Discurso durante a 18ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene do Congresso Nacional destinada a homenagear o centenário de nascimento de Miguel Arraes de Alencar.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene do Congresso Nacional destinada a homenagear o centenário de nascimento de Miguel Arraes de Alencar.
Publicação
Publicação no DCN de 15/12/2016 - Página 29
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MIGUEL ARRAES.

     A SRA. LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB-BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srs. e Sras. Senadoras e Deputadas, senhores e senhoras ilustres convidadas, estamos hoje aqui para celebrar os 100 anos de nascimento, a memória e a vida de uma das figuras públicas mais importantes da história de nosso País.

      Miguel Arraes foi muito mais do que um político, mais do que um Governador, mais do que um gestor público. Foi, essencialmente, um inspirador de várias gerações, na qual me incluo, sentimento que sei compartilhar com muitos dos que se fazem presentes nessa sessão solene.

      Eu tive o privilégio de conviver com o Dr. Arraes nas reuniões do partido, de compartilhar a luta política pela afirmação do PSB. E confesso que, nos dias terríveis que vivemos, sua ausência se agiganta! A integridade com seus princípios políticos era nele uma índole. Era um compromisso de vida. Mesmo quando elaborava sobre questões de política internacional, ele guardava uma capacidade singular de amarrar aquele raciocínio complexo à simplicidade do povo de sua aldeia. Sua força vinha dessa sensibilidade e lealdade ao seu povo e as suas raízes, as profundas raízes do nosso sertão.

      Único homem entre os sete filhos de José Almino Alencar e Maria Benigna Arraes, Miguel Arraes de Alencar nasceu no dia 15 de dezembro de 1916, em Araripe, Ceará, onde frequentou os primeiros anos de escola. Em 1932, concluiu o curso secundário no Colégio Diocesano, no Crato, também no Ceará, e em seguida mudou-se para a capital pernambucana. Casou em 1945 com Célia de Souza Leão, que faleceu após 16 anos, deixando oito filhos pequenos. O Deputado casou-se pela segunda vez no ano seguinte, com Magdalena Fiúza, com quem teve mais dois filhos.

      Advogado de formação, economista por profissão e homem público por vocação, foi Deputado Estadual, Federal, Prefeito de sua querida Recife e Governador de Estado. Nessa primeira experiência no Palácio das Princesas, em 1962, depois de uma administração aprovada pela população de Recife, Miguel Arraes implantou programas na área de educação e no setor rural. O “Acordo do Campo”, assinado em seu gabinete, teve como princípio a implantação da justiça na relação trabalhista dos canavieiros com os donos de usinas, fortalecendo as Ligas Camponesas e a organização popular -- um programa de cultura popular, com seu amigo Ariano Suassuna.

      Não aceitando se render ao autoritarismo, resistindo ao golpe militar com seu colega, Governador dos gaúchos, Leonel de Moura Brizola, foi deposto e preso na Ilha de Fernando de Noronha, sendo depois obrigado a abandonar o País justamente por esse ideal, ao qual se manteve coerente durante toda a sua trajetória política.

      Seu exemplo de luta em defesa dos menos favorecidos, naquele contexto irracional da Guerra Fria, não passaria em vão. Condenado, à revelia, a 23 anos de prisão por subversão, não lhe restou alternativa a não ser o exílio. Acabou indo para a Argélia, com sua esposa e seus dez filhos ainda pequenos, vivendo as duríssimas dificuldades de tantos brasileiros e brasileiras expulsos de seu País por um regime infame.

      Sua opção pela Argélia deveu-se à luta anticolonial e aos problemas sociais que se assemelhavam, aos seus olhos, aos enfrentados no Brasil, sobretudo na Região Nordeste. Essa experiência amarga do exílio ampliou ainda mais seus horizontes. E acentuou a sua compreensão sobre a nefasta ação imperialista sobre os povos do Terceiro Mundo.

