Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
JANAÍNA CONCEIÇÃO PASCHOAL
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2016 - Página 118
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, INFORMANTE, RICARDO LODI RIBEIRO, ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Muito obrigada, Sr. Presidente, cumprimento o Prof. Lodi.

    Professor, eu vou fazer algumas perguntas para compreender o pensamento do senhor. No início da sua fala, o senhor disse que não se poderia trabalhar com uma ideia de analogia para fins de caracterizar o que seriam as operações de crédito. Eu entendo que a analogia ocorre quando não se trabalha com algo que já está escrito na norma, mas, sim, com algo que não está na norma. No art. 29, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, está expressamente referida a expressão outras operações assemelhadas.

    Eu gostaria de compreender o que para o senhor a lei quis dizer com essa expressão. Porque, por exemplo, o Prof. José Mauricio Conti, analisando que a finalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal é bem preservar as finanças públicas, a própria responsabilidade fiscal, a transparência, entende que a lei quis, sim, conferir uma maior amplitude à ideia do que sejam as operações de crédito. Então, isso não é resultado de uma analogia mas, sim, da vontade do legislador e da norma expressa. Então, eu gostaria de compreender, na sua avaliação, o que seriam essas operações assemelhadas?

    Queria entender também, como a Defesa fala muito que não há contrato, não há contrato, eu gostaria de entender se o senhor - pela sua concepção - necessariamente para haver contrato é necessário que exista um instrumento? Porque eu entendo que o contrato existe, independentemente de um instrumento materializando. Então, eu gostaria de saber se, na sua opinião, na sua concepção, o contrato se confunde com o instrumento?

    Um pouquinho mais cedo, o Dr. Nelson Barbosa foi ouvido e disse que, diferentemente do BNDES, onde havia o prazo de 24 meses, que também não foi respeitado, no caso do Banco Safra, não haveria um prazo, e aí o Tesouro pagaria conforme a sua disponibilidade. São palavras do Dr. Nelson Barbosa: que o Tesouro pagaria conforme a sua disponibilidade. Eu pergunto ao senhor: seria razoável essa ideia de que o Tesouro pode pagar quando bem lhe aprouver? É razoável que isso ocorra? E, também, se fosse uma instituição privada, isso seria possível? Seria possível que o Tesouro escolhesse quando pagar a um banco privado?

    Se eventualmente o senhor entender que isso é razoável, eu pergunto ainda se essa interpretação é coerente com a própria origem da Lei de Responsabilidade Fiscal. Porque, voltando um pouquinho no histórico da lei - e o senhor sabe disso melhor que ninguém -, ela veio à tona, ela foi concebida - aliás, foi uma grande luta para a gestação, para o nascimento dessa lei - justamente em virtude da instrumentalização que os governos de alguns Estados fizeram com relação aos seus bancos públicos. Então, eu gostaria de entender: quando o ex-Ministro afirma ou quando se concebe a possibilidade de o Tesouro escolher quando pagar, nós não estamos ferindo a própria função da Lei de Responsabilidade Fiscal?

    Eu também gostaria de lembrar a terminologia utilizada no art. 36 da própria Lei de Responsabilidade Fiscal, que faz expressa referência de que é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que controla na qualidade de beneficiário. Essa ideia do controle, de a instituição financeira ser controlada, está muito presente no art. 36. Eu gostaria de ouvi-lo um pouquinho sobre isso e também sobre o que há no art. 38 relativamente à operação de crédito por antecipação, porque o art. 38 não trata das instituições públicas, mas trata das privadas. E fica claro que até mesmo para instituições privadas o governo está...

(Soa a campainha.)

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - ... proibido de fazer operações de crédito por antecipação quando não resgatou as anteriores, no último ano de mandato. Isso não teria ocorrido, digamos assim, neste caso? Tudo bem que estamos tratando de 2015, mas, em 2014, houve uma série de operações, que eu entendo como sendo de crédito, sem o resgate das anteriores, e nós estávamos em um ano eleitoral. Eu gostaria de ouvi-lo, se possível, sobre o art. 36 e também sobre o art. 38.

    Também eu gostaria de entender por que, conforme a página... Ah, não pode fazer referência ao parecer, mas houve... Eu deixo o senhor responder essas e eu continuo, Professor. Desculpe.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Obrigado, Drª Janaina.

    Prof Lodi, com a palavra.

    O SR. RICARDO LODI - Agradeço a Profª Janaina por ter deixado algumas perguntas para um segundo momento, porque já temos seis perguntas. Vamos tentar ser objetivos.

