Discurso durante a 66ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de debates temáticos destinada a discutir o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 38/2017, que trata da reforma trabalhista.

Autor
ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Sessão de debates temáticos destinada a discutir o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 38/2017, que trata da reforma trabalhista.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2017 - Página 100
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, OBJETIVO, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), AUTORIA, GOVERNO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, DEFESA, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI.

    O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA – Obrigado, Senador Paulo Paim, que preside estes trabalhos já no avançado da hora, quase 18h, de um debate que começou por volta de 11h30. Saúdo também a nobre Senadora Ângela Portela, parabenizo-a pelo enfrentamento dessas questões aqui, no Senado nacional, e tento, de certa forma, trazer algumas ponderações ao que foi apresentado pelos Senadores, que expuseram aqui sua posição sobre o projeto, e também um pouco da nossa visão, complementando a nossa visão sobre esse projeto de reforma trabalhista, o PLC 38.

    Quero mostrar, Senador Paulo Paim, que, de fato, a Justiça do Trabalho tem sofrido muito com o preconceito, por supostamente ser uma Justiça extremamente protetiva. E eu tenho dados aqui, extraídos de um estudo feito por procuradores do Trabalho, que mostram dados extraídos de diagnósticos de juizados especiais do Relatório Geral da Justiça do Trabalho e que desmistificam essa questão da proteção.

    Só para efeito comparativo, o índice de procedência total de ações na Justiça do Trabalho é de 2%. No juizado especial do Rio de Janeiro, por exemplo, esse índice é quase o triplo, ou seja, 5,79%. E, de procedência parcial, que é quando o trabalhador não consegue obter tudo o que pediu, esse índice sobe para 19% na Justiça do Trabalho. Ou seja, não é um índice alto – um quinto das ações são julgadas procedentes; quatro quintos não são julgados nem parcialmente procedentes, o que derruba o mito de que a Justiça do Trabalho é protetiva e que pode favorecer o trabalhador. E, no juizado especial, esse índice é de mais de 40%, no juizado especial do Rio de Janeiro, Senador Lindbergh Farias, que nos acompanha.

    Com relação a essa questão do trabalho intermitente e de outros contratos precários que estão sendo trazidos nesse PLC, no malfadado PLC 38, nós entendemos que, primeiro, eles, de fato, precarizam e que, se vier a ser aprovado, Senadora Ângela Portela, não haverá geração de empregos. Isso é fato. Não sou economista, mas é uma avaliação majoritária daqueles com que nós conversamos – economistas, sociólogos, procuradores, juízes –, de que não haverá criação de empregos e que haverá migração de empregos por tempo indeterminado...

(Soa a campainha.)

    O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA – ... Senador Paim, para esses empregos que são empregos mais frágeis, empregos com tempo determinado, contratos precários que já têm um limite temporal para serem desfeitos, e também aqueles que fazem com que o trabalhador possa receber menos que o salário mínimo mensal, que é o trabalho intermitente e o trabalho em tempo parcial.

    Em nenhum momento, Senador Paim, Senadora Ângela Portela, esse projeto traz qualquer salvaguarda para a manutenção dos níveis de emprego dos atuais empregados formalmente contratados, de modo que, hoje, em sendo aprovado, em setores, por exemplo, de bares e restaurantes, você, trabalhador que nos assiste, vendedores do setor de varejo podem sofrer uma demissão em massa, pois não há qualquer garantia para a continuidade de seus contratos, podem ser demitidos do contrato do tempo determinado e recontratados como trabalhadores intermitentes.

    Então, se um pequeno restaurante tem, por exemplo, uma equipe de cozinha e de garçons, algo em torno de 20 trabalhadores, esse empregador pode demitir algo em torno de 15 trabalhadores, deixando uma equipe mínima de trabalhadores com tempo indeterminado e fazendo com que aqueles outros 15 trabalhadores, Senador Paim, possam ser contratados com trabalho intermitente, sem a garantia de um salário mínimo mensal e sem qualquer previsibilidade de que vão ganhar o suficiente para prover o sustento de suas famílias.

