Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comentários sobre artigo publicado no jornal O Globo sobre a suposta degeneração dos partidos que governam o País há décadas.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Comentários sobre artigo publicado no jornal O Globo sobre a suposta degeneração dos partidos que governam o País há décadas.
Outros:
Aparteantes
Ana Amélia, Jorge Viana, José Medeiros.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2017 - Página 99
Assuntos
Outros > SISTEMA POLITICO
Outros
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, PARTIDO POLITICO, COMANDO, PODER, AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, ECONOMIA NACIONAL, CONTINUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, FALTA, INCENTIVO, CRESCIMENTO, PAIS, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA, SUSTENTABILIDADE, RESPEITO, DEMOCRACIA, EXTINÇÃO, CORRUPÇÃO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, fico feliz que hoje, agora, graças à sua participação, inclusive, estejamos debatendo a dimensão dessa crise, talvez a maior de todas que já vivemos na nossa República.

    E isso me faz lembrar de um artigo que li ontem, do jornalista Paulo Guedes, no O Globo, segunda-feira, chamado "O fim de uma era". E é o que nós estamos atravessando, Senador Elmano, Senadora Ana Amélia. Nesse artigo, na primeira frase, Senadora Vanessa, o jornalista Paulo Guedes diz:

O PT, o PMDB e o PSDB são partidos social-democratas que dirigem há mais de três décadas a política e a economia brasileiras, [...] [desde o] nascimento da Nova República, em 1985, aos dias de hoje, em que se anuncia a morte da Velha Política.

    Quando eu li esse artigo, eu fiquei pensando: e quais foram as causas disso? Tem uma frase de destaque aqui, onde se diz: “Os partidos social-democratas que nos dirigem há mais de três décadas devem explicar nossa degeneração política e o medíocre desempenho [...] [social]” – frase do jornalista. E eu ainda acrescentaria: além da degeneração política e o medíocre desempenho social, eu diria "e a persistência da pobreza e da desigualdade social e regional".

    Eu vou dar minha contribuição como resposta ao jornalista, a minha tentativa de explicar isso que ele pede: "os partidos que nos dirigem devem explicar". Eu creio, Senador, que há quatro explicações para isso: a primeira, é de que nós não evoluímos nas ideias. Esses partidos, cada um da gente pode ter evoluído individualmente. O mundo mudou radicalmente, e nós continuamos com as ideias dos anos 30, na Suécia, que é a social-democracia, na Europa. Nós continuamos com as ideias do desenvolvimentismo dos anos 50 e até dos anos 70. Nós não evoluímos para perceber que já não estamos mais nos tempos da economia metal-mecânica como motor do progresso.

    E nós estamos ainda mais atrasados. Continuamos comemorando como grande feito o agronegócio – e felizmente nós temos o agronegócio para nos salvar. Mas é um setor econômico do passado. Mesmo que no Brasil só se tenha a produção de soja do Centro-Oeste graças à tecnologia, ao conhecimento, graças à ciência. Tudo bem, a maneira de produzir é nova, mas o produto é velho, antigo. Produto novo é isso aqui. Produto novo são os equipamentos médicos. Produto novo são os medicamentos, e isso tudo é inventado fora. Tudo, mesmo fabricado aqui, é inventado lá fora. Desde esse microfone, aos equipamentos que estão me transmitindo, a nós, tudo isso é velho... É novo, tudo isso é inventado fora. Ficamos para trás.

    Não percebemos o papel disso aqui na política. Como é, Senador Elmano, que o senhor e eu temos oito anos de mandato, quando um eleitor se comunica com a gente on-line, como se diz? A política continua com mandatos, e nós entramos num período de interatividade com o eleitor. Nós não evoluímos nas nossas ideias, não percebemos que no Brasil e no mundo os trabalhadores do setor moderno, eles subiram, e o povo foi se distanciando, criando um verdadeiro apartheid social no Brasil.

