Discurso durante a 225ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com as incertezas acerca dos procedimentos a serem adotados para a condução do processo de impeachment.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL.:
  • Preocupação com as incertezas acerca dos procedimentos a serem adotados para a condução do processo de impeachment.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2015 - Página 11
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, EXISTENCIA, JURISPRUDENCIA, ASSUNTO, IMPEACHMENT, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, INDEPENDENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DECISÃO, PROCEDIMENTO, CRITICA, INTERFERENCIA, MINISTERIO PUBLICO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), EXECUTIVO, EXPECTATIVA, JUSTIÇA, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Jorge Viana, Srªs e Srs. Senadores, antes mesmo do recente acatamento do pedido de impeachment pelo Presidente da Câmara dos Deputados, escrevi artigo intitulado "O tempo é outro", publicado na Folha de S.Paulo no dia 15 de novembro, portanto há exatos 30 dias.

    Em determinado trecho, alertei "Imperativo ainda é que todo o processo (de impeachment), seja respaldado por sólida e consagrada base constitucional, legal e regimental. A menos que a suma Justiça altere pela terceira vez seu entendimento".

    Era uma premonição.

    As mais recentes iniciativas sobre o assunto, sejam jurídicas, políticas ou partidárias, confirmam minha preocupação, meu temor com os rumos institucionais que o País está tomando em relação às consequências desse esgotado modelo de "presidencialismo de coalizão", que tanto mal tem feito não só o sistema político brasileiro, mas também ao nosso desenvolvimento econômico e social.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje não tenho mais dúvida de que o impeachment virou uma solução que, a despeito de se tratar de um instituto constitucional, varia ao sabor do governo de ocasião, do Presidente do momento e dos partidos e autoridades de plantão.

    Sabemos que a aplicação desse instrumento está integralmente ancorada no fator político. Numa democracia, isso faz parte da sua natureza e da própria dinâmica do processo. Contudo, Sr. Presidente, o que chama atenção, hoje, é a fragilidade com que as instituições - e alguns de seus protagonistas - estão tratando a questão jurídica que reveste um processo dessa magnitude.

    É estarrecedor o que tem acontecido nas últimas semanas. É inacreditável que depois da experiência do País com o processo de impeachment em 1992, ainda haja dúvidas e questionamentos quanto ao seu rito legislativo. Não é crível aceitar que, neste momento, mais uma vez a discussão em torno de suas regras volte à tona, como se fosse novidade na cena política, como se fosse produto de um novo feitio de golpe, como se, enfim, não houvesse jurisprudência.

    Até quando, Sr. Presidente, a insegurança jurídica permeará uma ação dessa importância, num momento de crise aguda por que passa o País? Até quando, Sr. Presidente, o Brasil pautar-se-á pelos conteúdos circunstanciais de pareceres e interpretações momentâneas ao sabor das conveniências? É inaceitável, Sr. Presidente, numa democracia que se diz norteada pelo Estado de direito, as principais instituições do País se sentirem com autoridade de opinar e intervir nas prerrogativas do Parlamento.

    Onde reside a independência dos Poderes?

    Onde se encontra a harmonia entre esses Poderes?

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, qual o sentido de se consultarem outros Poderes, outros órgãos e instituições para que o intérprete da Constituição decida exatamente sobre a interpretação das regras constitucionais? O que o Ministério Público tem a ver com o sistema de votação para instituir uma comissão especial de uma Casa Legislativa? O que o Ministério Público tem a ver com isso? O que Advocacia-Geral da União tem a ver com o simples ato de acatamento de uma denúncia junto ao Parlamento? O que Poder Executivo, na figura da Presidência da República, tem a ver com a indicação de um líder partidário para designar membros de uma comissão interna da Câmara dos Deputados?

    Vejam quantas interferências dentro do nosso Poder Legislativo!

    Será que os atuais personagens ainda não entenderam o que são os Poderes de um Estado democrático e os fundamentos de uma República? Será que as autoridades não se deram conta da gravidade dessas iniciativas e de nossas decisões no Congresso?

