Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2016 - Página 110
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, INFORMANTE, PROCURADOR, MINISTERIO PUBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Dr. Júlio, quando o senhor fez a primeira representação, ainda em meados de 2014, o senhor fez referência a artigos de jornal. Agora, na fala do senhor, o senhor repetiu algumas matérias. Eu gostaria de compreender se essas matérias estavam noticiando um procedimento feito pelo Banco Central de apuração na Caixa Econômica Federal.

    Por que estou perguntando isso? Porque nas oitivas perante a Comissão veio um técnico do BC e disse o seguinte: que ele, como funcionário do BC, não conseguiu constatar essas operações no próprio BC, porque não havia contabilização. Porém, numa auditoria de rotina na Caixa, ele encontrou a disparidade, porque a Caixa escriturava e o Banco Central, não.

    Eu fiquei na dúvida se na linha do tempo o que aconteceu primeiro foi esse achado do funcionário do Banco Central. Então, eu gostaria primeiro de saber se essas notícias que chamaram a atenção do senhor, que depois fez a representação pela auditoria, têm a ver este achado do funcionário do Banco Central, se foi daí que começou essa história toda. Senão, qual foi a notícia efetivamente? O que vinha sendo trazido pela imprensa que chamou a atenção do senhor?

    Depois que o senhor fez a representação, eu gostaria de saber quantos técnicos participaram das perícias e das auditorias, ou seja, de todo trabalho que foi feito e depois serviu de subsídio para o TCU rejeitar as contas da Senhora Presidente. Estou falando com relação a 2014, que é o início disso tudo.

    Um pouco antes de o TCU julgar as contas de 2014, o senhor preparou um relatório levando mais subsídios para a Corte. Neste relatório, o senhor faz algumas considerações já com relação às irregularidades de 2015. Eu gostaria de saber se o senhor constatou também com relação a 2015 os empréstimos não contabilizados, os empréstimos vedados, e não contabilizados, e os decretos e, com relação aos empréstimos, em quais instituições o senhor os constatou em 2015?

    Eu gostaria de saber - estou tentando falar no tempo aqui - se, eventualmente, no trabalho que o senhor fez, o senhor teve acesso à lista ou pelo menos aos principais beneficiários dessas pedaladas. Ou seja, essas operações foram feitas e houve beneficiários; o senhor sabe dizer se esses beneficiários foram, em termos de quantidade, de montante de valores, mais as pessoas carentes ou mais as grandes e médias empresas? Quero saber se o senhor teve acesso a isso.

    Especificamente, no que concerne às contas de 2015, eu gostaria de saber quem foi o procurador responsável por fazer o que o senhor fez com relação às de 2014, porque o relatório de 2015 não foi o senhor quem fez, até onde eu sei. Então, eu gostaria de saber quem é, quem foi esse procurador, qual é o cargo dele ou qual era o cargo dele à época, se eventualmente ele trabalha com uma equipe e se, com relação a 2015, os mesmos técnicos que fizeram as apurações de 2014 também trabalharam.

    Isso é importante, porque existe todo um trabalho para mostrar que o nosso processo se fundamenta exclusivamente em uma pessoa - no caso, o depoente -, e eu acho importante trazer essas informações, para que os Srs. Senadores possam perceber que não é assim.

    Eu gostaria de saber do senhor, como um especialista na matéria, se a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei nº 8.429/92, por acaso exige a rejeição das contas como um requisito para a punição por essa mesma improbidade.

    As minhas duas últimas perguntas: no tempo em que o senhor trabalha com contas - não sei se, eventualmente, antes dessa sua função, o senhor já trabalhava com essa matéria, mas, nesse tempo -, parece-lhe comum ou o senhor já constatou em anos anteriores uma alteração, ou seja, uma adaptação, um ajuste da meta de superávit primário da ordem de mais de cem bilhões...

(Soa a campainha.)