    Então, penso, e aí serve como sugestão – nós somos contra esse projeto –, que a reforma trabalhista pode até... Podemos fazer até alguma reforma trabalhista, mas essa reforma trabalhista não atende aos interesses nem do capital e nem do trabalho.

    Haverá, sobremaneira, uma diminuição da arrecadação, do poder aquisitivo do povo brasileiro, e isso impactará no crescimento da nossa economia. E daí fica como sugestão que se, eventualmente, o Senado se debruçar... E espero que o Senado não chancele esse projeto, que faça um debate profundo, não engula esse engodo de medida provisória. Não acho que o caminho da medida provisória seja o caminho natural, acho que o debate tem a altura e estatura suficiente, o Senado tem altura e estatura suficiente para debater esse projeto, reformar, com um debate aprofundado, e aprovar, devolvendo para a Câmara.

    Mas fica como sugestão que, se passar esse contrato intermitente, pelo menos, se garanta o mínimo, um percentual máximo, digamos assim, que se preveja um percentual máximo de contratação – algo em torno de um quarto, não sei, da equipe máxima, porque é justamente essa parte que pode ser variável –, que atenda a um eventual crescimento da demanda e não permita que toda e qualquer categoria, toda e qualquer atividade – com exceção dos aeronautas, que foram excluídos dessa questão – possa ser totalmente contratada por meio de contrato intermitente.

    E daí, como é a visão do Ministério Público do Trabalho, da ANPT e das associações de juízes e de advogados também, esse projeto, em vez de garantir o cumprimento da legislação, fomenta o descumprimento, restringe o papel da Justiça e o acesso à Justiça também, de forma que, hoje, com a aprovação desse projeto, o mau empregador – ressalte-se – vai ter inúmeros elementos, inúmeros instrumentos para poder: primeiro, retirar direitos para acordo individual – a questão do banco de horas, horas extras, jornada 12 por 36 – ou, por meio de negociação coletiva, fazer justamente a retirada de direitos com uma simples renúncia, sem qualquer contrapartida por parte das negociações com os sindicatos. E negociação coletiva envolve uma concessão recíproca, de modo que o trabalhador perca de um lado, mas ganhe por outro, e não tão somente uma renúncia, Senador Paim – e, do jeito que está, está apenas a renúncia.

    Então, dessa forma, o sindicato vai poder, por exemplo, retirar, começar a negociar a remuneração, estabelecendo, no contrato coletivo de trabalho, na negociação coletiva, a possibilidade de remuneração tão somente por produtividade, que é o que acontece com os cortadores de cana no Brasil. Já foi proibida, pela Justiça do Trabalho, essa remuneração para algumas categorias, especialmente no trabalho, na atividade penosa, uma remuneração tão somente por produtividade. Já houve casos de trabalhadores, cortadores de cana, que morreram por terem que trabalhar até o corpo não mais aguentar, porque tinham que cortar 15 toneladas por dia para ter a produtividade e conseguir o seu sustento. Então, isso vai fomentar, sim.

    E também a questão da retirada das próprias gorjetas. Há casos do Ministério Público do Trabalho de acordos coletivos em que nós impugnamos a destinação daquela gorjeta do garçom – parte, metade daquela destinação, era destinada ao empregador, e não ao empregado. Isso foi invalidado, Senador Paim. Esse texto dá possibilidade de que parte da gorjeta ou seja reduzida do patamar que hoje é, costumeiramente, 10%, ou seja destinada, em sua parte, para o empregado, retirando a sua natureza salarial e a natureza integral da gorjeta.

    Então, são essas e outras situações. Há a questão também da retirada da homologação pelos sindicatos – isso vai dar margem a uma sonegação desmedida de direitos.

