Comunicação inadiável durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da inexistência de base legal para o impeachment da Presidente da República.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da inexistência de base legal para o impeachment da Presidente da República.
Outros:
Aparteantes
Ataídes Oliveira.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2016 - Página 22
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros
Indexação
  • DEFESA, INEXISTENCIA, FUNDAMENTAÇÃO, NORMAS, MOTIVO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ARGUIÇÃO, LEGALIDADE, CONDUTA, REFERENCIA, ORÇAMENTO FISCAL.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Srª Presidente.

    Srªs e Srs. Senadores, quero também fazer uma saudação ao ex-Senador Osmar Dias, do meu Estado do Paraná. Quero dizer que acho bastante oportuna a vinda do Senador Osmar Dia aqui, Senadora Ana Amélia, porque um dos pontos que nós vamos discutir nesse processo de impeachment da Presidenta Dilma se refere exatamente ao Plano Safra, administrado pelo Banco do Brasil e pela Vice-Presidência a qual o ex-Senador Osmar hoje responde.

    Acho que seria bem oportuno, inclusive, podermos contar com ele em outras ocasiões nesta Casa para nos explicar, porque o que veio para cá como denúncia em relação a isso é exatamente que a Presidenta Dilma usou o Plano Safra para fazer uma operação de crédito camuflada. Tenho certeza de que não é isso. E, como o Senador Osmar Dias conhece largamente o assunto, sei que também poderá nos dar o privilégio na CAS e, talvez, até no andamento dos trabalhos e da Comissão de vir aqui fazer uma exposição sobre esse tema.

    Mas eu quero, Senadora Fátima, Srªs e Srs. Senadores, aqueles que nos ouvem pela TV Senado, pela Rádio Senado, reiniciar o meu diálogo com esta Casa e também com o público sobre o processo de impeachment. E qual é esse diálogo? Colocar para o convencimento dos Srs. Senadores e das Srªs Senadoras que não há base legal para o impeachment.

    Eu queria chamar a atenção para um ponto, fazer aqui um destaque, que é sobre a admissibilidade. Eu vi vários Senadores falarem que a parte da admissibilidade não é a parte mais importante do processo, porque é onde nós não fazemos o julgamento, mas, sim, a parte posterior, que é a parte do julgamento. Eu quero contestar isso. Acho que, inclusive, é um erro nós termos um curto espaço de tempo para a admissibilidade, porque a votação da admissibilidade causa a situação mais violenta em relação à Presidência da República, que é o afastamento imediato da Presidenta. E a gente só pode julgar um crime se aceitar que crime houve. Então, na admissibilidade, nós também temos a obrigação de nos debruçar sobre se de fato nós estamos aqui julgando um crime de responsabilidade fiscal ou não.

    Os Senadores precisam fazer uma análise crítica disso. E a primeira coisa que quero levantar é que não dá para aceitar, na discussão do Senado da República, a tese do conjunto da obra. Nós não podemos cair nisso. Se a Câmara fez essa discussão, se fez sem qualidade, se fez sem profundidade e votou um impeachment mais pela política do que pela base constitucional e jurídica, esta Casa, que tem Senadores que já foram Senadores, governadores, ministros, tem a obrigação de saber que nós não vamos estar aqui tratando de um voto de desconfiança à Presidenta da República, o que cabe no sistema parlamentarista, e não no presidencialista. No sistema parlamentarista, nós julgamos o chefe de governo pelo conjunto da obra, pelas questões políticas, mas, no sistema presidencialista, o julgamento eminentemente político e pelo conjunto das obras é pelo instituto das urnas, e não do impeachment.

    Então, a primeira coisa que nós temos que respeitar na nossa Constituição, Senadores e Senadoras, é o sistema de governo que nós temos, que é um sistema presidencialista, e não parlamentarista. A segunda questão é de que o impeachment, que é o afastamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, é um instituto excepcional previsto na nossa Constituição. Ele se assemelha ao estado de defesa e ao estado de sítio, porque é excepcional. 

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - O que isso quer dizer? Exige maioria absoluta dos Congressistas para sua implementação e fatos específicos graves e concretos para o seu início. Já pensou decretar estado de sítio ou mesmo estado de defesa? Isso tem um custo para a Nação, só se tiver muito bem fundamentado, senão não dá para fazer. E é por isso que impeachment se assemelha a isso, ou seja, é um instituto excepcional.

    E, no caso, por se tratar de crime de responsabilidade, usamos subsidiariamente o processo penal nesse julgamento. Ora, no processo penal, exige-se, com rigor, a determinação dos crimes praticados, não pode ser ao léu, não pode ser o conjunto da obra, não pode ser discurso político. No processo penal, exige-se, com rigor, a previsão do crime praticado, tem que estar previsto no art. 85 e na Lei nº 10.079.

