Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e defesa da importância estratégica da área para o País.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIENCIA E TECNOLOGIA:
  • Preocupação com a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e defesa da importância estratégica da área para o País.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2016 - Página 66
Assunto
Outros > CIENCIA E TECNOLOGIA
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, LOCAL, COMISSÃO DE CIENCIA E TECNOLOGIA, PRESENÇA, GILBERTO KASSAB, MINISTRO DE ESTADO, APREENSÃO, EXTINÇÃO, MINISTERIO DA CIENCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (MCTI), MOTIVO, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, ATRASO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA ABERTA, COMUNIDADE, PESQUISADOR, ESTADO DO ACRE (AC), REFERENCIA, ASSUNTO.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, colegas Senadores, hoje cheguei cedo. Foi um dia difícil para todos nós - aliás, não tem sido fácil esta fase que todos nós vivemos na vida pública nacional. Acho que a cada dia fica mais evidente o fracasso desse modelo que nós temos e vivenciamos no nosso País, desse amontoado de partidos políticos, da maneira como ocorrem as eleições, que atinge a todos indistintamente, independentemente de partidos - uns em maior gravidade, outros em menor gravidade. E é lamentável que, na hora em que vivemos esta crise econômica e política, o Congresso passe por momentos tão difíceis.

    Creio que se aproxima - ou senão, passou - a hora em que temos todos, de maneira suprapartidária, que pensar em algo que possa se configurar em atitudes que estejam à altura dos desafios que o Brasil requer de todos nós. Temos que enfrentar diariamente situações de turbulência que se agravam a cada dia, mas espero que possamos, buscando sempre na democracia, encontrar o melhor caminho para levar nosso Brasil em frente.

    Sr. Presidente, hoje cedo participei de uma audiência na Comissão de Ciência e Tecnologia com o Ministro Gilberto Kassab, que agora, com a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia, é o Ministro das Comunicações e da Ciência e Tecnologia.

    Eu quero mais uma vez reafirmar que o desenho do organograma de governo do Brasil é terrível; está com a validade vencida. Há um consenso nacional - e não é sem razão - de que o número de Ministérios e a maneira como eles são trabalhados necessitam de uma profunda reformulação.

    Mas acho que isso não pode ser feito para atender acordos políticos, arranjos partidários, votações como aquela do dia 17 de maio, a da admissibilidade do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados.

    O certo é que a área de ciência e tecnologia é estratégica para o País; foi criada por Tancredo Neves, quando fundava a Nova República. O Presidente Sarney foi quem implementou, pela primeira vez, o Ministério da Ciência e Tecnologia em nosso País, com o Ministro Renato Archer, um grande brasileiro. Depois houve um outro colega, também um brasileiro do maior quilate, Luiz Henrique da Silveira, como Ministro de Ciência e Tecnologia. Agora nós estamos vivendo um momento em que o Brasil vai anunciar para o mundo que não tem mais o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

    Não sei como se pode fazer algo, Senador Presidente Paulo Paim, sem levar em conta um mundo mudado. Não existe a menor possibilidade de um País como o nosso, que tem 20% da biodiversidade do Planeta, uma população de 200 milhões de habitantes, uma dimensão territorial, uma influência regional como a nossa, desprezar o setor da ciência, tecnologia e inovação.

    Até o começo do Governo do Presidente Lula, o Brasil não alcançava 1% da produção científica mundial. Começou a ocorrer uma série de ações a partir do Governo do Presidente Lula - Eduardo Campos, do PSB, foi Ministro da Ciência e Tecnologia, foi parceiro. O resultado, Senador Paim, foi a criação de dezenas de universidades, o fortalecimento da atividade científica com bolsas de estudo. O Brasil passou a ter, Senadora Regina, mais de 2,5% da produção científica mundial. Isso nós devemos à comunidade científica e à política pública estabelecida pelo Presidente Lula.

    Havia uma carência enorme. O Brasil tinha de fazer uma modificação na Constituição - ou seja, uma PEC, uma proposta de emenda à constituição - e fazer a estruturação do marco legal da ciência, tecnologia e inovação. O mundo mudou, é um outro mundo em relação àquele em que Tancredo Neves - na compreensão de Renato Archer - fundou, pela primeira vez, o Ministério da Ciência e Tecnologia. Refiro-me ao começo dos anos 1980.