    A respeito do conceito que o art. 29, inciso III, dá à operação de crédito é preciso saber as distinções entre uma admissível interpretação extensiva e uma vedada analogia, já que estamos tratando de uma norma que, combinada com os citados arts. 36 e 38, estabelecem vedações, estabelecem sanções. Portanto, quando dizemos que a analogia é vedada, estamos dizendo, primeiro, que não é possível estabelecer sanções por analogia; segundo, que só há analogia quando há lacunas. O art. 29, inciso III, de fato, estabelece uma enumeração exemplificativa. Temos lá várias operações de crédito e a expressão genérica e assemelhadas. Evidentemente, não podemos extrair daí a possibilidade de ampliar o dispositivo legal quando não há semelhanças. Como vamos buscar a semelhança no art. 29, inciso III? Nos elementos constitutivos daqueles negócios jurídicos que são descritos no inciso III. Todos eles se caracterizam por verdadeiras operações de crédito, independentemente do instrumento. Todos eles são baseados em contratos bilaterais, em que a vontade das duas partes faz-se relevante. Todos eles se caracterizam pela transferência de patrimônio do credor para o devedor com a promessa de, em determinado tempo, com base na confiança, haver a restituição com ou sem juros. Evidentemente, ainda que se utilize a ideia de responsabilidade fiscal, não é assemelhada uma obrigação ex lege, não é assemelhado qualquer inadimplemento legal ou contratual, porque, se nós formos adotar, Profª Janaina, a interpretação que o TCU está querendo impor, nós vamos chegar à conclusão, Presidente, de que a União não pode contratar com os bancos que ela controla, porque, em qualquer relação contratual, pode surgir o inadimplemento, gerando um direito de crédito. Está se tentando confundir direito de crédito com operação de crédito. O crédito pode surgir com base na vontade, com base no ato ilícito, com base na declaração unilateral de vontade. Não podemos interpretar o art. 29, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal como uma vedação a um potencial crédito que os bancos tenham contra a União, porque, se assim o fizermos, estaremos proibindo que a União contrate com seus bancos, o que não o menor sentido. Portanto, analogia se faz, porque o inadimplemento das subvenções econômicas não é extraído de nenhum dos sentidos possíveis oferecidos pela literalidade do texto, sequer com a expressão genérica e assemelhados, porque não há semelhança entre obrigação ex lege inadimplida e operação de crédito.

    Segunda pergunta. O contrato precisa, com instrumento ou sem instrumento, independentemente do nomen juris, ter uma conjugação de vontades prévia. O contrato de operação de crédito com ou sem instrumento não deriva de um inadimplemento de obrigação ex lege. Por isso, também analogia não é possível.

    Sobre ausência de prazo para pagamento das subvenções econômicas do Plano Safra, só quando houver disponibilidade financeira, o regramento anterior vigente, no momento em que os atos foram praticados supostamente, era lacunoso, merecia reparos, como foi feito depois da decisão do TCU, mas isso não significa que se possa, naquele momento, considerar ilegal, porque esse regramento sem prazo para pagamento está aí desde 1992. Claro, o Banco do Brasil, como pessoa jurídica de direito privado que é, poderia exercer o seu direito de crédito, poderia ajuizar ações, poderia, como a Caixa Econômica fez, utilizar a câmara de arbitragem do Governo Federal, poderia exercer o seu direito de crédito, mas isso não se traduz em operação de crédito.

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO LODI - Portanto, pegando o histórico da lei, quando se pretendeu evitar que os governos estabelecessem operações de crédito com os seus bancos, evidentemente, nunca se pretendeu impedir que existisse outro tipo de relação jurídica entre bancos e governos, porque o que se pretende com essa tese é evitar que a União vire devedora dos bancos. É isto o que o TCU estabeleceu: a União não pode ser devedora dos bancos. Isso significa que a União não pode contratar com os bancos, porque o inadimplemento é uma possibilidade inerente a qualquer relação contratual.

    Os arts. 36 e 38 não se aplicam ao caso concreto da Lei de Responsabilidade Fiscal, porque tratam de operação de crédito. E o art. 29, inciso III...

(Interrupção do som.)

    O SR. RICARDO LODI (Fora do microfone.) - ... não prevê...

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Obrigado, Professor Lodi.

    Drª Janaina Paschoal, para as reperguntas.

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Obrigado, Excelência.

    Ficou faltando só se é natural que o ente controlador decida quando pagar e até que ponto esses bancos controlados têm essa vontade para poder fazer um contrato ainda que sem instrumento. Esse é um ponto.

    Eu gostaria de ouvir o Professor com relação à decisão de pagar na íntegra. Tem no parecer do senhor referência a uma nota técnica que mostra que, quando se determinou a escrituração, decidiu-se pagar na íntegra, no seguinte raciocínio: já que tem que escriturar, vamos pagar - muito embora houvesse um encadeamento, uma possibilidade de parcelamento. Eu gostaria de ouvi-lo o porquê dessa decisão ou qual é a sua avaliação sobre essa decisão.

    Eu também gostaria de saber se, no acórdão de 2009 - não estou dizendo nas tabelas, nem na tese da Defesa, mas no acórdão -, existe uma análise exaustiva da compatibilidade de decretos abrindo créditos suplementares. Eu pergunto isso, porque o Dr. Nelson Barbosa reconheceu que, no acórdão de 2009, não havia uma análise exaustiva. Ele disse que, em 2015, houve e que ele passou a concluir que teria havido análise com base em uma tabela que viu na Defesa da Senhora Presidente. Então, minha pergunta é: no corpo do acórdão, foi feita uma análise exaustiva da compatibilidade entre os decretos eventualmente baixados em 2009?