    Nós não percebemos, a social-democracia, que os trabalhadores do setor moderno hoje são sócios do capital, já não são mais os simples explorados. E que eles se distanciaram das massas e têm um padrão de vida tão superior, que já não se identificam. Mas nós, da social-democracia, nós da esquerda, nós dos partidos socialistas, continuamos falando no proletariado, em vez de falarmos dos operadores e do povo excluído, porque isso se rompeu, não são mais uma coisa só como era no passado.

    Então, para mim, respondendo ao Paulo Guedes, a primeira razão, a primeira explicação dessa degeneração política do medíocre desempenho econômico e da persistência da desigualdade e da pobreza é que nós não evoluímos nas ideias.

    A segunda, Senador Elmano, é que nos apegamos mais às siglas do que aos projetos de sociedade. Além de ficarmos prisioneiros das ideias velhas, esquecemos de sonhar utopias novas e achamos que ser de esquerda é ser do partido x ou y, ser de direita é ser do partido z ou d.

    Não, ser de direita ou ser de esquerda é ter concepções diferentes: primeiro, indignação com a realidade; segundo, sonhos de um mundo melhor; terceiro, querer construir esse mundo melhor pela política. Nós perdemos a capacidade de sonhar projetos utópicos, passamos a ser os partidos dos sindicatos e não dos sonhos. O partido das reivindicações, e não das revoluções. Por isso, fim de uma era. Não soubemos nos adaptar às ideias novas nem formular sonhos novos.

    Terceiro, nós não nos preocupamos com a busca de duas coisas: coesão social do Brasil e rumo histórico para o Brasil. Incentivamos a divisão no discurso – pobres e ricos, brancos e negros –, em vez de procurarmos uma coesão, dizendo: tem desigualdade, tem setores, tem disputas, mas como construir uma coesão nacional? Não fizemos isso.

    Hoje, eu estive em um evento comemorando 60 anos da Comunidade Econômica Europeia, Senadora Ana Amélia. Ali é um exemplo de busca de coesão entre países muito diferentes, aliás, que fizeram guerras entre eles. Se uniram, têm uma coesão hoje. De vez em quando, um faz um plebiscito para sair, mas têm uma coesão.

    Nós não buscamos coesão no Brasil. E, ao não buscar coesão, fica difícil buscar rumo. E estamos nessa situação de hoje, divididos em corporações, em grupos, em facções, em partidos. Os partidos divididos em tendências, todos eles, em grupos, e até, não é nem em tendência, em indivíduos.

    Tem muita semelhança entre o que pensa uma pessoa de um partido e outra pessoa do mesmo partido no Brasil de hoje? A senhora, Ana Amélia, que eu conheço bem, a senhora e muitos do seu partido são tão diferentes quanto eu e alguns do meu partido, e eu me sinto mais próximo de pessoas de outros partidos do que de gente do meu partido, e todos aqui.

    Ou seja, não buscamos coesão, nem buscamos rumo, rumo histórico. Trabalhamos o horizonte de tempo no máximo até a próxima eleição, e não a próxima década, ou mesmo o próximo século, com que a gente deveria estar preocupado no Brasil.

    Por isso, respondo ao Paulo Guedes: explicação da nossa degeneração política, da nossa mediocridade econômica e da nossa persistência da desigualdade, porque, além de não evoluirmos nas ideias, além de nos apegarmos às siglas, não nos preocupamos com a coesão e com o rumo. E aí, antes de dar o aparte, ir para o quarto item: não percebemos a importância da educação. A social-democracia, a esquerda, os socialistas continuamos achando que esse é um assunto de economia, que a economia tem que ser justa. A economia tem que ser eficiente. Justiça é na sociedade, e na sociedade a justiça vem, sobretudo, de garantia à educação de qualidade para todos. Coisa com que o Brizola já sonhava há tantos anos, como a senhora sempre cita, que termina sendo um produto dele, como a senhora diz, Senadora Ana Amélia.

