Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição da reforma na Previdência Social.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Defesa da rejeição da reforma na Previdência Social.
Aparteantes
Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2017 - Página 36
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA, FAVORECIMENTO, PREVIDENCIA PRIVADA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, APOIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PREVIDENCIA SOCIAL.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, todos que nos acompanham pelos órgãos de comunicação da Casa, certamente, esta tribuna começou a ser ocupada no dia de hoje, desde cedo, mais pelas mulheres que pelos homens. Provavelmente, o estímulo do 8 de março funciona nesta Casa, neste momento, para convocarmos todas as mulheres brasileiras à luta, à mobilização, que hoje é internacional, que nesta semana ocorrerá no mundo inteiro: a parada das mulheres no mundo, para combater os retrocessos em relação aos seus direitos.

    Eu quero, Sr. Presidente, falar sobre um tema que tem a ver com as mulheres, mas não diretamente. Eu acho que muitos aqui viveram seus dias de infância durante a Guerra Fria. Naqueles tempos, sem internet, duas máquinas gigantescas de propaganda disputavam nossos corações e mentes, contrapondo dois mundos ideais: o sonho americano versus a utopia revolucionária soviética. Mesmo sob as densas sombras do holocausto nuclear, essas duas visões ofereciam-se como soluções otimistas e de esperança em um futuro melhor para toda a humanidade. Muitos analistas atribuem a essa disputa os avanços de direitos e benefícios alcançados pelos povos, que ficaram conhecidos genericamente como Estado de bem-estar social. Com a queda do muro de Berlim, naqueles novos tempos de fim da história, assistimos a um monólogo sobre a necessidade de reversão dessas conquistas sociais, sempre em nome do ajuste das contas públicas. Desde a década de 90, o capital financeiro internacional viu consolidada sua hegemonia sobre a economia internacional, recusando qualquer regulamentação, destroçando economias nacionais do dia para a noite. Parece seguir insaciável, promovendo um crescente ataque aos direitos sociais dos povos e uma brutal concentração de riquezas, como jamais vista na história da humanidade.

    A previdência social, por constituir reservas financeiras das mais expressivas em todas as economias nacionais, não ficaria fora do alvo dos interesses do grande capital financeiro internacional. Em todo o mundo, os sistemas das previdências tradicionais passaram a ser modificados com reformas sempre em desfavor dos aposentados. Uma narrativa comum serviu a todas essas alterações: os países se deparam com o envelhecimento de suas populações, com mais aposentados beneficiários e menos trabalhadores ativos contribuintes. Essa equação tornaria impossível manter o equilíbrio nas contas e assim honrar os benefícios no futuro. Seja na Grécia, seja na Suécia, seja na França, as reformas, em geral, foram duras. Medidas benéficas para os contribuintes foram raras, apesar de existirem, como no caso da Alemanha e do Japão. Todas seguiram um manual comum, quase um dogma: a redução de benefícios, a ampliação do tempo de contribuição e a definição ou aumento da idade mínima para aposentadoria.

    Para aqueles que agora repetem a mesma fórmula e apontam para esses países como exemplos a serem seguidos, quero alertá-los: nossa realidade demográfica é absolutamente diferenciada desses exemplos, ou seja, estão propondo o mesmo remédio amargo para doenças completamente diferentes.

    Hoje, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), a França gasta 13,8% do seu PIB em benefícios previdenciários, acima da média dos países da organização, que é de 7,9% do PIB, para um percentual de 18,13% de franceses idosos. A Alemanha gasta 10,6% do PIB, igualmente acima da média dos países da OCDE, para uma Alemanha de 21,4% da população que têm mais de 65 anos de idade. Com 20,2% da população com mais de 65 anos, a Grécia gasta 14,6% do PIB em benefícios previdenciários, também acima da média daqueles países. A Suécia gasta 7,4%, mas lá, notem bem, 20% da população possuem mais de 65 anos de idade. O Japão gasta 10,2% do PIB em benefícios previdenciários, e nada menos que 26,4% dos japoneses já passaram dos 65 anos de idade, ou seja, mais de um quarto da população japonesa atingiu a idade para se aposentar.

    E no Brasil? No Brasil, a previdência social brasileira custa 7,4% do PIB, segundo a mesma OCDE, mas aqui os que têm mais de 65 anos são apenas 8% entre os brasileiros. São 8%, Srªs e Srs. Senadores! De fato, são números expressivos na relação entre a previdência e o Produto Interno Bruto: 7,4%. E a nossa situação demográfica, ou seja, o alardeado envelhecimento da nossa população, guarda anos-luz de diferença com a situação dos demais países citados.