    É importante dizer que, para se configurar como crime, o crime precisa de algumas coisas: tem de haver a conduta do agente; e a conduta do agente tem de ser ilícita e dolosa. O que queremos dizer com isso? Primeiro, tem de haver um ato ou uma omissão que justifique que se possa fazer uma avaliação sobre suas consequências; segundo, tem de ser ilícito, esse ato ou essa omissão tem de ferir um regramento, uma lei, não pode ser algo que não se caracterize como ilícito; e terceiro, tem de ser doloso, quem praticou tem de ter a intenção de causar aquele resultado que é irregular, que é ilegal, que é crime. Não existe, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, crime de responsabilidade culposo, tem de ser doloso.

    A Presidenta da República, ela mesma, tem de ter praticado um ato no exercício de suas funções, esse ato tem de se configurar em ilícito contra as leis e as normas vigentes e tem de ser doloso, com a intenção de causar o resultado ilícito. Nada disso está configurado no relatório que veio da Câmara dos Deputados, que abriu o processo de impeachment, sequer os crimes tipificados estão lá abordados. Ou seja, não há tipificação dos crimes.

    É importante deixar claro que não estão na peça acusatória recebida pela Câmara as chamadas pedaladas fiscais. Aquela discussão sobre o Tribunal de Contas, em 2014, que tivemos aqui, em que o relatório veio e ainda não foi julgado por esta Casa, não está em discussão, não foi admitida pela Câmara.

    Por quê? Porque já havia encerrado o mandato da Presidenta Dilma. E, em 2015, não há pedalada fiscal. Os dois fatos que vieram para cá são referentes ao orçamento de 2015.

    O que é mais grave, Senadora Rose de Freitas - V. Exª, que foi Presidenta da Comissão Mista de Orçamento -, é que nem o Tribunal de Contas da União avaliou as contas de 2015 e as mandou para cá nem esta Casa fez a discussão. Nós só podemos nos basear na ilicitude de atos de um orçamento depois que ele tem o parecer do Tribunal de Contas e é julgado pelo Congresso Nacional. Eu fico me perguntando: como, sem o julgamento do Congresso Nacional, a Câmara aceitou? Isso é preliminar! Portanto, se é preliminar, nós não podemos nem aceitar esse processo aqui. O correto seria devolvê-lo à Câmara, pedir que a Comissão Mista de Orçamento se instale, que o Tribunal de Contas mande o seu relatório, para que esta Casa possa fazer o julgamento das contas da Presidenta Dilma. Se esta Casa entender que aquelas contas realmente estão irregulares, provando por "a" mais "b", caberia um processo de impeachment.

    Mas o pior de tudo, além disso, é que os dois fatos em que baseiam esse pedido não têm tipificação. Eu quero falar só de um deles hoje, que é o atraso no pagamento do Banco do Brasil, dentro do ano de 2015, nos subsídios aos juros praticados nos contratos do Plano Safra. Nós não estamos aqui falando de pedalada fiscal. O Plano Safra existe desde 1992 e é regido pela Lei nº 8.427. O que é o Plano Safra? É um programa do Governo que faz empréstimos aos agricultores, familiares ou empresariais...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... e tem subsídio de juro. O que quer dizer isso? Quer dizer que o juro praticado pelo banco com o agricultor não é o juro de mercado. O Governo paga o juro de mercado para o banco, mas o banco não cobra esse juro de mercado do agricultor. Como é feito esse processo do subsídio? Ele é apurado depois do pedido. Então, depois do pedido, ele é lançado, é apurado e há um tempo para que o Governo possa fazer a análise, para saber se efetivamente aquele crédito foi concedido dentro da legalidade. Só que, por uma portaria do Ministério da Fazenda, a contabilidade - e isso não é de agora - dessa operação é semestral. Então, quando se faz a contabilidade e se lança, às vezes, há um tempo para se fazerem os ajustes. Vocês vão dizer que isso é uma operação de crédito camuflada? Isso é uma barbaridade!

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Se eu atraso o meu aluguel, é uma operação de crédito que estou fazendo com o locador, eu, como locatária? Não. Eu não estou atentando ao meu contrato. Estou descumprindo cláusula contratual. Se eu atraso a minha conta de luz, se eu atraso a minha conta de água, é uma operação de crédito que eu estou fazendo com a empresa fornecedora? Não, porque ela me faz um contrato de prestação de serviço. Portanto, não há como caracterizar isso como uma operação de crédito camuflada.

