Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do dia nacional do índio, celebrado em 19 de abril, com ênfase na situação da comunidade indígena no Acre.

Participação em audiência com o Ministro da Justiça, acompanhado do fotógrafo Sebastião Salgado, ocasião em que pleiteou maior volume de recursos para a Funai.

Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 215, de 2000, que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Comemoração do dia nacional do índio, celebrado em 19 de abril, com ênfase na situação da comunidade indígena no Acre.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Participação em audiência com o Ministro da Justiça, acompanhado do fotógrafo Sebastião Salgado, ocasião em que pleiteou maior volume de recursos para a Funai.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 215, de 2000, que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
Aparteantes
Donizeti Nogueira.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2016 - Página 71
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, ENFASE, SITUAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO ACRE (AC).
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SEBASTIÃO SALGADO, FOTOGRAFO, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, RECURSOS, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, DEFINIÇÃO, EXCLUSIVIDADE, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, eu passei um dia muito intenso, como vários colegas aqui. Foi um dia importante. Tivemos a apreciação e a recepção pelo Senado de uma matéria que, de alguma maneira, paralisa o Brasil ou põe os olhos do Brasil voltados para o Senado. Falo do processo de impeachment contra a Presidenta Dilma.

    A sociedade brasileira pode ficar certa de que aqui não haverá atropelos, como já disse o Presidente Renan, não haverá nenhum tipo de ação no sentido de fazer acertos de contas com a Presidenta ou com o Governo. É essa a confiança que tenho.

    Esta é a Casa da Federação. E nós que acreditamos que esse processo é equivocado desde a origem por uma ação do Presidente da Câmara esperamos também que aqui se faça a apreciação do processo legal, do devido processo que a Constituição estabelece. Mas isso caberá às Senadoras e aos Senadores julgadores que estarão, no primeiro momento, na Comissão e, obviamente, depois, ao Plenário do Senado.

    Mas venho à tribuna, Sr. Presidente Paulo Paim - como estive ausente do plenário uma parte da tarde, embora trabalhe intensamente com V. Exª e com outros, não sei se algum colega ocupou a tribuna nesse sentido -, para registrar que hoje, 19 de abril, é o Dia do Índio.

    É muito importante que eu, como amazônida, deixe registrado aqui, fale um pouquinho para aqueles que estão me ouvindo pela Rádio e assistindo pela TV Senado, por que o dia 19 de abril passou a ser celebrado no Brasil como o Dia do Índio.

    Provavelmente, uma parcela importante da população não sabe, mas, em 1940, no México, houve o 1º Congresso Indigenista Interamericano, de que o Brasil não foi signatário. Posteriormente, o Marechal Rondon, considerado um dos heróis da Pátria, que escreveu seu nome nas páginas mais destacadas da nossa história, advogou para que o Brasil subscrevesse o resultado daquele encontro, o Instituto Indigenista Interamericano.

    Feito isso, o Presidente Getúlio Vargas, um conterrâneo seu, Sr. Presidente, um grande Presidente que o Brasil teve, em 1943, ao editar o Decreto-Lei nº 5.540, fez constar no calendário nacional o dia 14 de abril como o Dia do Índio. No encontro do México, ficou acertado que se celebraria o Dia do Índio em 19 de abril.

    Eu queria aqui fazer uma rápida reflexão. Não sei se muitos sabem quantos índios havia no Brasil em 1500, quando Cabral chegou e Pero Vaz de Caminha começou a escrever sobre esta terra. Os números variam de 6 milhões a 4 milhões. Hoje, lamentavelmente, são apenas 400 mil índios no Brasil - 400 mil. Nós temos uma história de 200 etnias e 170 línguas.

    É uma história bonita. O País foi fundado por povos originários, que viviam aqui em completa harmonia com a natureza, obviamente tirando dela o alimento, o sustento e a vida. Essa relação se degradou muito a partir da ampliação dos não índios em nosso País.

    Eu sou de um Estado, o Estado do Acre, que, em 1990, tinha pouco mais de 4 mil índios. Aliás, os governos no Acre, na década de 70, declararam, institucionalizaram que o Acre não tinha índios. Graças ao trabalho de indigenistas como Terri Aquino, Meirelles e Macedo - poderia citar tantos outros - e a força da organização dos povos indígenas, de organizações como a CPI, a Comissão Pró-Índios, e abnegados funcionários da Funai, o Acre conseguiu ser uma referência do ponto de vista daquilo que o Brasil tem hoje como política para os povos indígenas.