    A legislação trabalhista traz vários direitos e, às vezes, não é fácil o trabalhador comum saber se ele tem aqueles direitos ou não. Por isso que é importantíssimo ter a participação do seu respectivo sindicato para que ele, no momento da rescisão acima de um ano, possa ter a garantia de que as verbas serão pagas a contento ou que, pelo menos, sejam ressalvadas no seu termo de homologação de rescisão, para que eventualmente ele possa cobrar isso na Justiça do Trabalho.

    E o projeto retira completamente essa possibilidade, deixando o trabalhador sem qualquer tipo de proteção do sindicato, e passando essa atribuição, de uma maneira, digamos, indevida, para a Justiça do Trabalho, aumentando o trabalho do juiz do trabalho, transformando o juiz do trabalho em um mero homologador de rescisões contratuais, criando a figura da jurisdição voluntária para essa homologação extrajudicial de rescisões.

    E dá margem também, Senadora Ângela Portela, para que, nesses acordos que são feitos pelo Judiciário – o juiz muitas vezes pode ser enganado –, seja dado margem a negociações de lide simulada e de fraude contra credores e fraude à execução, justamente tentando proteger o patrimônio daquelas empresas, para que o legítimo trabalhador, que tem o crédito a ser recebido, não possa receber, porque aquela lide simulada acabou por esvaziar o patrimônio da empresa. Na realidade, ele só fez, digamos, dar uma capa de que a empresa não tenha mais patrimônio.

    Então, são essas e outras situações que a gente entende, também a terceirização, algo importantíssimo, que está sendo trazido também por esse projeto. O projeto libera, de maneira indiscriminada, a terceirização na atividade finalística, acabando com a relação bilateral trabalhador-empregador.

    E deixo claro que nós, Ministério Público do Trabalho, não somos contra a terceirização pelo simples fato de sermos contra. Nós temos, em nossa atuação cotidiana, visto situações de total coisificação do ser humano, em que o trabalhador tem tido seus direitos totalmente sonegados e reduzidos numa terceirização.

    Hoje, de cada dez acidentes de trabalho, oito são com terceirizados; em cada cinco mortes por acidente de trabalho, quatro ocorrem com trabalhadores terceirizados. E daí o trabalhador acaba por ganhar menos. Quando você coloca um terceiro, numa relação entre o empregador e o empregado direto, aquele terceiro, para obter lucro, vai ter que tirar de alguém, e quem vai perder é o trabalhador.

    Então, se conseguíssemos... E aí acho que cai um pouco o argumento dos defensores, Senador Paulo Paim, que dizem: "Não, precisamos especializar o serviço para a empresa crescer." Então, que nós coloquemos no projeto dois pontos: a responsabilidade solidária da empresa tomadora, para que, se a empresa contratada não pagar, ela possa ser acionada diretamente pelo trabalhador; e a isonomia de direitos, de modo que o trabalhador terceirizado possa ganhar o mesmo que ganha um trabalhador diretamente contratado.

    Isso não querem colocar, justamente porque a intenção do projeto é precarizar a relação de emprego e passar essa negociação coletiva para um sindicato de trabalhadores terceirizados – com todo respeito aos sindicatos dos trabalhadores terceirizados – que, às vezes, passará a negociar condições de trabalho de centenas de categorias, que são terceirizadas e que não têm qualquer similitude de condições de trabalho, para que aquele sindicato tenha condições de negociar, em pé de igualdade, com o sindicato empresarial ou com a empresa diretamente. Então, são essas e outras questões que trazemos aqui com preocupação.

