disse isso aqui - tirar as pessoas que estão há 60, há 100 anos na terra e simplesmente mandar essas pessoas... Não vão sair, vai ter conflito, mas o que irrita a todos é esse silêncio ensurdecedor da Funai. A Funai, em tese, era para estar à frente de todos esses conflitos, tentando mediar, mas ela não tem se prestado a isso. A Funai virou um antro de ideologias que não servem ao índio nem aos não índios. E o mote dessa resolução tem o que V. Exª disse: precisamos parar com este apartheid. O que existe neste País são brasileiros, e precisamos solucionar os conflitos entre os brasileiros. Então, há índio, não índio... O que precisa fazer é a mesma coisa que acontece com a reforma agrária. Se é preciso delimitar uma área e cedê-la para reforma agrária, que se indenize, que o Governo compre, pague a área e entregue-a. A Funai precisa avançar na questão. Ela diz que quer o bem do índio. Estou observando faz tempo. Cada vez que aparece um monte de gente querendo ajudar o índio, só atrapalham os índios. Em Mato Grosso, eles já estão invadindo rodovias, porque querem produzir, e a Funai não lhes propicia isso. Ora, na época da evolução tecnológica em que estamos, com acesso a iPad, a smartphone, a TV, querem que ele vá para a beira do Teles Pires, onde está o porvinha, o piúma, aquele mosquito terrível, querem que ele ande pelado lá? Não vai! Os índios também estão em outro momento. Eles querem qualidade de vida. E a Funai está fazendo o quê? Era para estar cuidando da saúde, mas ela diz: não é comigo, é com o Sesai, é com não sei o quê. Vão criando essas siglas, e o índio mesmo não consegue ter acesso a nada. Eles vivem vidas miseráveis e, quando se fala em fazer qualquer coisa pelos índios, dizem: vai acabar com a cultura. Estão próximos às cidades, enchem a cara de cachaça, porque é o que lhes sobra, morrendo de depressão, suicidando-se. Este é o tratamento que o País está dando e gastando horrores de dinheiro com estes órgãos que estão abarrotados. Eu passo ali, está o prédio da Funai. Parece com as Torres Gêmeas. E qual o benefício que o índio está recebendo? Zero! Qual o benefício que o País está recebendo? Nada! Só conflitos. É um fala, fala, e não se soluciona nada. Falou em fazer qualquer coisa, aparecem 500! É preciso menos ideologia e mais ação. Muito obrigado, Senadora.

           A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador José Medeiros, V. Exª me propicia fazer aqui um comentário que eu ia deixar para um momento mais oportuno, para relatar o que acontece com as aldeias indígenas do meu Mato Grosso do Sul, que é realmente muito diferente da situação do Norte, onde sabemos que há conflitos de índios com grileiros, com pessoas que não têm título de domínio, que, de má-fé, querem se apossar de terras que não são suas. No nosso caso, o índio convive com todos nós. A segunda maior cidade de nosso Estado, que é Dourados, tem a maior aldeia indígena de Mato Grosso do Sul e uma das maiores do Brasil. O que se vê lá, da porteira para dentro, é a mais absoluta miséria, é uma judiação.

            Eu tenho receio de entrar, porque nos comovemos. São crianças com os pés descalços, com barriga d'água. E não é porque o índio não quer ser tratado, não. Se você fizer uma pesquisa lá, 50% vão dizer que o que querem de melhoria é saúde. Ele vai dizer que ele está passando fome, porque a Funai não entrega cestas básicas todo mês para a aldeia. Na época em que eu era Vice-Governadora, o Governador André Puccinelli tinha que completar e dar cestas básicas.

            Nós temos que passar uma borracha nessa questão fundiária, para que possamos avançar e ouvir a comunidade indígena sem a influência de terceiros, de ONGs internacionais que vêm aqui, depois de terem destruído os povos indígenas de seus países - talvez por consciência pesada ou desinformação, no que eu não acredito -, instigar a violência no nosso País.

            O próprio Cimi... Eu sou católica, mas eu digo, em relação ao Cimi, que estão equivocados, apesar da boa vontade. Eu não entendo que estejam de má-fé, mas estão equivocados quando instigam a violência que está acontecendo em Mato Grosso do Sul.

            Eu encerro, Sr. Presidente, agradecendo imensamente a paciência de V. Exª. Eu gosto sempre de falar quando V. Exª está presente. Não sou de ocupar muito a tribuna, mas, nas poucas vezes em que o fizer, procurarei fazê-lo na presença de V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Sempre o faz com muita competência.

            A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Então, V. Exª vai ter ainda que me escutar por mais alguns anos, por favor.

            Mas eu encerro como comecei: que o campo possa ter paz para produzir grãos, mas produzir a maior das riquezas da humanidade, que é a paz tão sonhada e necessitada neste País. Que, ao invés de arcos e flechas de um lado, armas e espingardas de outro, arma branca contra arma de fogo em punho, hoje em dia - porque estão em punho -, nós possamos ter alguém com um cajado na mão para liderar, para comandar.

            Nós não temos mais estadistas neste País - nós lamentamos, porque estão todos mortos, mortos na matéria, ou, outras vezes, vivos, mas mortos no espírito, no coração. Mas, se já não temos estadistas para podermos seguir, que os líderes deste País nos liderem.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2015 - Página 240