    Sr. Presidente, a experiência por que passou o País em 1992, embora esmaecida nas mentes da população, encontra-se consolidada nas decisões institucionais da época.

    Nesse sentido, vale historiar e trazer a verdade a esta Casa de alguns dos fatos ocorridos há quase três décadas, de forma a contextualizar o que ocorre hoje, à luz dos acontecimentos daquele ano.

    Em 1989, provocado por um pedido de impeachment do então Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo entendimento de que a Lei nº 1.079, de 1950, não havia sido recepcionada pela nova Constituição de 1988. Sem uma regulamentação, o pedido de impeachment foi então prontamente arquivado. O acórdão dessa decisão teve sua publicação pendente por quase três anos. Esse foi, portanto, o primeiro entendimento do Supremo Tribunal Federal.

    Em 1992, diante do açodamento político que tomou conta do País perante o pedido de impeachment, a Suprema Corte se valeu daquele acórdão não publicado para alterá-lo em sentido diametralmente oposto: passou a entender que muitos dos dispositivos daquela lei de 1950 estavam, sim, recepcionados pela nova Constituição.

    E mais: em análise de um mandado de segurança, o Supremo, por entender que se tratava de questão interna corporis - por entender que se tratava de questão interna corporis -, delegou ao Presidente da Câmara dos Deputados a definição do rito processual com base nos dispositivos da lei ainda aplicáveis e no Regimento Interno da Casa.

    Fixou-se, assim, o rito sumário para o impeachment. Esse foi o segundo entendimento da Suprema Corte.

    De fato, Sr. Presidente, rito sumário foi o que ocorreu.

    Em 1992, o pedido de impeachment foi recebido na Câmara dos Deputados no dia 1º de setembro. Eleita em chapa única e votação secreta, a comissão especial encarregada do exame do pedido era composta de 49 Deputados, e respectivos suplentes, tendo sido instituída já no dia 3 de setembro. Quer dizer, a denúncia foi recebida no dia 1º e no dia 3 de setembro já foi instituída a comissão. O trâmite na Casa, desde a apresentação do pedido de impeachment, deu-se em apenas 28 dias, até a votação que autorizou a abertura do processo, em 29 de setembro.

    A partir daí, o rito a ser obedecido no Senado foi fixado pelo Presidente do Supremo, a quem cabia presidir suas sessões como órgão judiciário. Rito este, vale frisar, reconhecido formalmente com a publicação no Diário Oficial da União somente no dia 8 de outubro de 1992, Seção 1, páginas 14.246 e 14.247, e, estranhamente, de forma apócrifa, sem assinatura de quem quer que seja.

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Mas digo "somente no dia 8 de outubro", Sr. Presidente - e já concluo -, pois no dia seguinte à aprovação na Câmara, ou seja, 30 de setembro, o Senado Federal recebeu a autorização e, no mesmo dia, procedeu em plenário à leitura do comunicado da Câmara; no mesmo dia, elegeu, por voto secreto e chapa única, a comissão especial que iria deliberar sobre o tema e, em seguida, a instituiu.

    Essa mesma comissão, composta por 21 Senadores e respectivos suplentes, se reuniu ainda no mesmo dia 30, escolheu seu presidente e o relator e, de imediato, aprovou, no mesmo dia 30, a admissibilidade para instaurar o processo. Um dia depois, em 1º de outubro, o parecer da comissão, em regime de urgência e em sessão extraordinária do Senado, foi aprovado em plenário, por votação simbólica, sem discussão, encaminhamentos e nem questões de ordem.

    No dia seguinte, em 2 de outubro, às 10h20, foi entregue a comunicação oficial do afastamento do Chefe do Executivo...

(Interrupção do som.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - ... pelo 1º Secretário do Senado Federal, onde se daria o julgamento em até 180 dias.

    Mas nem metade desse prazo foi necessário.