    Não estou dizendo, com isso, que já estamos satisfeitos ou que as questões ligadas aos povos indígenas estão completamente resolvidas no Acre. Não. Temos muitos e sérios problemas, mas, hoje, quase 14% do território acriano é destinado aos povos indígenas. A população indígena é de quase 20 mil índios, com um crescimento enorme, com muitas crianças nas aldeias.

    Eu, particularmente, me considero amigo dos índios. Frequento as aldeias, vou às festas e tenho orgulho de, quando governador, ter valorizado a cultura desse povo originário. Hoje, no Acre nós temos algo muito bonito, que é a recepção por nós, parentes dos indígenas, nas cidades, nas políticas públicas, desse povo que tem uma história tão bonita e que é, sim, o único povo de que nós descendemos.

    Recentemente recebi, em minha casa no Acre, o fotógrafo Sebastião Salgado, um dos grandes brasileiros dos séculos XX e XXI, uma das figuras mais importantes deste mundo, a pessoa que mais registros fez do nosso Planeta e que, por sua capacidade, por sua sensibilidade, por sua arte na fotografia, ganhou fama no mundo inteiro. Sem dúvida, é o fotógrafo cujo trabalho mais se busca reproduzir no mundo inteiro.

    Sebastião Salgado viveu um mês com o povo ashaninka, no Acre. Eu tive o privilégio de ajudá-lo nesse sentido. Essa é uma aldeia em que estive várias vezes. Ele passou 30 dias fotografando os índios. Eu perguntei: "Sebastião Salgado, por que você vai ficar tanto tempo com aquele povo? Eu mesmo fico lá três, quatro, cinco dias e volto". Ele respondeu: "Eu tenho que me sentir como um deles, para depois começar a fotografá-los".

    Ele está dando sequência a um trabalho, Senador Donizete - eu já vou ouvi-lo -, que vem realizando há quase dez anos. Já fotografou sete povos indígenas e pretende trabalhar mais dois ou três anos para depois fazer um livro, como o Genesis e outros de sua autoria.

    Eu conversei muito com ele, e ele me disse que se passaram quase 200 anos para que no Brasil, depois do descobrimento, falássemos o português. Até então, a língua que falávamos aqui era a língua oriunda dos povos indígenas, o guarani e o tupi. E que, literalmente, quando se pergunta ao brasileiro qual é a sua descendência, ele logo busca um país da Europa, um país de outros continentes do mundo para justificar a sua origem. Coisa nenhuma. Nós só temos uma origem. Todos nós brasileiros temos origem nos povos indígenas. Por isso eu fico contente e trato os índios, quando estou no Acre, de "txai", que é amigo, ou parente.

    Hoje vim à tribuna para agradecer a esses parentes por terem cuidado do Brasil durante milênios e por nos terem entregue um Brasil cheio de riquezas, que, de certa forma, as políticas equivocadas, insustentáveis e intolerantes saquearam.

    Quando o Brasil foi descoberto, tinha uma costa linda, maravilhosa e rica. Destruíram toda a costa. Quando o Brasil foi descoberto, tinha a maior abundância em ouro e em diamante, como vimos em um seriado recente da TV Globo. Estou relendo um livro que se chama Império à Deriva, que narra a presença da família real portuguesa no Brasil.

    O que eu lamento é que, mesmo no século XXI, mesmo depois de tantos anos ocupando, confrontando a atividade, a presença humana com o meio ambiente neste País, nós ainda não aprendemos a respeitar os povos indígenas.

    Eu e Sebastião Salgado tivemos uma audiência, recentemente, com o Ministro da Justiça. Fomos lá pedir algo simples e sobre a qual me orgulha falar aqui hoje, no Dia do Índio: fomos pedir um mínimo de recursos para a Funai, para que ela possa cumprir bem a sua missão de dar o suporte necessário a esse povo que nos deu origem, a esse povo que cuidou e que está na fundação do nosso País. É lamentável que o Brasil, uma das referências no mundo da cultura indígena, trate tão mal esse povo.

    Sou de um Estado que tem, ainda, povos indígenas não contactados. Eu os vi, quando Governador. Fiquei três, quatros dias, num lugar próximo deles, sem nenhum contato. Qual é a dimensão desse patrimônio? Nós temos povos que vivem numa sintonia com a natureza, absolutamente desvinculados de tudo isso pelo qual brigamos e disputamos, dessas coisas materiais e supérfluas, que, para nós, são imprescindíveis à vida.