    O certo é que um dos trabalhos mais interessantes, uma verdadeira pedagogia de como se deve construir uma lei para que ela possa pegar, para que ela possa, realmente, atender o interesse nacional, o interesse público, foi feito. A Academia Brasileira de Ciência, a SBPC, todas as fundações estaduais, os centros de pesquisa - toda a comunidade científica começou a se reunir, a debater, a discutir, a ver como alguns países estruturavam a sua legislação e, num trabalho suprapartidário na Câmara e também no Senado, aprovamos uma das leis mais modernas e interessantes do mundo; refiro-me ao Projeto de Lei da Câmara nº 77.

    Por conta de uma ação pouco pensada da equipe econômica, a Presidente Dilma foi levada a fazer oito vetos. Lamentavelmente, esses vetos não foram derrubados, por conta da madrugada, quando apreciávamos matérias naquela última reunião do Congresso Nacional. Mas devo dizer que, passado esse período todo, o Brasil agora tem uma lei, tem o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, mas não tem mais o Ministério. Os vetos feitos foram sobre bolsas de estudo, em cima de uma autonomia para se desenvolver pesquisa. E tudo isso em um País que tem a Amazônia, que tem 20% da biodiversidade do planeta.

    Tínhamos Ministério, orçamento escasso e não tínhamos o aparato legal. Agora temos a lei, não temos dinheiro e não temos mais o Ministério - mas a medida provisória está tramitando aqui. Por que não discutir, fechar outros dois ministérios, mas ter o Ministério da Ciência e Tecnologia? É ele que, com apoio orçamentário... E não queremos tanto, perto de 2% para ciência, tecnologia e inovação. Isso não é gasto, é investimento.

    Há 30 anos a Coreia do Sul era um dos países mais atrasados do mundo. Investiu em educação, em ciência, tecnologia e inovação. Eu estive lá no ano passado. Qualquer economia poderosa do mundo tem que suar a camisa para concorrer com a Coreia do Sul, porque eles investiram em educação, ciência, tecnologia e inovação! A China não é diferente, os Estados Unidos não são diferentes.

    A Califórnia, um dos maiores PIBs do mundo, mesmo sendo apenas um Estado dos Estados Unidos, viveu a transformação de um deserto em um dos maiores centros de indústria moderna e competitiva porque apostou no conhecimento. Implantou a Universidade de San Diego, a Universidade da Califórnia, a Universidade de São Francisco. Criou uma lei na década de 1970 e, a partir daí, começou a virar uma referência para o mundo. Hoje, a indústria de maior exigência do ponto de vista tecnológico, a indústria dos fármacos, está se mudando para a Califórnia. A qualidade de vida naquele Estado é algo fora dos padrões globais, porque houve investimento em ciência, tecnologia e em educação. E a fórmula deles é uma só: transformar conhecimento em negócios. Foi assim que eles transformaram um deserto em uma das áreas mais desenvolvidas do ponto de vista econômico na maior economia do mundo, que são os Estados Unidos.

    E nós, quando vamos fazer isso com a Amazônia? Que país tem as possibilidades que o Brasil tem? Ou os senhores que me acompanham na Rádio e na TV Senado acham que o Brasil, hoje a terceira força em produção de alimentos do mundo, faz isso jogando sementes ao vento?

    Não. É por conta de uma Embrapa. É por conta de tecnologia que desenvolvemos que o Brasil é uma potência que pode e que vai passar a Europa. Mas, dando as costas para a ciência e tecnologia, nós não vamos fincar os dois pés no século XXI.

    Eu queria, Sr. Presidente, para concluir, dizer que fiz uma assembleia, uma audiência pública com a comunidade científica no Acre. Mais de cem pesquisadores das mais diferentes visões. Eles queriam duas coisas basicamente. Primeiro, deixar claro o descontentamento, que é um equívoco, que é um erro a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia.

    Está aqui o que eles fizeram: "Carta aberta produzida pela comunidade científica acriana em desfavor da fusão entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das Comunicações e a favor da alteração dos artigos vetados na Lei nº 13.243, de 2016".

    Senador Paulo Paim, quando se fala em Comunicação, o pessoal pensa logo que se está juntando essa coisa moderna de internet, de telefonia com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Não é nada disso. O Ministério das Comunicações no Brasil cuida mais de concessão de rádio e televisão do que qualquer outra coisa.

