Discurso durante a 86ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Comentários sobre a sessão temática destinada a debater os 25 anos da Rio 92 e da Convenção do Clima.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Comentários sobre a sessão temática destinada a debater os 25 anos da Rio 92 e da Convenção do Clima.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2017 - Página 62
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • PRONUNCIAMENTO, SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, ENERGIA RENOVAVEL, ECONOMIA SOLIDARIA, PROTEÇÃO, TRABALHO, IMPORTANCIA, MEIO AMBIENTE.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Uma boa tarde a cada uma e a cada um.

    Sr. Presidente, senhores que compõem esta Mesa, vou querer guardar uma foto, porque há muito tempo eu não vejo uma mesa tão respeitável neste Senado, não pelos cabelos brancos, meus caros, mas pelo conteúdo de ideias propostas e de lutas que vocês têm tido.

    Nós estamos aqui e de todo se falou muito sobre 1992, mas eu creio que a gente ainda não tem a dimensão exata do que aconteceu a partir de 72.

    Meu caro Goldemberg, você foi um dos que pela primeira vez ouvi falar nisso através do Prof. Sachs. Eu tenho a impressão de que o mundo nasceu em 72, no sentido do mundo de hoje. Ele tinha nascido – eu falo das ideias do mundo – com o Renascimento.

    O Renascimento trouxe uma visão de mundo que prevalece, mas foi 72 que permitiu descobrirmos coisas como o limite ao crescimento econômico. É claro que alguns intelectuais teóricos, o próprio Clube de Roma, já haviam trabalhado essa ideia, mas não era uma descoberta geral, como alguns desde a Grécia, diziam que a Terra era redonda. O mundo só descobriu que a Terra era redonda muito recentemente, depois das descobertas e da circunavegação.

    Foi a partir de 72 que se espalhou pelo mundo a ideia de que havia limites ao crescimento, que havia risco de esgotamento de recursos, que havia uma fragilidade ou até impossibilidade de o consumo satisfazer as aspirações humanas plenamente. Descobrimos que o desenvolvimento não reduzia necessariamente a desigualdade nem eliminava a pobreza, porque se acreditava, a partir dos anos 60, pelo menos nisso.

    Então, foi ali que os políticos participaram, representando os seus países, e de fato levantaram essa ideia. Em 92, ficou mais clara ainda essa posição política. Talvez, Jorge, lembrando o que você disse aqui - e ontem nos telefonamos e você me falou disso -, precisamos pedir desculpas ao povo brasileiro pelos nossos erros. Em 92 e em 72, os líderes do mundo começaram a pedir desculpas sobre o rumo do processo civilizatório inviável, insustentável.

    Em 1992 e 2012 – eu creio que o mundo havia sido criado dessa maneira como nós o vemos –, nós fizemos duas grandes reciclagens, Presidente Collor, e o Brasil deixa o seu nome na história da humanidade a partir disso. Nós participamos, nós estivemos presentes e nós mostramos que houve uma tomada de consciência. Mas, lamentavelmente, ainda há um descompasso entre a consciência do problema e a mentalidade que formula as propostas. Não estamos casando. Não estamos casando a consciência do limite ao crescimento com a mentalidade de abrir mão do crescimento. Não conseguimos ainda casar. E o Trump, no fundo, é resultado isso. Ele se elegeu porque a consciência ecológica não chega à casa de cada um.

    Nós fazemos política de uma maneira, Presidente Collor, que, a meu ver, hoje não responde às necessidades de um mundo que ficou global e de longo prazo, quando se ganha o voto com propostas para o imediato e para o seu redor. Há uma incompatibilidade, Goldemberg, entre fazer política, tendo votos, e pensar o mundo, como nós tentamos aqui. Esses discursos nossos não dão votos, a não ser de um pequeno grupo da tribo ecologista, da tribo verde. Mas quem está desempregado quer emprego; quem está com baixa renda quer alta renda. O discurso de que não dá para ter automóveis e de que eles não levam ao bem-estar é verdadeiro, mas não é eleitoralmente positivo.