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - ... como aconteceu no ano de que nós estamos tratando? Porque, no caso dos decretos, especificamente, esse ajuste que foi feito na meta foi um ajuste que ultrapassou 100 bilhões. Para a população leiga, foi algo muito assustador. Nós tínhamos um superávit significativo, de mais de 50 bilhões, e de repente nós temos um déficit de mais de 100 bilhões. Então, nós temos aí quase 200 bilhões de gap, se sair do positivo para o negativo. Isso é comum? O senhor viu algo parecido acontecer anteriormente?

    E a última pergunta: dentre as pessoas que podem vir a ser responsabilizadas pelas irregularidades, pelos crimes ou pelas infrações de 2015, está listado o ex-Ministro Nelson Barbosa?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Com a palavra o Sr. Júlio Marcelo.

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - Muito obrigado, Sr. Presidente. Obrigado, Drª Janaina Paschoal.

    As notícias que levaram o nosso gabinete - eu e um assessor que trabalha muito com a área econômica, que trabalha comigo, o Dr. Fernando Camargo - e auditores do Tribunal a trocarmos impressões e decidirmos que havia algo que precisava ser investigado, que motivou as representações do Ministério Público, foi uma notícia - não lembro agora exatamente o veículo - dando conta de que o Banco Central, numa auditoria, teria identificado uma contabilização, numa conta inadequada, de um valor de R$4 bilhões num banco. Mas a notícia não dava a informação de qual era o banco - o veículo não obteve essa informação. Não se sabia se era a Caixa ou não.

    E uma outra matéria apontou que a Caixa havia solicitado à AGU a instauração, o acionamento de uma câmera de arbitragem, que existe e está prevista dentro da estrutura da AGU, para fazer a arbitragem de uma situação conflituosa entre a Caixa e o Tesouro, o Ministério da Fazenda, apontando que havia ali, na gestão - pelo menos da Caixa Econômica, naquele momento -, algo muito estranho acontecendo. Não é normal que um banco público federal solicite uma arbitragem para definir um conflito entre o banco e o seu ente controlador. Era algo que merecia ser investigado.

    Essa auditoria, essa representação, então, juntando com outras notícias de contabilidade criativa, do custo do PSI, da adoção de portarias que estavam postergando o pagamento em 24 meses, nós ampliamos o escopo para ver: "Vamos investigar a situação, então, do relacionamento com os bancos públicos federais." E foi aí que tudo tem início e se descobre.

    V. Exª fala da questão de 2015... Já em meados de 2015, no mês de julho de 2015, nós solicitamos informações aos bancos públicos envolvidos nos problemas de 2014, para ter um retrato da situação de 2015, para saber se a situação estava sendo saneada, se estava sendo agravada, se permanecia tal e qual. E fomos recebendo as informações, uns mais celeremente - a Caixa foi a última a encaminhar as informações, inclusive relativas ao FGTS também. Pediram prorrogação de prazo e só foi entregue no fim de setembro. Então, com essas informações completas, verificamos que a situação, na verdade, se agravava, com exceção da Caixa, que tinha interrompido o problema no final de 2014. Mas o saldo devedor no Banco do Brasil havia sido ampliado, e o saldo devedor junto ao BNDES também estava em crescimento. Então, houve um agravamento da situação. E o saldo devedor no FGTS também estava num valor altíssimo, por conta do Programa Minha Casa, Minha Vida, que estava utilizando recursos do FGTS, e não do Tesouro, como previsto no orçamento.

    Então, havia ali um valor da ordem de R$40 bilhões em pedaladas, pendentes de pagamento. E esse valor é que justifica a necessidade de um ajuste de meta. Além do desajuste fiscal provocado pelo excesso de desoneração tributária e também pela concessão de crédito subsidiado, que aumentou o custo das subvenções sociais, havia um valor atrasado. Esse valor atrasado que precisava ser quitado, da ordem de R$40 bilhões, teve que caber nessa nova meta de déficit de R$119 bilhões, para que pudesse quitado. Então, isso explica uma mudança de meta tão drástica ocorrida, que nunca tinha ocorrido antes.