    Há aquela pergunta do Senador João Capiberibe no sentido de como fica a aposentadoria do trabalhador intermitente, se ele vai ter que contribuir 25 anos. Nós sabemos que a aposentadoria é contada em dias e não em anos – são dias que se transformam em anos, na realidade. Então, se o trabalhador passa a alternar períodos de trabalho, com dias de trabalho e dias de inatividade, ele não vai conseguir cumprir esse prazo de 25 anos em trabalho intermitente com menos de 45, 50 anos, ficando, ainda assim, com rendimento em cima de uma contribuição previdenciária que vai ser feita sobre o salário mínimo mensal. Então, ele não tem nenhuma garantia de que, nesses 45, 50 anos, terá uma aposentadoria com um piso salarial que permita ter uma condição melhor. Isso vai ser algo a ser enfrentado também. O trabalhador vai ficar sem poder se aposentar. É por isso que essa reforma trabalhista – é importante deixar claro – tem total relação com a reforma da previdência. Com a criação desses inúmeros contratos precários, não há dúvida de que o direito à aposentadoria vai ser sepultado, vai ser enterrado. O trabalhador vai passar muito tempo fora do mercado, sem contribuir, de modo que não vai alcançar os 40 anos para ter a sua aposentadoria integral, que hoje submeter-se-ia ao teto do regime geral, algo em torno de R$5 mil.

    Também há essa questão trazida pelo Senador Wilder Morais. Como eu já falei, a CLT já foi reformada em 85% – cai esse argumento. Já foram feitas diversas reformas trabalhistas.

    A questão, algo que é gritante, Senador Paulo Paim, Senadora Ângela Portela, é que o Relator, no texto aprovado lá na Câmara, traz um dispositivo com relação à parte do que pode e do que não pode ser objeto de negociação, dizendo, em seu parágrafo único, do art. 601, "b", salvo engano, que regras sobre duração de jornada e intervalos não são normas de saúde e segurança. Vejam que situação difícil a que nós estamos vivenciando! A luta da classe operária na Revolução Industrial, no final do século XIX e no começo do século XX, foi justamente em cima de melhores condições de trabalho e de menores jornadas. Retirar o conceito de jornada de trabalho como se não fosse algo relacionado à saúde é deixar o trabalhador totalmente em uma condição de insegurança, permitindo que os acidentes de trabalho e as mortes no trabalho aumentem de uma maneira drástica. Hoje, há, como já falei, mais de 700 mil acidentes de trabalho por ano, com mais de 4 mil mortes por acidente de trabalho por ano. É um prejuízo de mais de R$10 bilhões por ano ao Poder Público, com indenizações, com benefícios previdenciários. E, com esse projeto, eu não tenho dúvida nenhuma de que isso vai aumentar.

    Senador, são essas as principais ponderações.

    Eu queria dizer que, neste momento, também trago a visão como Secretário Executivo do Fórum Interinstitucional de Defesa do Direito do Trabalho e da Previdência Social. É um fórum que foi criado no âmbito do Ministério Público do Trabalho e que envolve a ANPT, a Anamatra, dos magistrados do trabalho, o Sinait, dos auditores do trabalho, advogados trabalhistas, todas as centrais sindicais, academia, pesquisadores que congregam esses interesses. Ele tem feito um trabalho maravilhoso justamente para tentar ampliar esse debate. Nós não estamos fugindo do debate. Só entendemos que essa reforma trabalhista, da forma como está formatada, não vai trazer crescimento para o Brasil. Ela vai aumentar a desigualdade social e vai aumentar o empobrecimento da população brasileira.

    Será que 99% dos membros do Ministério Público do Trabalho estão errados? Eu sou representante de 954 procuradores do Brasil e não conheço um procurador do trabalho que tenha assinado – podem até me mostrar, mas eu não conheço – um documento favorável a essa reforma trabalhista. Então, eu gostaria de deixar consignada essa posição dos procuradores do trabalho de rejeição a esse projeto, Senador.

    E nós nos colocamos ao debate. Gostaríamos de contribuir com cada um dos Senadores, para que nós aprofundemos este debate. Amanhã ou quarta-feira, vamos entregar uma nota técnica feita pela Anamatra, pela ANPT, pelo Sinait, pela Abrat – que é dos advogados trabalhistas – e pela Alal, que vamos deixar com cada um dos nossos Senadores. Confiamos muito no Senado, confiamos em V. Exªs e...

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Dr. Ângelo Fabiano.

    O SR. ÂNGELO FABIANO FARIAS DA COSTA – Pois não.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2017 - Página 100