    Estou convencida de que há outras razões que movem esse verdadeiro ataque à previdência pública dos brasileiros.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) – Senadora Lídice.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – Pois não, Senadora Vanessa.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) – Se V. Exª me permite um aparte, um breve aparte.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – Pois não. É claro, é claro.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) – É apenas quero registrar a presença no plenário da Casa...

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – Com alegria.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) – ... das mulheres empresárias, empreendedoras, que, como nós, estão na luta em defesa dos direitos das mulheres e que aqui estão, porque vieram participar de um evento da abertura deste mês de março, mês da mulher. Então, temos entre nós várias empreendedoras mulheres. A nossa querida Luiza Trajano será palestrante no dia de hoje no Senado, logo mais, no auditório Petrônio Portella. Para nós, é uma alegria, Senadora, trazer as mulheres aqui para fazer este registro quando V. Exª está na tribuna fazendo este belo pronunciamento. Aqui estão Senadoras bastante ativas. Nós programamos um mês de muito debate e de muita votação de projetos importantes. Quero dizer, Senadora, que estamos conversando com o Presidente, assim como fizemos na Comissão e no Conselho de Líderes hoje. Hoje, quatro projetos da Bancada Feminina serão votados neste plenário. Nós gostaríamos que se desse da mesma forma amanhã na Comissão de Constituição e Justiça. Um dos projetos que nós votaremos é o projeto de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves – está aqui a Senadora. É um projeto que determina um percentual mínimo obrigatório de participação das mulheres nos conselhos das empresas estatais e que é abraçado pelas mulheres da iniciativa privada, que veem nesse projeto uma janela para que também as mulheres avancem no setor privado. Se reclamamos da sub-representação no Parlamento, da mesma forma acontece nos conselhos de empresas, pois as mulheres muito pouco deles participam. Então, eu quero aqui agradecer a presença de todas. São mulheres reconhecidas nacionalmente, respeitadas. Mais importante que isso tudo é que elas fazem parte conosco da luta para que outras mulheres também tenham mais espaço para mostrar sua capacidade e todo o seu potencial, numa Nação, num País que tanto precisa delas. Obrigada, Senadora.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – Muito obrigada, Senadora Vanessa. A presença dessas mulheres empreendedoras é motivo de orgulho para todas nós. Estaremos presentes nessa palestra que acontecerá daqui a pouco, com a presença das Senadoras também. Diversas Senadoras já se pronunciaram, mas aqui temos agora presentes a Senadora Simone Tebet, a Senadora Maria do Carmo, a Senadora Lúcia Vânia, a minha companheira Senadora Vanessa Grazziotin, a Senadora Gleisi Hoffmann, a Senadora Fátima e a Senadora Regina. Eu quero dizer que estaremos todas e mais outras presentes para debatermos as nossas experiências em comum. Mulheres à luta! (Palmas.)

    Obrigada.

    Como dizia, Sr. Presidente, a reforma da previdência do Governo Temer assenta-se em duas falácias fundamentais: o envelhecimento da população e um déficit estrutural crescente, apoiado em dados do IBGE colhidos pelo Secretário da Fazenda, Mansueto de Almeida, afirmando que a relação entre trabalhadores ativos e inativos cairá de 9 para 1 em 2015 para 4 para 1 em 2040. Esses números são veementemente questionados por diversos especialistas, dentre eles, cito a economista da UFRJ, Denise Gentil. Ela contesta a preocupação excessiva com o impacto do envelhecimento da população sobre a Previdência – por ela definida como "determinismo demográfico". Na verdade, temos aqui, senhoras e senhores, um velho artifício estatístico. Projetam-se no tempo as hipóteses mais negativas para sustentar um cenário predeterminado. Segundo Denise Gentil, mais importante do que realizar uma reforma previdenciária será adotar políticas macroeconômicas que levem a altas taxas de crescimento, que recuperem o emprego e o aumento da produtividade do trabalhador. Aí, sim, com o aumento efetivo das receitas, conseguiríamos a sustentabilidade efetiva e estrutural do sistema.

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – Peço que V. Exª desconte o tempo do aparte.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC. Fora do microfone.) – Pois não.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – A economista nos alerta ainda para o fato de que a Previdência não pode ser entendida apenas como um gasto público e uma transferência de renda aos mais pobres (aposentados e pensionistas), mas, acima de tudo, como um fator de desenvolvimento da própria economia nacional:

[...] é um gasto autônomo, quer dizer, [...] uma transferência que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, retorna das mãos dos beneficiários para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia.