    Esses benefícios...Os beneficiários, assim...Não foi escopo da auditoria, em nenhum momento, saber quem são os beneficiários do Plano Safra, se são os agricultores do Brasil ou do BNDES. Agora, os débitos angariados, mantidos ilegalmente junto às instituições, são, por ordem decrescente de tamanho, maior no BNDES, que faz a operação do PSI. Então, é recuo...

(Soa a campainha.)

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - ... é dinheiro subsidiado para empresários. Em segundo lugar, o Banco do Brasil e o Plano Safra e, em terceiro lugar, a Caixa, no seu pico, chegou a 6 bilhões, no valor máximo. O Banco do Brasil chegou a 13,5, e o PSI chegou a 20 bilhões.

    Bom, a Lei nº 8.429 não exige que haja prévio pronunciamento do Tribunal de Contas para que situações de improbidade estejam configuradas. Nesse trabalho no Tribunal...O Tribunal tem a Secretaria de Macroavaliação Governamental, com mais de 20 auditores que trabalham anualmente no acompanhamento das contas públicas. Há também o trabalho dos Gabinetes dos Ministros, do Ministério Público. Nas contas de 2015, quem atuou foi o Procurador-Geral, Dr. Paulo Bulgarim, que confirmou as mesmas práticas apontadas nas representações que havíamos feito no ano anterior.

    Sim, há...

(Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Agradeço ao Dr. Júlio Marcelo.

    Drª Janaina, V. Exª tem mais quatros minutos agora. Depois, o Sr. Júlio terá mais quatro para responder.

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Pois não, Excelência. Muito obrigada.

    De certa forma, o Dr. Júlio respondeu e ficou bastante claro que o trabalho feito perante o TCU não foi um trabalho isolado do Dr. Júlio. Então, acho importante que isso fique frisado. Inclusive, com relação a 2015, quem fez foi o Procurador-Geral do TCU, Dr. Paulo Bulgarim.

    Mas eu gostaria, Dr. Júlio, de voltar à manifestação do Dr. Ivan Marques. Por quê? Porque o Dr. Ivan Marques fez uma análise dos mesmos fatos analisados pelo senhor, à luz do Direito Penal. E ele aplicou uma visão bastante garantista, no sentido de não trabalhar com a definição de operação de crédito da Lei de Responsabilidade Fiscal que visa a uma maior proteção das finanças públicas, e sim com uma definição bastante restritiva. Nem vou entrar no mérito se concordo, se o senhor concorda, mas ele optou por esse caminho que, no campo do Direito Penal, é um caminho.

    No entanto, diferentemente do que a Defesa vem levantando, esse parecer do Dr. Júlio é um parecer bastante extenso. É um parecer extenso que traz uma série de considerações. Eu não tenho como ler o parecer inteiro, mas vou ler alguns trechos e gostaria de saber se o senhor concorda com as afirmações do colega - acho que posso dizer que é seu colega. Diz aqui o Dr. Marques:

Como se observa da representação do TCU, as 'pedaladas fiscais' consistem de uma gama de atitudes, no mínimo suspeitas, todas voltadas ao mesmo objetivo: maquiar o resultado fiscal [palavras do Dr. Marques] (...) Como forma de explicar a operacionalização da 'maquiagem', pode-se confrontar os seguintes trechos do depoimento prestado ao MPF...

    Aí o Dr. Marques fala dos depoimentos prestados pelo ex-Secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ele também fala dos argumentos trazidos pelo segundo homem do Tesouro, que ficou em 2014 e em 2015 - Marcus Aucélio, se não me engano -, e ele refuta completamente todos os argumentos, digamos assim, de defesa dessas duas pessoas.

