Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz aos agraciados em sua 15ª Premiação.

Autor
MARCO AURELIO MENDES DE FARIA MELLO
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz aos agraciados em sua 15ª Premiação.
Publicação
Publicação no DCN de 09/03/2016 - Página 7
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, ENTREGA, DIPLOMA, BERTHA LUTZ, AGRADECIMENTO, RECEBIMENTO, PREMIO.

     O SR. MARCO AURÉLIO MELLO - Falo de pé, em reverência ao Senado da República, em reverência às

mulheres.

    Presidente Renan Calheiros, meus cumprimentos! Em sua pessoa, cumprimento os demais integrantes da Mesa.

Faço um registro: à mesa, somos minoria, somos minoria prazerosamente.

    Srªs e Srs. Senadores; Srªs e Srs. Deputados Federais; minha Presidente Patrícia Blanco, Presidente do órgão que tenho a honra de integrar, o Instituto Palavra Aberta; concidadãos, meu sentimento é conhecido por todos, mas não posso, Presidente Renan Calheiros, nesta oportunidade, deixar de veicular alguns dados, algumas ideias, ressaltando aspectos muito caros à nacionalidade.

    Por longo tempo, negou-se à mulher a capacidade jurídica, a cidadania, sem que lhe fosse reconhecido qualquer direito. Como coisa, passava da propriedade do pai para a do marido, sendo-lhe vedado praticar atos da vida civil de forma geral. Transcorridos séculos de civilização, ainda se faz presente entre nós a discriminação decorrente do gênero. Não tem sido fácil deixar no passado os efeitos decorrentes de anos de escravidão, de uma educação precária e do machismo. O difícil caminho percorrido revelou de herança uma cultura de violência e de desrespeito à mulher e às minorias.

    As grandes mudanças sociais têm início no coração de quem não tolera o estado de coisas vivenciado. Bertha Lutz foi muito maior do que as limitações sociais a que era submetida por convenções, por preconceitos e pela ignorância. O inconformismo que lhe atiçava o espírito levou-a à luta pelo direito político das mulheres, que, até 1932, não podiam votar nem podiam ser votadas.

    Entrou para a história. Semeou no terreno fértil do anseio pela observância à igualdade de direitos, no qual brotam incessantemente os frutos que continuamos a colher. Deu voz a várias gerações de mulheres, conduzindo-as na busca por melhores condições de vida.

    As amarras impostas às liberdades individuais têm caído, dando lugar ao respeito às diferenças, não de forma teórica, mas efetiva, a partir da construção de um direito positivo, que o assegure e o discipline, bem como estabeleça a punição, em caso de afronta ou impedimento do usufruto.

    A participação feminina na política, hoje, não é mais permitida ou tolerada, senão determinada em lei. Foi preciso regulamentar o tema, de forma a estabelecer percentual mínimo para integração das mulheres nos pleitos em sistema de cota. Prosseguiu-se, criando-se a necessidade de propaganda institucional nos anos eleitorais, a fim de incentivar a igualdade de gênero e o envolvimento de mulheres. Infelizmente, não raras vezes, nas convenções dirigidas à escolha de candidatos, surgem chapas meramente formais, contendo simples nomes, e não reais candidatas. É o faz de conta que muito nos envergonha.

A evolução desejada, no âmbito individual, condicionada à disposição de cada ser humano para agir

de forma diferente, visando a respeitar os demais, mostra-se lenta, sendo impulsionada, na maioria das vezes, pela produção legislativa.

    Cito o caso da chamada Lei Maria da Penha. Fui Relator das ações que versavam a respectiva constitucionalidade. Proclamou o Supremo que transferir à mulher a decisão sobre o deflagrar da ação penal tendente a punir o agente - com quem, em geral, tem estreitos laços afetivos familiares ou resultantes do casamento

- significa desconhecer o temor, a pressão e as ameaças sofridas pela vítima. Assentamos o dever do Ministério Público de iniciar o processo decorrente de lesões corporais havidas no âmbito doméstico, mesmo que a vítima tenha perdoado o agressor. E, ainda, a impertinência da Lei das Pequenas Causas, ficando afastadas a suspensão do processo e a transação penal. Solução em sentido contrário implicaria minimizar os graves impactos emocionais impostos pela violência de gênero à agredida, impedindo o rompimento com o nocivo estado de submissão.

    O ritmo das transformações sociais não mais se coaduna com a demora verificada no trâmite necessário às alterações legislativas, tendo sido o Judiciário provocado a atuar, em virtude da premência da realidade.