    Nós deixamos de pensar na educação e continuamos pensando como o sindicato dos professores. Essa é uma das explicações de por que acabou uma era: a era do sindicato dos professores, em vez de ser a era da educação das crianças. Tem que cuidar bem do sindicato dos professores, porque sem ele não há boa educação, mas o eixo central, o propósito central de um partido, de uma força política que quer transformar, é a educação.

    Nós, como eu, professores, somos meios, não somos o fim, não somos o propósito. Por isso que o Paulo Guedes pergunta, e eu acho que essa é uma das explicações: nós não percebemos a importância da educação.

    E aqui eu lembro mais uma vez a Comunidade Econômica Europeia. O que fez possível juntar, se eu não me engano, cerca de 30 países em uma comunidade foi a educação dos europeus, qualquer que seja o país, nos últimos cem anos. Não há um país da Europa que não tenha dado uma educação de qualidade para todas as suas crianças, embora alguns muito melhor do que outros – como a gente compara a Finlândia, entre os melhores, e alguns países, não tão boa assim. Mas, de qualquer maneira, a desigualdade é pequena e a qualidade é boa.

    Então, isso que permitiu falar uma só linguagem, embora falem tantos idiomas. Tantos idiomas que se falam na Europa, mas há uma linguagem comum: é a linguagem do povo educado, que é capaz de entender o que se fala em qualquer dos países. Basta colocar um tradutor, um intérprete, todo mundo entende, percebe, participa.

    Então, é por isso que o Paulo Guedes pergunta: por que deixamos que acontecesse tudo isso – nós, da social-democracia? Mas é preciso que a social-democracia não se limite apenas a algumas tendências, grupos. Nós hoje estamos discutindo aqui finalmente essa questão do Temer. Mas o Temer, gente, é um produto direto da Presidente Dilma, que o escolheu duas vezes como vice. A Dilma é um produto direto do Lula, que a escolheu. E vamos falar com franqueza: o Lula é uma consequência do Fernando Henrique Cardoso, que por sua vez vem do Itamar.

    É desse período que o Paulo Guedes fala. É uma concepção de política, de economia, de social. Não é à toa que todos esses concentraram a justiça na ideia de transferência de renda, que começou lá atrás, e não na educação. Preferiu-se distribuir alguns reais para cada família pobre, em vez de garantir que o filho da família pobre estudasse na mesma escola do filho da família rica.

    Por isso a social democracia se acabou. Por isso o fim de uma era. Por isso ficou para trás. Ficou para trás porque não entendemos o avanço das ideias, as mudanças que acontecem no mundo. Não nos apegamos a projetos históricos e sim a siglas às quais pertencemos, e não nos preocupamos com a busca de uma coesão social e de um rumo histórico para a Nação brasileira. E este é o grande desafio da gente: passar para a juventude propostas que façam brilhar os olhos da juventude, brilhar os jovens, porque eles vão se sentir parte de um só país e com um futuro diante deles.

    Essas são três, mas eu tenho mais uma quarta razão, que eu quero deixar para depois de passar a palavra para a Senadora Ana Amélia, a não ser que ela queira falar depois que eu terminar.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Fora do microfone.) – Não, não.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Senadora, quer fazer agora o aparte?

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Depois. Pode terminar.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – O quarto item é que nós não representamos mais o novo. Não somos mais o novo. Não vejo ninguém sendo novo. Mas, os que tinham obrigação de ser o novo, não somos o novo. A esquerda, socialista, social democracia, nós não somos mais o novo. Volto a insistir: os outros são mais velhos ainda, talvez.

    E o novo o que seria? Esse é um debate que seria bom fazer. O que seria o novo? Eu vou tentar aqui, eu vou arriscar alguns itens. O novo, para mim, primeiro lugar – mas não em importância; em importância são todos iguais; mas o primeiro na citação – é a ética. O novo é a política com ética. É a política em que não se caia na corrupção em que caímos nestes últimos 30 anos, exatamente pela falência desses itens que eu coloquei. A consequência foi a corrupção. A corrupção é uma consequência. Então, é a ética. A política com ética. Mas não só a ética no comportamento dos políticos, também a ética nas prioridades das políticas.