    E ele diz:

(...) a adequação do resultado primário deveria ser buscada por meio da redução de despesas e não por meio da 'camuflagem' de dívidas. (...) 'o alcance da meta de resultado primário não é um fim em si mesmo, mas um meio para o controle e a gestão da dívida pública'. (...) Por meio das 'pedaladas', diferentemente, foi possível segurar no caixa o valor devido, mantendo o correspondente passivo oculto. Assim, camuflada a dívida, esse valor poderia ser utilizado em outras funções.

(Soa a campainha.)

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Essas são palavras do Dr. Ivan Marques, e não do Dr. Júlio Marcelo.

    Aí ele lista os argumentos de defesa e diz: "No entanto, o argumento é falacioso, já que os prazos de carência concedidos pelo BNDES ao pagamento do principal não se aplicam aos juros. "

    Aqui ele fala ao mesmo tempo de BNDES e Safra, BNDES e Banco do Brasil. E aí ele traz os detalhes... E ele entra:

Ou seja, [porque a Defesa diz o seguinte: "A gente também emite títulos, e eles demoram".] as emissões de títulos (dívidas do BNDES com a União) apareciam como créditos nas estatísticas fiscais, ao passo que os valores 'pedalados' da compensação da taxa da equalização eram suprimidos dessa conta, mantendo a maquiagem fiscal. (...) No caso do Plano Safra, muito embora não se tenha criado mecanismo engenhoso que buscasse legitimar os atrasos, como no caso [do BNDES] (...), os atrasos também ocorreram e, como em todos os casos aqui apontados, não eram captados...

(Interrupção do som.)

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL (Fora do microfone.) - O senhor concorda com esses fatos?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª terminou?

    Pois não.

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL (Fora do microfone.) - Só quero saber se ele concorda.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - O Sr. Júlio Marcelo com a palavra.

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - Pois não.

    Antes de entrar nesse ponto, para complementar as perguntas anteriores: em relação ao Dr. Nelson Barbosa, da mesma forma que em relação ao Dr. Dyogo Oliveira, o Ministério Público de Contas, no parecer que proferiu - no processo de responsabilização dos demais agentes responsáveis por esse sinistro -, também pediu a aplicação de penalidade de multa e inabilitação para o exercício de função pública por oito anos, de forma proporcional à gravidade das irregularidades cometidas - na visão do Ministério Público. Caberá ao Tribunal de contas aquilatar as condutas individuais, fazer o exame da culpabilidade, e os Ministros, então, deferirão as sansões adequadas para cada agente.

    A análise do Dr. Ivan Marques, quanto à maquiagem das contas públicas, está perfeita. E ele aponta uma improbidade cometida por esses atores, incluída a Presidente da República, não nominalmente identificada, mas ele diz que essa prática configura improbidade administrativa e que era orientada para a maquiagem das contas públicas.

    Quanto à operação de crédito, ele faz uma análise justamente voltada para o campo penal, sobre a influência dos eixos interpretativos do Direito Penal. E cada disciplina jurídica tem os seus eixos de interpretação; cada norma jurídica tem o seu eixo de interpretação. E na Lei de Responsabilidade Fiscal, para a defesa do equilíbrio fiscal e proteção das contas públicas, o conceito de operação de crédito, o eixo interpretativo, baseado no próprio texto legal, é de uma interpretação ampla do conceito. Por isso se utiliza a expressão "e outras assemelhadas", para evitar que o gestor, manipulando, fazendo jogo de palavras, crie situações em que ele obtenha o resultado proibido, utilizando formas e conceitos aparentemente apenas diferentes.

    O Ministro relator das contas das pedaladas, do processo específico do Acórdão 825, chega a dizer textualmente que criou-se uma situação análoga a um cheque especial em que há um saldo devedor diário rendendo juros, e a União foi usando, foi dispondo do caixa do Banco do Brasil e do BNDES e da Caixa Econômica como se um cheque especial fosse; e se perguntou ainda como é possível que R$40 bilhões pudessem passar despercebidos das estatísticas do Banco Central. Essa é a análise que o Ministério Público de Contas também faz, compartilha.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2016 - Página 110