Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre decisão judicial que ordenou à União a adoção de providências para a elaboração do projeto básico da adutora do sertão do Estado do Piauí.

Autor
Elmano Férrer (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PI)
Nome completo: Elmano Férrer de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários sobre decisão judicial que ordenou à União a adoção de providências para a elaboração do projeto básico da adutora do sertão do Estado do Piauí.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2015 - Página 96
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, DETERMINAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, ELABORAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO, CONSTRUÇÃO, ADUTORA, LOCAL, REGIÃO SEMI ARIDA, ESTADO DO PIAUI (PI).

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu iniciaria a minha fala hoje no Senado fazendo uma pergunta, a pergunta da Meritíssima Juíza de Direito da 5ª Vara da Justiça Federal do Piauí.

    Ela pergunta na sua decisão: "Há direito mais fundamental do que a própria sobrevivência? O problema da seca é tão grave que, quando não tira a vida do sertanejo, o reduz muitas vezes à condição de animal, que se desfaz da sua qualidade de humano em busca da felicidade, para passar a vida tão somente em busca de água."

    O questionamento que citei é da decisão da Juíza Marina Rocha Cavalcanti Barros Mendes, da 5ª Vara da Justiça Federal do Piauí, que, no dia 17 de setembro de 2015, nos autos da Ação Civil Pública nº 15.781, de 2015, deferiu, em parte, pedido de antecipação de tutela, ordenando a União Federal, por seu órgão o Ministério da Integração Nacional, a adotar todas as providências para a elaboração do projeto básico da Adutora do Sertão do Estado do Piauí, no prazo de quatro meses, sob pena de multa diária de R$200 mil.

    Essa decisão judicial é paradigmática, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não só por ser inédita - pela primeira vez, no campo de políticas públicas, o Judiciário determina ao Executivo a elaboração de projeto básico de adutora para acabar com a seca ou, pelo menos, melhorar a convivência no Semiárido do Piauí -, como também por seus argumentos, cujo tema e força me motivaram a fazer o presente pronunciamento.

    A ação pública foi proposta em conjunto pelo Ministério Público do Estado do Piauí, por meio dos Promotores de Justiça Vando da Silva Marques e Fernando Santos, e pelo Ministério Público Federal, por meio dos Procuradores da República Kelston Lages Pinheiro e Marco Aurélio Adão.

    A ação judicial se originou de inquérito civil, instaurado pela Promotoria Regional Ambiental em São Raimundo Nonato, para apurar os danos ambientais decorrentes do desperdício de água no Município de Cristino Castro e outros Municípios do entorno, resultante do derramamento de água de vários poços jorrantes ali existentes, sem qualquer controle do Poder Público.

    Segundo narrado na petição inicial, a solução para a questão do abastecimento de água à população afetada pela seca na região do Semiárido piauiense é a implantação da Adutora do Semiárido do Piauí, proposta técnico-científica apresentada em 2013 - vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, a proposta foi apresentada no ano de 2013 - pelo geólogo Francisco Lages, do Serviço Geológico do Brasil/CPRM, Unidade Regional de Teresina, e endossada pela 7ª Superintendência Regional da Codevasf.

    A implantação do projeto da Adutora do Semiárido do Piauí visa abastecer toda a faixa do sudeste do Estado do Piauí, compreendendo todo o Semiárido cristalino e parte da borda sudeste da Bacia Sedimentar do Parnaíba, cobrindo 51 Municípios, em uma área de 56.622km2, com aproximadamente 600 mil habitantes.

    Para os autores da ação civil pública, a implantação da Adutora do Semiárido do Piauí é a solução mais eficiente aos fins sociais a que se destina, mostrando-se adequada à região, com viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental, além de resolutiva ao problema de abastecimento de milhares de pessoas que vivem na aridez do Sertão piauiense, dependentes todo ano de carros-pipas para sobreviver.