    Aliás, hoje eu provei para o Ministro Gilberto Kassab que a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, no ano de 2014, recebeu 250 processos de concessão de rádios e, no ano de 2015, quase 180 processos de concessão de rádio. Para esta indústria que se criou no Brasil: políticos pegando rádio em nome de laranjas para ganhar eleição, para distorcer os fatos e transformar esse poder em moeda de troca com os que passam pelas urnas e ganham prefeituras, governos ou a Presidência da República. Isso é uma vergonha!

    Na carta, eles deixam bem claro o porquê da importância de estabelecermos de volta o Ministério da Ciência e Tecnologia:

1. O desenvolvimento sustentável do País passa, necessariamente, pelo aumento dos investimentos em ciência e tecnologia, a exemplo dos resultados obtidos por Estados Unidos, China, Coreia do Sul e países da Europa;

2. O Brasil não pode continuar a conviver com o flagrante mapa da desigualdade científica regional, em que a Amazônia - a despeito de possuir a maior biodiversidade e etnodiversidade, é bom que se diga, do Planeta, pelas populações que temos - tem menos de 5% dos pesquisadores doutores do País;

    E aí citam uma série de pontos, que vão constar nos Anais do Senado. No final, eles dizem aqui:

7. Por isso, reivindicamos a imediata recriação e fortalecimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, ao tempo em que defendemos alteração dos artigos vetados na Lei 13.243, de 2016, recuperando o texto originalmente aprovado pelo Congresso.

    Por fim, diz o coletivo da comunidade científica do Acre:

8. Reivindicamos ainda o estabelecimento em lei pertinente de uma elevação gradual dos investimentos públicos federais em ciência, tecnologia e inovação para a meta de 2% do PIB até 2030.

    E pedem que eu dê ciência, como fiz hoje, ao Ministro da Ciência e Tecnologia e Comunicação, e faço aqui, neste momento, constar nos Anais do Senado esse documento.

    Ontem, Senador Paulo Paim, nós tivemos a primeira doutora, Drª Márcia Elizabeth, primeira pessoa a defender um doutorado no Acre - uma conquista. No coletivo de ciência e tecnologia da comunidade científica do Acre e de técnicos, estava lá o Reitor Minoru; estava lá o diretor da Embrapa; estavam lá o Dr. Mauro Ribeiro, Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa; a Drª Renata, Secretária de Ciência e Tecnologia do Acre; e mais de cem profissionais que dedicam a vida à ciência, à tecnologia e à inovação.

    É nesse espírito de dar uma contribuição para o País que eu faço o apelo para que o Senado Federal revise, reveja essa medida provisória e faça os ajustes necessários para que a comunidade científica, para que o Brasil não perca a competitividade deixando de ter, dentro da estrutura do Estado brasileiro, adequadamente posto, um setor que é estratégico para a vida nacional.

    A última questão é dizer que eu tomei uma iniciativa, Senador Paulo Paim, que preside a sessão: eu apresentei um projeto de lei do Senado, que hoje foi acolhido pelo próprio Ministro Kassab, pelo Líder do Governo interino, Senador Aloysio Nunes, de todo o coletivo da Comissão de Ciência e Tecnologia. Apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 226, de 2016, no qual eu recoloco os oito pontos que foram vetados no projeto original da Lei de Ciência, Tecnologia e Inovação.

    Acho que nós vamos aprovar rapidamente essa matéria aqui - por unanimidade, confio -, porque estou apenas repondo aquilo que nós já votamos. Eu fui Relator aqui no Senado em duas comissões, o Senador Cristovam em outra. Acredito que, com uma boa negociação, nós vamos ter essa matéria também votada por unanimidade na Câmara dos Deputados.

    Assumo esse compromisso com a comunidade científica brasileira, agradeço a luta e acho que todos nós temos que ser convocados a lutar para que tenhamos o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil como algo estratégico para o Brasil se consolidar como uma grande nação do século XXI. E que o Ministério das Comunicações possa ser fundido em uma área com a qual tenha afinidade.

    Era esse o pronunciamento, Sr. Presidente. Mais uma vez, eu peço para constar nos Anais esse documento que me foi passado às mãos pela comunidade científica do meu Estado do Acre.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR JORGE VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria Referida:

- Carta aberta produzida pela comunidade científica acriana em desfavor da fusão entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das Comunicações e a favor da alteração dos artigos vetados na Lei nº 13.243, de 2016.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2016 - Página 66