    Por isso – eu não quero perder tempo, até porque sou o último, nem tomar o de vocês –, eu queria dizer que, para mim, minha querida Ministra, o que de fato fica hoje, além da consciência, são algumas perguntas ou muitas perguntas que não vai dar tempo de fazer aqui. Perguntas, por exemplo, sobre os recursos naturais, e eu tomo apenas dois: água – como preservar? E energia – para quê e como usar? Aqui está um mestre nisso. Não basta querer produzir mais energia; é preciso mais energia sustentável. Mas não basta isso. É preciso saber se a gente precisa desse ar-condicionado tão frio ou se não podemos ter uma arquitetura que prescinda de ar-condicionado. Eu vejo ali alguém se cobrindo com um cobertor, nos trópicos brasileiros, apesar de estar a mil metros de altura. Então, a ideia da energia... As perguntas são: para que mais energia? Como produzi-la?

    Na economia, há uma lista imensa, mas eu vou apenas citar algumas. Crescimento econômico: até onde vamos poder? Economia verde: qual é o limite da própria economia verde? Muitos verdes acham que não existe limite. Economia: como fazê-la regida pela ética? Como conseguir isso? É difícil. Ela tem uma mecânica quase que física.

    Desenvolvimento sustentável: o que é e como é? A economia solidária: como fazer? A economia de criar tempo livre: como valorizar o ócio para que isso possa entrar, no final do ano, nos indicadores? Aumentamos o tempo livre – a gente não mede isso. A gente diz: aumentamos a produção, usando o tempo.

    A ciência econômica, como reinventá-la? Ela está velha, ela não responde mais às exigências pós 1972. A ciência econômica é um instrumento arcaico, como – com todo respeito a muitos – foi a teologia a partir do Renascimento. Como reinventá-la?

    São perguntas que não são fáceis de a gente responder.

    E eu concluo.

    E o decrescimento? Por que não? E como fazê-lo positivo?

    E os bancos? Como utilizar os bancos em vez de eles nos utilizarem?

    E o governo? Como orientá-lo no mundo em que ele tem que responder a curto prazo, mas é do longo prazo que a humanidade precisa.

    E a moeda? Como reduzir a monetarização da civilização? Veja que eu não disse acabar com a monetarização. Ou seja, eu não radicalizei na ideia de que uma civilização do futuro pode prescindir de moeda, mas pode desmonetarizar um pouco, desmercantilizando também.

    E os padrões que nós temos? Quais são os novos indicadores? Como mudar os padrões de consumo? Como mudar os padrões de produção e distribuição, que têm essa coisa inacreditável, tantos anos depois de 1972? Aqui em Brasília a gente come ovos que foram produzidos em São Paulo, mas, antes de virem para cá, foram para Goiânia e, às vezes, para Belém. Ou seja, é um sistema de produção e distribuição irracional do ponto de vista da realidade de hoje.

    E a ciência e a tecnologia? Como subordiná-las aos valores éticos? Como conviver no mundo da robotização, da informática, sem ficar prisioneiro delas?

    E a Terra? A Terra como Planeta. Veja que essa já é outra novidade. Até pouco tempo atrás Terra era com t minúsculo. Agora Terra é com t maiúsculo, a partir de 1972, se for para marcar uma data.

    E como é que a gente vai manter a biodiversidade?

    E como respeitar os animais? Nós esquecemos de falar isso muitas vezes.

    E como tratar o lixo?

    E como regredir a desertificação?

    E a quem pertencem os oceanos e o espaço? A quem tem foguete ou à humanidade inteira? Adianta a gente dizer que pertence à humanidade inteira se só alguns têm foguete? E se todos tiverem foguete, a gente vai respeitar o oceano?

    E a sociedade?

    A pobreza? Como superar a pobreza?

    Como trazer solidariedade, despertar solidariedade no mundo do individualismo, do egoísmo mais forte?