    No bojo da ação civil pública, são elencadas as vantagens e benefícios da implantação da Adutora do Semiárido do Piauí, quais sejam: impacto ambiental mínimo; sustentabilidade de abastecimento acima de 300 anos, sem danos ao aquífero; água de excelente qualidade para o consumo humano; disponibilidade de 20 a 150 litros de água/habitante/dia - hoje, vejam bem, de apenas 20 litros/habitante/dia -; água que dispensa estação de tratamento d'água, vindo direto da adutora para o filtro e o consumo humano; a adutora abastecerá 51 Municípios, como disse anteriormente, atingindo um universo, repito, de 600 mil pessoas; eliminação de doenças parasitárias de veiculação hídrica, especialmente nos Municípios de elevado índice de mortalidade infantil, permitindo, inclusive, o desafogamento de leitos nos hospitais públicos.

    Na decisão que deferiu a antecipação de tutela, a Mma Juíza Marina Mendes não só concorda com a fundamentação da ação civil pública, como, sobretudo, enfatiza o drama vivido por quem é, no âmago da sua condição humana, atingido pela seca.

    A magistrada afirma que o uso de carros-pipa no Estado do Piauí não é racional ou sustentável. Diz que, em 2014, o custo do fornecimento de água por meio de carros-pipa foi de quase R$80 milhões - afirma, repito, a meritíssima magistrada -, o que, multiplicado pelos anos em que é utilizado, gera cifras astronômicas que, se utilizadas para construir uma solução definitiva, implicariam grande economia de recursos públicos no longo prazo.

    Para a prolatora da decisão, a construção de políticas públicas tem por objetivo impor ao gestor público a obrigação de estudar o gerenciamento de problemas, sem pretensões imediatistas, mas, sim, com perspectivas de longo prazo.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, causa perplexidade, segundo a Mma Juíza Marina Mendes, o seguinte cálculo: se adotada a solução da construção da Adutora do Sertão do Estado do Piauí, pelo valor estimado de R$950 milhões, afirma a Juíza, se resolveriam 300 anos de seca. Com os carros-pipa, ao custo de 80 milhões, se resolve só um ano de seca. A matemática, na sua crueza e exatidão, expõe a irracionalidade das atuais medidas de combate ou de convivência com a seca.

    E a situação de irracionalidade se torna mais drástica quando observados os arredores. Como afirmado na decisão, enquanto o sertanejo passa sede no Semiárido cristalino, onde não há água no subterrâneo, a 120km de distância, onde há um dos maiores depósitos de água subterrâneo do mundo, a água é desperdiçada em poços jorrantes, perfurados com dinheiro público, sem aproveitamento para a população.

    Esclareço que esses poços foram perfurados em 1974, há 41 anos. E de lá para cá desperdiçam água, enquanto nordestinos próximos dali passam sede.

    Diante desse cenário dramático, a Juíza Marina Mendes assevera na decisão que a adoção de medidas para implantação da Adutora do Sertão, no Estado do Piauí, por via judicial, não pode ser confundida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob nenhum pretexto, com invasão do Poder Judiciário na esfera do Poder Executivo. A prática adotada hoje, no Piauí, de combate à seca - aliás não é só no Piauí, mas em todos os Estados do Semiárido nordestino - ofende os direitos fundamentais, o que legitima a intervenção do Poder Judiciário.

    Invocando o Recurso Extraordinário nº 592.581, quando o Supremo Tribunal Federal assentou que o Judiciário pode determinar à Administração Pública que realize obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos presos, a Juíza Marina Mendes, da 5ª Vara da Justiça Federal do Estado do Piauí, afirma, na sua decisão, que o Judiciário não pode se omitir quando os órgãos competentes comprometem a eficácia de direitos fundamentais individuais e coletivos.

    Assim, Sr. Presidente, tratando-se de efetividade de direitos fundamentais, pode o Poder Judiciário exigir da Administração Pública a realização de obras, sem que haja ofensa à separação de poderes ou à reserva do possível.

    Com base nesse entendimento, a magistrada faz a pergunta que se tem no início deste discurso - vamos repetir a pergunta da meritíssima magistrada: “Há direito mais fundamental do que a própria sobrevivência? O problema da seca é tão grave que, quando não tira a vida do sertanejo, o reduz muitas vezes à condição de animal, que se desfaz da sua qualidade de humano em busca da felicidade, para passar a vida tão somente em busca de água."