    Por último, nessa situação, não existe ato da Presidenta Dilma, Senadora Rose. Sabe por quê? Porque quem opera, gerencia, quem faz a gestão é o Conselho Monetário Nacional, o Ministério da Fazenda, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Então, falta uma condição básica para isso se configurar crime, que é a conduta do agente a quem está sendo imputado o crime. Qual é a conduta da Presidenta aí? Não há.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Ela não assinou nada, ela não fez nada. Então, qual é a conduta? Se não há conduta, não há ilícito por parte dela e não há dolo. Então, quem tem que responder? O CMN, o Ministério da Fazenda, o Ministério da Agricultura?

    É muito grave a forma superficial como se está fazendo essa discussão. Eu não quero nem entrar nos decretos, porque eu não tenho tempo hoje, mas amanhã eu virei a esta tribuna para falar dos decretos.

    E eu gostaria de fazer um desafio a esta Casa: que algum dos Srs. Senadores da Comissão ou do Plenário pudessem comprovar que esse fato aqui, que esse fato citado é crime, que constitui um ilícito e é de responsabilidade da Presidenta Dilma.

    Concedo um aparte ao Senador Ataídes. Rapidinho, porque já está acabando o nosso tempo.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - Vou ser bem breve, Senadora Gleisi. Parabenizo V. Exª por defender esta causa, que não é fácil. Eu acho que eu não daria, eu acho que eu não tenho competência...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - ... para ir a essa tribuna e defender a Presidente Dilma com relação a esses empréstimos e também aos créditos suplementares. Mas V. Exª faz isso com muita desenvoltura. Senadora Gleisi, eu faço duas perguntinhas muito rápidas. A primeira é se V. Exª acha que a Presidente Dilma pode - ou qualquer outro Governo Federal - tomar dinheiro emprestado de estatal? Essa é a primeira pergunta. A segunda pergunta é se V. Exª está dizendo que esse dinheiro emprestado junto à Caixa Econômica, Banco do Brasil e FGTS, foi, então, tão somente para o Plano Safra, não é? E os 19,6 bilhões que foram destinados ao BNDES para o programa...

(Interrupção do som.)

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - ... PSI? Então, pergunto a V. Exª (Fora do Microfone.)...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Eu entendi.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - A segunda pergunta (Fora do microfone.)...

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Vou lhe responder.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - ... é se V. Exª tem conhecimento desses 19,6 bilhões que foram emprestados junto à Caixa Econômica para o BNDES, se V. Exª tem conhecimento desse valor e se acha que isso, então, não é crime, que o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que é proibido o ente federal tomar dinheiro emprestado de estatal... Faço, então, a V. Exª essas duas indagações.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Primeiro, Senador Ataídes, V. Exª não entendeu nada do que falei aqui, me perdoe, mas estou falando aqui é que a peça de pedido de impeachment que veio da Câmara traz essas duas questões, traz exatamente essa situação do atraso no pagamento ao Banco do Brasil e da edição dos seis decretos; não fala de BNDES, não fala de Caixa Econômica, não fala de pedalada.

    Ou esta Casa vai ter a responsabilidade de discutir o impeachment em cima do que ele trouxe...

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - Fala, sim, Senadora.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Não faz, não faz.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - Fala, sim.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Mas, então, o senhor tem que ler a peça e tem que ler a defesa, me desculpe.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - Mas como eu li, Senadora!

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - É importante o senhor ler a peça que veio da Câmara.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - Lá tem os 19,6 bilhões...

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Não.

    O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco Oposição/PSDB - TO) - ... das pedaladas.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Não, eles não foram aceitos pelo Presidente da Câmara. Eles não constam do processo de impeachment, constam da discussão política feita pelo Relator. Eles não constam como crime. Os dois itens que constam são esses.

    Se V. Exªs quiserem ter o mesmo rumo da Câmara e fazer aquela discussão bonita, sem base constitucional e jurídica, essa é uma opção que V. Exªs têm. Agora, cabe a nós dizer aqui que os crimes pelos quais a Presidenta está sendo acusada e que vieram para esta Casa são esses dois pontos.

    E, mais do que uma defesa da Presidenta aqui, faço uma defesa da democracia e da Constituição, porque, a partir de agora, se estivermos no caminho da Câmara...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... nós vamos banalizar o instituto de impeachment. Então, é melhor ter coragem e propor um novo plebiscito para este País, para trocar o sistema de governo, porque aí vamos estar fazendo um voto de desconfiança da Presidenta, e não um julgamento sobre um crime que ela tenha cometido. Até porque, vou falar de novo, eu desafio, do ponto de vista político-constitucional, qualquer Senador a provar que, além desses dois crimes - que, inclusive, foram definidos como circunscritos pelo Supremo Tribunal Federal -, há mais algum que esteja nessa peça.

    Se V. Exª quer discutir pedaladas, BNDES, vai ter que abrir outro processo de impeachment.

    Muito obrigada, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2016 - Página 22