    Aqui, governadores foram presos recentemente porque ganharam propina na construção de um estádio. Corrupção no comportamento. Senador Elmano, se nenhum político tivesse roubado nenhum real na construção daquele estádio, ele já era uma corrupção nas prioridades porque, a 30km dele, existe gente sem água e sem esgoto. É corrupção isso. Fazer um estádio, quando não tem água nem esgoto, é corrupção! Mesmo que não haja roubo.

    Então, a primeira coisa é ética. Ética na prioridade e ética no comportamento. No comportamento dos políticos e nas prioridades da política. Segundo item: quem representa o novo é a eficiência econômica. Não é novo o político que não propõe uma economia eficiente. A eficiência econômica é uma condição necessária da novidade. E nós deixamos de lado a eficiência na economia em função de proteger alguns segmentos. Nós temos que proteger os segmentos, como o dos trabalhadores, fora do processo de produção; é no processo de distribuição, fora da economia – coisa que no passado não era assim. Então, o segundo item do novo é dizer como a economia vai ser eficiente, sob regras éticas obviamente. Não vale a eficiência da produção de droga, não vale a eficiência do trabalho escravo. Como ser eficiente? É o segundo item do novo.

    O terceiro item do novo é: como fazer uma sociedade sem pobreza? Ninguém abaixo de um piso social, ninguém fora do atendimento das necessidades essenciais. Esse terceiro é o novo.

    O quarto novo é uma democracia com participação e interatividade. Não é mais novo a democracia tradicional do mandato de quatro anos e até de oito anos. Lembrem-se de que no Brasil isto aqui, esta Casa, não aqui neste lugar, éramos vitalícios. Ficou velho Senador vitalício, como era no Império, passamos a ter mandato. Hoje, esse mandato tão longo já não é o novo, por causa disso aqui. O povo tem que ter direito de mudar as pessoas, sob certas regras. Não pela vontade, de repente, de querer mudar. Nem a cada semana, como no BBB, no Big Brother, em que se tira as pessoas. Tem que ter um sistema de interatividade, em que o Parlamentar esteja vinculado ao seu eleitor permanentemente.

    E respeito às minorias. A democracia moderna, o novo exige respeito às minorias. Direito à opção sexual, não tolerar racismo, machismo. A tolerância com as diferenças culturais.

    O quinto item da novidade é...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ...a alta tecnologia. O Brasil ser produtor de alta tecnologia.

    Senador Paim, sábado passado eu fui visitar um evento fenomenal. Chama-se Campus Party, onde jovens do Brasil inteiro ficam em um lugar produzindo alta tecnologia. Produzindo, usufruindo, criando startups, como eles chamam, de novas indústrias. Aqui pertinho, em Brasília. Eu vi. Ficam acampados nas suas tendas e saem dali para produzir coisas. A alta tecnologia é o novo.

    Outro item, o sexto, é a participação do Brasil na globalização. Não é novo o Brasil fechado. Claro que temos que ter apego às nossas fontes. Claro que temos que ter o atavismo daquilo que significa ser brasileiro, mas integrado, integrado no mundo. O fechamento não é mais o novo.

    E, finalmente, mas não o menos importante, é o respeito ao meio ambiente. E fico feliz que esteja aqui um dos grandes defensores disso, que é o Jorge Viana. Não é novo quem não defende o meio ambiente, um projeto de desenvolvimento sustentável. Não é novo ficar preso ao PIB (Produto Interno Bruto) apenas. O novo exige um produto interno bruto que respeita as florestas, que respeita os rios, que respeita a natureza.