    E as cidades, o que fazer? Talvez seja um dos maiores problemas nossos. O que fazer para as cidades não serem o que a gente vê todos os dias nessa tragédia do consumo de drogas, dos engarrafamentos e dos lixos?

    E o trabalho? Como vai ser o trabalho no futuro?

    E a saúde? A saúde é apenas para dar conforto ou é para aumentar o tempo de vida? E se for para aumentar o tempo de vida, até quando? Já se fala que é possível dizer que a morte morreu. Um desses dias eu assisti a uma palestra em que o cientista dizia: "A morte morreu". Aí eu disse para ele: "Na minha idade, eu não estou mais interessado na imortalidade. Eu quero saber quando é que eu vou poder ressuscitar". E ele disse que para isso não tem resposta ainda.

    Pois bem.

    E a desigualdade, como reduzir?

    E a habitação? Como fazê-la para todos, mas sustentável? Porque até fazer casa para todos é possível, mas de forma insustentável.

    Eu não vou continuar, mas a política é uma lista grande de perguntas que eu tenho.

    E a demografia? A gente vai querer continuar aumentando o número de pessoas? Vai impor a redução, como a China fez?

    E a migração? Quem está aí pensando no que fazer com a migração? Vamos abrir todas as portas dos países? Vamos aterrar todos os mediterrâneos, inclusive os invisíveis, que separam nossa casa daqueles que desejariam morar numa casa boa? Vamos aterrar o mediterrâneo que separa os nossos hospitais do povo sem saúde, que não consegue entrar lá? E os mediterrâneos invisíveis que separam a escola dos nossos filhos e netos daqueles que não têm boas escolas? Talvez não seja a solução eliminar os mediterrâneos e os muros. Mas construir muros, a gente sabe que não é o caminho.

    E a cultura? Como manter a diversidade?

    E os riscos adiante, inclusive do terrorismo?

    E duas perguntas, para terminar, ou pelo menos dois grupos de perguntas: a filosofia e a civilização.

    Para onde ir a civilização? Essa é uma pergunta fundamental, que 1972 levantou, mas não respondeu.

    Quanto à filosofia, eu quero concluir.

    E, aí, falo para os meus dois colegas, Presidente Collor e Jorge Viana. Eu creio que esse fracasso nosso, dos políticos, que não é só nosso, é quase geral no mundo, se deve menos ao excesso de políticos ruins que somos nós do que à falta de bons filósofos, que estão faltando no mundo. Nós não temos orientação. E, sem orientação, o político vira apenas uma máquina de conseguir voto. É a filosofia que nos dá um sentido, que nos dá um destino. E isso está faltando.

    Foi 1972 talvez, escolhendo uma data, que nos trouxe o despertar dessas perguntas. Mas, no caso do Brasil, e estamos aqui, eu concluo dizendo, Jorge Viana, Presidente Fernando Collor: nós precisamos fazer uma pergunta que resolva duas palavras que faltam entre nós: coesão e rumo. Como fazer com que o Brasil tenha uma coesão de 220 milhões de pessoas com um sentimento comum? E qual o rumo para o futuro que essa sociedade coesa vai querer para si?

    Não temos respostas. Eu, pelo menos, não tenho. Eu trouxe perguntas. Mas eu quero dizer que fico satisfeito.

    E aqui quero dizer que o mundo deve a muitos, mas especialmente a vocês, que representam alguns a quem mais nós devemos. Ministra Izabella, à senhora especialmente; a Collor, pelo 1972, e a gente de vez em quando conversa do esforço; a todos os outros. O mundo inteiro vai dever muito àqueles que fizeram esse despertar de 1972, de 1992 e de 2012.

    Por isso, muito obrigado a vocês que, como brasileiros, deram a contribuição para a gente descobrir o mundo. Agora, falta inventá-lo como nós desejamos que ele seja. Enquanto não sabemos como inventá-lo, pelo menos perguntemos. É isso que tentei fazer.

    Parabéns a vocês.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2017 - Página 62