    E, para finalizar, Professor, eu vou ler alguns trechos do parecer do Procurador Ivan Marx, porque eu gostaria de saber qual é a opinião do senhor, como professor, sobre esses trechos. O parecer tem sido muito citado aqui, no plenário, mas sempre no que diz respeito às operações de crédito. Porém, o Procurador foi muito explícito no que diz respeito ao fato de o Governo Federal ter recorrido às pedaladas para maquiar as contas públicas. Então, por exemplo, diz assim:

[...] a adequação do resultado primário deveria ser buscada por meio da redução de despesas e não por meio da 'camuflagem' de dívidas. [...] o alcance da meta de resultado primário não é um fim em si mesmo, mas um meio para o controle e a gestão da dívida pública. [...]

Por meio das 'pedaladas', diferentemente, foi possível segurar no caixa o valor devido mantendo o correspondente passivo oculto. Assim, camuflada a dívida, esse valor poderia ser utilizado em outras funções.

    Ele pega os depoimentos de Arno Augustin, de Nelson Barbosa, de Marcus Aucélio e refuta um a um. Ele sempre utiliza termos assim: o argumento é falacioso.

(Soa a campainha.)

    A SRª JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL - Diz assim:

Os valores 'pedalados' da compensação da taxa de equalização eram suprimidos da conta, mantendo a maquiagem fiscal.

[...] o prazo de 24 meses, justificado falsamente sobre o argumento de ajuste aos prazos de carência [...], representou uma maliciosa forma de justificar a prorrogação do atraso nos pagamentos, dando aparência de legalidade [...]

No caso do Plano Safra, muito embora não se tenha criado um mecanismo tão engenhoso [...], os atrasos também ocorreram e, como em todos os casos aqui apontados, não eram captados pelas estatísticas do Bacen.

    Eu gostaria de saber: como o senhor, como um grande conhecedor desta matéria, senhor avalia essas frases do Procurador Ivan Marx?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Sr. Ricardo Lodi com a palavra.

    O SR. RICARDO LODI - Obrigado, Profª Janaina.

    Vou tentar responder sinteticamente às quatro perguntas adicionais.

    Em relação ao ano de 2015, é natural que o Governo Federal pague no prazo que o Senador Anastasia colocou no seu relatório 2, em quatro meses, as subvenções econômicas? Parece-me que isso é uma rotina administrativa em vários setores do Governo. Eu acho que é positivo o regramento que se deu depois da decisão do TCU, estabelecendo prazos mais rígidos. Acho que avançamos nesse ponto, mas evidentemente esses prazos não podem retroagir.

    Por que pagou em dezembro? Eu nunca integrei o Governo Federal, não posso responder a essa pergunta, mas, pelo que acompanhei na imprensa, se pagou em dezembro por causa do PLN 5. Foi possível descontingenciar dando espaço orçamentário para efetuar o pagamento.

    O acórdão do TCU de 2009 não trata de decretos suplementares, mas trata de decretos de contingenciamento. A questão jurídica que está sob apreciação nossa neste momento é se os projetos de lei que alteram a meta já devem constar do relatório bimestral antes de serem aprovados pelo Parlamento. A resposta do TCU é: "Sim, devem constar, desde que, no último relatório bimestral, se aplique a meta vigente". É exatamente isso que ocorreu em 2015. Quando se diz que essa discussão não foi abordada em profusão pelo acórdão, é porque foi suscitada pela área técnica, e o acórdão diz: "Não, o projeto de lei foi aprovado, portanto, não há mais questionamentos em relação a essa matéria". É bastante conclusivo a respeito desse tema. Portanto, houve uma virada jurisprudencial importante.

    Sobre o parecer do Procurador da República que é citado, Ivan Marx, nesse ponto que a Professora leu a respeito da maquiagem, da camuflagem, do passivo oculto, eu não concordo. E vou ser muito objetivo em relação a isso - embora isso não seja objeto do processo de impeachment, porque o Relator na Câmara dos Deputados excluiu essa matéria por não ser responsabilidade da Excelentíssima Presidente da República.

    Mas, de todo modo, já que a pergunta foi feita, e o parecer do Procurador da República aborda não só 2015, mas também 2014...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO LODI - Mas é preciso ressaltar que o Banco Central seguiu rigorosamente o regramento que era previsto pelo Banco Central desde 1991, que segue regras internacionais aprovadas pelo Fundo Monetário Nacional.

    Obviamente, o Senado tem competência para estabelecer uma disciplina diferente, e deve fazê-lo. Mas a disciplina o Banco Central escriturou dessa forma, pelo regime de caixa, ou seja, no momento do pagamento, não por uma decisão da Senhora Presidente da República, não por uma decisão dos seus ministros, não por uma decisão da diretoria do Banco Central, mas por uma imposição da norma vigente, que segue padrões internacionais.

    Portanto, não vejo fraude, camuflagem ou passivo oculto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2016 - Página 118