    Lamentavelmente – e essa é a minha resposta ao Paulo Guedes –, nós deixamos de representar o novo. E eu concluo lendo os cinco últimos itens, que digo que, a meu ver, caracterizam o novo: a ética, a eficiência econômica, a justiça à sociedade, a democracia participativa com respeito aos direitos das minorias, o uso e a produção da alta tecnologia da inovação, a participação na globalização e o respeito ao meio ambiente. Nós deixamos de representar esse novo, mas, sinceramente, eu não vejo quem vai representar e trazer o novo a não ser nós que viemos desse lado que chamam de esquerda, socialista, social democracia, como quiser. Eu creio que é daí que vai ter que surgir o novo, mas o novo não vai ser a repetição do passado.

    E isso, meu caro Paulo Guedes, nós deixamos de representar, porque ficamos presos ao passado. Está na hora de renovar, de rejuvenescer aquilo que faz com que se encantem os jovens, faça brilhar os olhos da juventude, trazendo coesão e rumo ao Brasil. Mas tudo isso – e aí eu concluo – passa por resolver a crise imediata institucional que nós atravessamos.

    Eu insisto e concluo, na linha do que o Jorge Viana tem provocado: é preciso reconhecer os erros, pedir desculpas e agir.

    E eu concluo dizendo que o Presidente Eunício tem que assumir o seu papel de Presidente. Faz pouco, o Paim dizia aqui que não basta ele presidir a Mesa na hora da votação das leis, ele tem que trazer para refletirmos juntos para onde irmos. Quais reformas, qual o conteúdo das reformas, como sair dessa crise institucional? Não podemos continuar no fundo do poço, pisando na lama, sem querer subir no poço, até voltar a emergir lá no horizonte.

    Fica este apelo de todos que falaram hoje aqui ao Presidente Eunício: convoque uma reunião, convoque um grupo e vamos conversar sobre como sair da crise. E aí vamos tentar, alguns que quiserem, responder ao Paulo Guedes, dizendo como fazer o começo de uma nova era. O seu artigo é o fim de uma era; para nós, eu acho que a pergunta deve ser "Como começar uma nova era?". E, de repente, essa crise que está aí pode ser benéfica e funcionar como uma grande pedagogia da catástrofe em que, pela tragédia, a gente encontra uma saída.

    Nós estamos sem rumo, mas antes estávamos num rumo errado, e é melhor estar sem rumo do que no rumo errado, desde que tenhamos consciência de que estamos sem rumo e busquemos encontrar outro, um novo rumo.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Era isso que eu queria falar, Senador, mas há dois Senadores me pedindo aparte: a Senadora Ana Amélia e o Senador Jorge Viana.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Senador Cristovam, eu quero lhe agradecer pela aula magna dada nesta tarde, numa avaliação, eu diria, acadêmica, política, com a enorme sensibilidade que V. Exª tem. V. Exª abordou vários aspectos, tomando, como referência, o artigo de Paulo Guedes, e mostrou a fragilidade do sistema partidário brasileiro – não do político, do sistema partidário brasileiro. Marina Silva percebeu claramente esse desgaste quando tirou a palavra "partido" da sua agremiação, chamando-a de Rede, Rede Sustentabilidade, lá quando criou o seu partido, que se chama Rede Sustentabilidade. Hoje o debate ideológico esquerda/direita: li e não lembro quem é o autor que diz que o mundo no século XXI não se divide mais entre esquerda e direita, mas entre rápidos e lerdos. Nessa medida, eu lembro que, em 2012, tive a ousadia de apoiar uma candidata do PCdoB, em Porto Alegre, à Prefeitura da nossa capital. E as pessoas não entenderam como eu poderia, de um partido dito conservador, estar apoiando uma candidata do PCdoB. E eu dava a seguinte resposta: um dos mentores do Código Florestal Brasileiro, muito caro ao Rio Grande do Sul, um Estado agrícola, foi Aldo Rebelo; e Aldo Rebelo de que partido era? Do mesmo partido da candidata. Portanto, a responsabilidade, como nacionalista que é Aldo Rebelo, construiu um relatório, que depois veio consubstanciado no que fez Jorge Viana e Luiz Henrique da Silveira, numa regulamentação moderna, protetiva à defesa do meio ambiente, mas também não criminalizando os produtores rurais. E os partidos políticos, ao longo do tempo, foram perdendo um pouco de referência. Quando eu apoiei a candidata do PCdoB, eu dizia que, quando um pai com um filho passando mal entrava no hospital, o pai não perguntava ao médico se ele era desse ou daquele partido; ele precisava de um médico excelente que curasse o seu filho. Então, a gente precisa levar a essa vida real o entendimento da prática de partido, a compreensão de qual é o sentido do partido. E V. Exª... Eu volto aqui a um livrinho de grande atualidade Uma ponte sobre o tempo. Eu estava lendo aqui, Senador Cristovam, que essa ponte sobre o tempo não é a ponte do futuro, mas é sobre o tempo, do século XII ao século XXI. No século XII, Nizami Ganjavi disse: "Não quebre um vidro com pedra. Como uma amizade, você nunca vai restaurá-lo. Para quem está preso nas amarras da tristeza, o amigo solidário traz encorajamento. Quando cada amigo busca seu próprio lucro, a amizade é similar à inimizade". Isso foi no século XII. No século XXI, o que escreveu Cristovam Buarque? "Não tente recuperar um vidro partido, mas tente recuperar cada amigo esquecido. Alegrar suas crianças deveria ser a principal tarefa dos seres humanos. Nação dividida em seitas é uma engrenagem sem lubrificante". Senador Cristovam, as palavras têm muita força. E eu encontrei nisso um pouco do reflexo do momento que nós estamos vivendo hoje. Encerro também usando suas próprias palavras neste livro Uma ponte sobre o tempo, do século XII, o que o autor Nizami Ganjavi disse: "Observe como seu filho cuida de você; ele verá o mesmo do próprio filho. Tente ser de ajuda a todo mundo. Embeleze o mundo sendo bom para o povo".