    Já suspenso o titular do exercício da Presidência da República, o ritmo apressado do processo arrefeceu-se um pouco no Senado Federal. Ainda assim, o trâmite não chegou a três meses. Em 29 de dezembro, mesmo com a renúncia do Presidente da República, o julgamento foi adiante e cassaram seus direitos políticos por oito anos.

    Já em 2015, Sr. Presidente, o atual pedido de impeachment foi inicialmente apresentado à Câmara, numa primeira versão posteriormente aditada, também no dia 1º de setembro - não por obra do acaso, tenham certeza disso, a mesma data de 1992. Portanto, se os mesmos critérios, os mesmos prazos e, principalmente, se as mesmas disposições políticas de outrora tivessem sido adotados agora - e com a eventual aprovação na Câmara dos Deputados -, a Presidente da República, hoje - imaginem -, já estaria afastada há 75 dias. Estaria, ainda, a apenas 14 dias do julgamento final no Senado Federal.

    Sr. Presidente, nesses 23 anos, a Constituição Federal de 1988 continua em vigor. A Lei nº 1.079, de 1950, continua a mesma. O Regimento Interno da Câmara não se alterou quanto aos dispositivos correspondentes. Mas os principais personagens não são mais os mesmos. Repito o que escrevi: o tempo é outro, Sr. Presidente.

    É claro que tanto a Constituição como a Lei do Impeachment e os Regimentos das Casas do Congresso podem ser alterados. Para tanto, duas condições são necessárias: uma, que sejam efetuadas pelo Parlamento, a quem cabe legislar,...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - ... e que as modificações ocorram em períodos de estabilidade política e institucional.

    Como bem asseverou no último domingo o ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, o próprio Judiciário deve ser "comedido". Para ele, o Judiciário "só pode se manifestar, mesmo que provocado, naquilo que for de índole constitucional, e não de processo legislativo, de aspectos que estão reservados à lei ordinária ou aos regimentos internos dos órgãos".

    Em suma, se o Supremo Tribunal Federal voltar a deliberar sobre o tema de modo diverso do que foi fixado em 1992, será o terceiro entendimento distinto em cerca de 30 anos de vigência da Carta Constitucional.

    Por tudo isso, Sr. Presidente, a esta altura, com um processo de impeachment já em curso, não há como vislumbrarmos novas regras, novas interpretações à luz de uma base jurídica pacificada e que não se alterou. Isso, sim, seria uma decisão a-histórica. Isso, sim, seria, ao mesmo tempo, um golpe no passado e no presente.

    O fato, Sr. Presidente, é que, entre tantas leituras e releituras, entre tantos fatos e versões, seria até passível de se questionar, diante de novas regras que querem impor, a possibilidade de um direito readquirido. Ou seja, não seria o caso de se rever aquela decisão de 1992 e reconhecer, pelos novos fatos, pelas novas interpretações e pelo novo rito processual, um vício de origem naquele processo de 1992? Ou, para usar a expressão do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto - ao se referir ao uso de fatos de um mandato anterior como justificativas para o impeachment - não teria sido então uma "pedalada constitucional"?

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há tempos venho falando do esfacelamento institucional por que passa o Brasil. Há tempos venho falando da degradação dos Poderes da República. Há tempos venho falando que o próprio Poder Legislativo abriu mão e vem abrindo mão de atuar como contrapeso nas relações entre os Poderes da União.. Há tempos venho denunciando a orquestração de uma nova configuração institucional no País, em que órgãos públicos auxiliares estão se empoderando além dos limites constitucionais.

    Sabemos que na política não há vácuo. Por isso, a judicialização da política é até previsível e, talvez, inevitável em períodos de crises e deterioração do sistema político. Contudo, o risco que não podemos correr, sob pena de toda a sociedade perder de vez seus valores, sua referência e sua segurança maior, é a politização da Justiça.

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Por tudo isso, de qualquer forma, depositamos inteira confiança no equilíbrio, no zelo e na experiência do atual Supremo Tribunal Federal.

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, agradecendo a condescendência de V. Exª em relação ao tempo que me foi concedido.

    Obrigado, Srªs e Srs. Senadores, obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2015 - Página 11