    Quem é nordestina, como eu, sabe o impacto da aposentadoria do trabalhador rural nas pequenas cidades do Nordeste brasileiro, onde a economia toda se prepara para funcionar justamente nos dias em que o trabalhador rural recebe sua aposentadoria, movimentando a produção e movimentando a economia local. Igual efeito – ou próximo dele – ocorre também com o Bolsa Família nessas cidades.

    O Brasil pode passar pela mais amarga e injusta reforma da Previdência Social de sua história. As medidas propostas, entre as quais o aumento da idade mínima para 65 anos para mulheres e homens, ampliando o tempo de contribuição mínimo de 15 para 25 anos, e a redução dos benefícios já revelaram o seu caráter impopular.

    Diante do fracasso em convencer a opinião pública, mesmo com uma campanha milionária na mídia nacional, alardeia-se agora um déficit crescente da Previdência Social, tentando gerar uma insegurança profunda na população quanto ao futuro da nossa previdência. Mas a população, o povo trabalhador sabe que essa reforma vai contra os seus interesses para garantir os interesses de outros, para garantir os interesses das grandes previdências, dos sistemas de previdência privados em detrimento do sistema de previdência público e dos interesses daqueles que menor renda têm neste País, que são, portanto, os agraciados com as aposentadorias menores.

    Um estudo recente, organizado pela Anfip, pelo Dieese e pela Plataforma Política Social, rechaça a afirmação recorrente na grande mídia de que a Previdência Social seria a grande responsável pelo desajuste nas contas públicas.

    Para esses especialistas...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – ...o Governo defende esse ponto de vista – já vou terminar, Sr. Presidente – deixando de se referir aos gastos com juros sobre a dívida pública, que, em 2015, foram R$502 bilhões superiores aos gastos previdenciários, R$486 bilhões; às desonerações tributárias, que totalizaram R$280 bilhões em 2015 - o Governo Federal abre mão de cerca de 20% das suas receitas; e ao fato de que, anualmente, o Governo deixa de arrecadar cerca de R$452 bilhões em 2015, porque não há políticas eficazes de combate à sonegação.

    Quanto à sonegação, outros estudos revelam que pelo menos três dos principais devedores somam uma dívida de 426 bilhões, o que significa mais de três vezes os valores do anunciado pelo Governo como sendo o déficit atual da Previdência.

    Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós não estamos discutindo ou enfrentando uma reforma da previdência. Se fosse isso, certamente haveria quase um consenso nos Parlamentos e na sociedade, porque nós reconhecemos que, em um sistema complexo como o da previdência no nosso País, certamente há desvios, há fraudes, há manutenção de privilégios que precisam ser combatidos. O que nós estamos discutindo é muito mais do que isso. É uma reforma que se contrapõe aos interesses dos mais pobres e vulneráveis da população.

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) – São estes que vão pagar a conta amarga da crise econômica. Propor a um trabalhador rural do semiárido nordestino que se aposente aos 65 anos, com uma contribuição de 25 anos, ou mesmo de 15 anos, quando a sua expectativa de vida mal atinge 55 é mais do que injusto. É cruel, é desconhecer a realidade do povo brasileiro ou conhecê-la e ficar indiferente a ela. Assim como é simplesmente desumano desconhecer a realidade da dupla jornada da mulher brasileira, igualando em 65 anos as idades para as aposentadorias entre homens e mulheres.

    Mas, Sr. Presidente, nós temos uma rara condição de enfrentar isso de maneira diferente. O Senador Paulo Paim apresentou a esta Casa uma proposta de CPI da Previdência e fui uma das primeiras a assinar. Acredito que a sua realização vai oferecer ao País uma chance única de sairmos do debate retórico para uma profunda e corajosa abordagem sobre a questão da previdência pública no nosso País.

    Com essa iniciativa, o Senador Paim apresenta também uma chance ímpar para que o Senado Federal reassuma o protagonismo que deve ter na vida pública, na política nacional. Espero que não a desperdicemos.

    Por isso, Sr. Presidente, quero dizer da minha total adesão a essa CPI e à luta permanente, inclusive agora, no 8 de março, convocando as mulheres trabalhadoras deste País a se manifestarem nas ruas contra essa reforma terrivelmente prejudicial aos interesses das mulheres trabalhadoras.

    Coerente com a sua história, o PSB, Partido Socialista Brasileiro, se posicionou na sua reunião do diretório nacional em fevereiro contra essa reforma da previdência. Coerente com toda a minha vida, firmo aqui meu compromisso de lutar com todas as minhas forças contra essa ignomínia ao povo brasileiro.

    Muito obrigada, Sr. Presidente, inclusive pela paciência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2017 - Página 36