    Não nos furtamos a enfrentar causas da maior relevância, como a alusiva à interrupção da gravidez diante de feto portador de anencefalia. Quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54/DF, procedemos com o desassombro que se espera do magistrado: as convicções pessoais, de cunho moral e religioso, devem ser sublimadas quando analisada situação concreta. Ao vestir a capa de juiz, norteia-me o arcabouço normativo vigente, a partir do qual será construída a solução do conflito, levando-se em conta o quadro fático-probatório constante no processo.

    O juiz, no exercício do cargo, é a personificação do Estado, cabendo-lhe agir em conformidade com os ditames constitucionais, não lhe sendo lícito excluir, por motivo meramente de foro íntimo, a interpretação que melhor resolva o caso.

    O tratamento dispensado à defesa dos direitos da mulher e das questões de gênero deve considerar a opção legislativa pelo Estado laico, no que, se, de um lado, estabelece a liberdade religiosa, de outro impede a que seja a religião tratada como fonte normativa quanto à disciplina de outros direitos fundamentais, como o direito à autodeterminação, à privacidade, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo da reprodução. (Palmas.)

  Cumpre afastar as premissas falsas de que a regulamentação dos direitos da mulher decorre da fragilidade física feminina, ou visa à concessão de privilégios. Nada mais errado. Sou casado, pai de três moças e um rapaz, que, por coincidência, aniversaria no dia de hoje e, aqui, está presente, o Eduardo Afonso. (Palmas. ) É fácil imaginar as dificuldades enfrentadas para conciliar estudos, atividade profissional e maternidade.

Minha mulher foi aprovada em concurso para a Magistratura grávida do nosso quarto filho. (Palmas.)

    Revivo essa experiência com minhas filhas, Letícia e Cristiana, a cujas carreiras que exigem dedicação integral são acrescidas as responsabilidades da função de mãe.

    Surge muito claro o cumprimento, pela mulher, de dupla ou tripla jornada. A realidade está presente em quase todos os lares do País, independentemente da classe social. Antes e após o trabalho externo, ocupa-se a mulher das tarefas domésticas e da educação dos filhos.

    A cada dia vê-se a ampliação da presença feminina no mercado de trabalho, muitas vezes como arrimo da família. A força de trabalho da mulher tem apoiado e aquecido a economia e possibilitado a permanência do poder de compra, facilitando a continuidade das condições de vida até então obtidas.

    Sendo de igual qualidade as atividades realizadas e servindo aos mesmos fins, o que justifica a disparidade quanto ao salário? Nada, absolutamente nada justifica a discrepância remuneratória entre homens e mulheres. Males como esse, o excesso de jornada, as precárias condições de trabalho e a inobservância dos direitos decorrentes da maternidade devem ser combatidos com fiscalização rígida e apenação severa.

    Se ainda não alcançamos o ponto desejado, certo é que evoluímos muito. A visão mais aberta, inserida na Constituição Federal de 1988, mudou o conceito de família e implicou a alteração da interpretação até então existente.

    A noção oriunda fundamentalmente da disciplina do casamento passou a uma regência constitucional alicerçada na realidade. Se a família permanece como a base da sociedade, o conceito deve corresponder às modificações nela ocorridas. Os avanços memoráveis viabilizaram a reconstrução familiar, legitimando a caminhada no sentido da realização do homem e da mulher como seres humanos. Para mim é muito nítido que a proibição de instrumentalização do indivíduo compõe o núcleo do princípio da dignidade humana.

    Chegando ao fim, Presidente, deste pronunciamento, consigno a satisfação por ter testemunhado as alterações legislativas e participado das decisões jurisdicionais mencionadas, entre tantas outras que vieram,

    não sem atraso, a restituir à mulher o pleno respeito à dignidade de que é portadora. Este é o prêmio que me bastaria: ver efetivadas as convicções que sempre defendi.

    O recebimento do Diploma Bertha Lutz em muito excede as minhas expectativas. Revelo o mais profundo orgulho não só por recebê-lo, como também por ser o primeiro homem indicado a tamanho reconhecimento, fato que credito à grande instituição que integro, a última trincheira da cidadania: o Judiciário. Que este jamais falte à nacionalidade.

    Mãos à obra na busca incessante da igualdade entre homens e mulheres.

    Muito obrigado a todos. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 09/03/2016 - Página 7