    Agora mesmo, no ano passado, um grupo de três jovens índios não contactados fizeram contato. O Brasil, nos anos 80, sabiamente, definiu uma política de que, quando há um povo identificado não contactado, protegemos. A área dos índios não contactados, no Acre, é de 600 mil hectares. Alguém poderia dizer: "Que absurdo, 600 mil hectares para um povo que nem conhecemos, com quem nem nunca falamos!" Mas acho que essa política que implementamos no Acre de respeitar, de valorizar esse patrimônio e a história desse povo deveria ser implementada em todo o Brasil. Os contactados do ano passado são 29.

    Alguns que estão me ouvindo podem não me entender. O que é índio não contactado? São populações indígenas que nunca fizeram contato com os brancos, que não precisam de nada disso que disputamos, que achamos que seja tão fundamental para a vida. Eles vivem absolutamente desprovidos de tudo isso.

    O Brasil adotou uma política de não fazer contato, mas de cuidá-los. Sabe por quê? Porque a série histórica que nós temos é a de que, quando é feito o contato, 70% deles são dizimados por doenças nos primeiros três anos. Por que isso? Porque nós adquirimos imunidades para pestes, para pragas, para gripes, que eles não têm. E aí há um risco. O Brasil fez certo, mas, lamentavelmente, o Brasil tem a política de proteger os índios isolados, sem dinheiro, sem funcionário, sem o apoio necessário.

    Por isso, queria aqui, no Dia do Índio, dia 19 de abril 2016, dizer que penso que nós temos que ter uma ação suprapartidária, para garantir os recursos necessários, para garantir o apoio necessário ao nosso colega João Pedro e aos funcionários da Funai, para que eles possam fazer um trabalho que nos dignifique, que nos orgulhe, e não seguir - como nós estamos seguindo - com ações que nos envergonham.

    Já, já, vem PEC da Câmara, já, já, vem PEC absurda, que tenta tirar as mínimas garantias que o povo indígena tem hoje.

    Ouço o Senador Donizeti e concluo meu pronunciamento.

    O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores. Senador Jorge Viana, obrigado pelo aparte. É para fazer um registro: acredito, do fundo do coração e da minha alma, que temos um débito, que somos devedores muito grandes dos povos indígenas. Existe um preconceito muito grande quantos aos povos indígenas. A ideia de querer retratar que os índios são preguiçosos é uma ideia retrógrada, preconceituosa, de quem não conhece a realidade, a cultura e a maneira de eles se relacionarem com a natureza, entre si, e a maneira de eles produzirem. Nós tivemos em Palmas, no ano passado, os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Ali foi possível conhecer a riqueza cultural de diversas etnias, mas, sobretudo - para aqueles que não acreditam na capacidade de produzir e de se autoalimentar dos povos indígenas, quando apoiados e respeitados -, ficou demonstrado que a agricultura tradicional dos povos indígenas é uma agricultura rica, plural e suficiente para a vivência, para o crescimento e para a saúde humanos. Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, realizados em Palmas, que foram os primeiros jogos mundiais realizados, para mim, foram uma demonstração de que precisamos conhecer melhor - como V. Exª muito bem está colocando, Senador - o fato de conviver. Eu tenho estreitado a minha relação com os xerente, que estão próximos a Palmas, no Município de Tocantínia. Tenho tentado trabalhar para ajudar a encaminhar as demandas deles. Então, penso que somos devedores e precisamos conhecer, estudar melhor, não a partir da nossa visão, daqui para lá, mas a partir da visão deles de sociedade, de produção e de cultura, que acredito que tem muito a devolver àquilo que foi suprimido desses povos. Obrigado.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Obrigado. Sei que há vários colegas para falar. Só queria encerrar dizendo que estou atento e espero sinceramente que não tenha prosseguimento essa PEC 215, que agrava a situação e põe em risco os povos indígenas no nosso Brasil.

    Neste 19 de abril, Dia do Índio, faço essa manifestação, solidarizando-me com as lutas dos povos indígenas. Se fosse uma voz sozinha, um único discurso, assim mesmo eu faria, mas sei que há vários colegas, como fez o Senador Donizeti e outros, que são sensíveis a essa causa e vão estar na luta junto conosco.

    Que o Brasil trabalhe para ter orçamento, para ter políticas, que possam nos dar o direito de celebrar todo dia 19 de abril, que foi criado em 1943, para celebrar o Dia do Índio, por Getúlio Vargas.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2016 - Página 71