      Com a anistia, em 1979, volta ao Brasil literalmente nos braços do povo, quando uma festiva multidão o recebe no Aeroporto de Recife, que anunciava “Arraes taí!, Arraes taí!”

      Sua figura mitológica e seus ideais nacionalistas e compromisso com a participação popular ficaram ainda mais fortalecidos.

      Ingressa no PMDB e se elege novamente Governador de Pernambuco em 1986, com um Governo, como o primeiro, nos agora distantes anos 60, voltado para políticas sociais, de incremento à agricultura familiar e de fomento aos pequenos produtores rurais. Promoveu, também, um inédito, à epoca, programa de eletrificação rural, que beneficiou centenas de milhares de famílias do campo.

      Em 1990, Miguel Arraes filia-se ao Partido Socialista Brasileiro, tornando-se seu Presidente e sua maior liderança nacional. Como socialista, refletia sobre a necessidade de transformações mais profundas no Brasil:

Eu acho que a humanidade tem de encontrar um sistema que busque uma solução satisfatória para todos e pregue a pacificação das relações humanas. O socialismo seria essa busca da solução satisfatória para todos...

      Em 1994, elege-se para o seu terceiro mandato como Governador, novamente aclamado pelo povo pernambucano. Acabou pagando caro por ser oposição ao Governo Federal, sofrendo com a asfixia de recursos e com a grave crise fiscal dos anos 1990.

      Nesses tempos em que todos os esforços são feitos em nome da estabilidade econômica, asseverava, colocando os pingos no is:

A estabilidade que nós queremos é a que permite reformular de modo construtivo os rumos do país, abrindo caminho para a consolidação de uma Nação onde brasileiros não sejam tratados como estrangeiros, separados pelo fosso de vergonha entre os que comem três vezes ao dia e os que nada comem.

      Mas também alertava que a “estabilidade total só existe na morte, e nós não queremos morrer, queremos sobreviver”.

      Foi nesse Governo que, em 1995, assume a Secretaria Estadual de Cultura Ariano Suassuna. Essa parceria entre Arraes e Ariano ressalta mais uma faceta do líder nordestino, seu apego pela cultura popular e sua valorização, como um relevante saber popular. As aulas-espetáculo que eram ministradas por Ariano sintetizavam um esforço bem-sucedido do Governo para difundir no Estado e no Brasil a cultura pernambucana e nordestina.

      Em 2002, Arraes disputou pela última vez uma eleição, quando se elegeu Deputado Federal por Pernambuco. Presidia o PSB quando morreu, no dia 13 de agosto de 2005, de infecção generalizada. Seu funeral foi uma demonstração impressionante de carinho pela população de Pernambuco, o povo a quem dedicara toda a vida, aos milhares usando seus chapéus de palha, símbolo dos programas sociais de Arraes para o campo. Artistas, intelectuais, sindicalistas e líderes nacionais de todas as ideologias prestaram suas últimas homenagens, numa demonstração emocionante de reconhecimento e respeito.

      Além do próprio exemplo de luta, coragem e integridade política, Arraes também legou à política nacional uma das mais brilhantes e promissoras lideranças, cuja vida foi, infelizmente, abreviada pelo trágico acidente de avião que o vitimou: seu neto, Eduardo Campos. Eduardo também se elegeu ao Governo de Pernambuco. significando uma retomada de muitos dos compromissos e programas do Governo de seu avô, que, com uma imensa capacidade administrativa, conseguiu renovar, ampliar e modernizar, criando uma referência de gestão governamental para as atuais gerações de gestores públicos.

      Neste momento perigoso em que vivemos, de profundo descrédito com a política e com os políticos, em que está posta em xeque a própria democracia, nos inspiremos em Miguel Arraes! Um sertanejo do mundo, que fugia das classificações e dos reducionismos e assim se definia:

Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à Nação como um todo.

      É esse exemplo de brasileiro que hoje aqui reverenciamos naquele que seria seu centésimo aniversário.

      Que o Partido Socialista Brasileiro saiba honrar o seu legado.

      Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 15/12/2016 - Página 29