    Na decisão que deferiu a tutela, a magistrada toma o cuidado de não determinar a realização da obra; pelo contrário, com cautela, S. Exª ordena que a Administração Pública, ao invés de gastos estéreis com carros-pipas, volte seus olhos para uma potencial solução efetiva, racional e sustentável por meio da elaboração do projeto básico da Adutora do Sertão do Estado do Piauí, de forma a permitir que os entes possam debater o tema, sob a mediação do Poder Judiciário.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se observa, é alvissareira essa decisão da 5ª Vara da Justiça Federal do Estado do Piauí, que, em sede de ação civil pública, ordenou à União que, por meio do Ministério da Integração Nacional, adote todas as providências para a elaboração do projeto básico da adutora do sertão do Estado do Piauí, no prazo de quatro meses, sob pena de multa diária de R$200 mil.

    Pretendo debater com o Ministério da Integração Nacional e com Bancada Federal do Estado do Piauí como podemos contribuir para a elaboração e implantação da adutora do sertão do nosso Estado. Não se trata aqui de mero cumprimento de decisão judicial, mas de implementação de verdadeiro diálogo institucional, que deve envolver, além da União e o Governo Estadual, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Prefeitos e Vereadores, tudo para buscar saída de convivência com a seca no Estado do Piauí, viabilizando soluções integradas, racionais e sustentáveis.

    Sr. Presidente, como descreve o relatório de 2015 da Organização das Nações Unidas, intitulado "Água para um mundo sustentável", os recursos hídricos contribuem para a redução da pobreza, para o crescimento econômico e para a sustentabilidade ambiental. Desde a segurança alimentar e energética até a saúde humana e ambiental, a água é fundamental para as melhorias no bem-estar social e no crescimento inclusivo, afetando os meios de subsistência de bilhões de pessoas,

    Nesse sentido, as decisões que determinam as formas como os recursos hídricos são utilizados não são tomadas só pelos gestores. O progresso requer o comprometimento de uma gama ampla de atores políticos para considerar a água em suas respostas e em seus processos de tomada de decisão.

    Penso, apenas para argumentar, que o combate ou a convivência com a seca, não só no Semiárido do Piauí, mas em todo o Nordeste, envolve a teoria conhecida como "estado de coisas inconstitucional", já que a seca é um problema crônico que, ano após ano, como em um ciclo interminável, afeta negativamente a vida de milhões de brasileiros, especialmente de nordestinos.

    Essa teoria do "estado de coisas inconstitucional", que o Supremo Tribunal Federal discute no processo da ação de descumprimento de preceito fundamental, conforme o art. 347, relator, o Ministro Marco Aurélio, resta configurada quando se verifica a ocorrência de três pressupostos principais: situação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação; a superação das transgressões exigir a atuação não apenas de um órgão, e sim de uma pluralidade de autoridades.

    Ante esse quadro, é preciso superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções no combate ou na convivência com a seca. É preciso retirar os poderes da inércia, catalisar os debates e as novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados.

    Como afirmei aqui desta tribuna na semana passada, durante o "Seminário sobre Gestão Hídrica no Estado do Piauí: Situação atual da Criação do Comitê de Bacia do Rio Parnaíba e o Sistema Estadual de Saneamento Básico", é inadmissível continuarmos com a cultura de carros-pipas. Todos têm direito à água, esse bem tão fundamental à vida humana.

    Por essas razões, Sr. Presidente, creio que a decisão da juíza Marina Mendes, proferida com o fim de garantir água e, consequentemente, a efetividade dos direitos fundamentais de milhares de pessoas, é inegavelmente bom ponto de partida para avançarmos em soluções racionais, criativas, sustentáveis na convivência com a seca no semiárido do Estado do Piauí e de toda a região do Polígono das Secas.

    Eram essas, Sr. Presidente, as palavras que queríamos pronunciar na tarde desta segunda-feira, início de uma semana laboriosa para todos nós aqui, nesta Casa.

 

    


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2015 - Página 96