(Soa a campainha.)

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – "Embeleze o mundo sendo bom para o povo. Só a razão pode lhe ajudar. Você enfrenta tudo se tiver sabedoria."

    No século XXI, o que escreveu Cristovam Buarque: "O futuro de uma nação tem a cara de sua escola no presente. Cuide da Terra e ajude as pessoas. Deixe um planeta melhor para os netos dos homens de hoje. Uma nação se recupera da falta de sal e de pão, mas não avança com falta de sonhos e de ideias."

    E são as ideias que nós estamos discutindo nesta tarde. Muito obrigada, Senador Cristovam.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Eu que agradeço, Senadora Ana Amélia. Muito obrigado pelos comentários, pelo aparte e pela leitura desse texto.

    Senador Jorge Viana.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Sr. Presidente, Paulo Paim, eu queria agradecer muito ao Senador Cristovam. Não sei se as pessoas que acompanham... Tem gente que acompanha muito de perto o que fazemos, o que falamos, especialmente aqui neste plenário, pela Rádio Senado, pela TV Senado, e pode ser que já tenham notado que há aqui uma convergência suprapartidária, pelo menos na observação do tamanho dessa crise, de entender que temos muitos culpados por não termos encontrado ainda uma saída para ela, e que é uma preocupação sincera, verdadeira, de Senadoras, de Senadores, suprapartidariamente, reproduzindo um pouco aqui o que a gente ouve nas ruas. Eu não sei, Senador Cristovam. O nosso País – eu falava hoje – é um País fantástico. Eu não sei nem se concordo plenamente com a sua afirmação de que o caminho que nós tínhamos pego era errado. Eu prefiro pegar um pouco um poeta da Amazônia que fala que, às vezes, nós não temos de pegar um novo caminho, mas temos de encontrar uma nova maneira de caminhar. Eu acho que o Brasil estava disputando o mundo. O Brasil estava se firmando diante do mundo, mas os fundamentos desse crescimento e desse protagonismo estavam errados – os fundamentos. Quais são os fundamentos que seguram a política brasileira hoje, a ação partidária hoje? Esse modelo de financiamento de partido faliu, fracassou, nos envergonha. Temos que assumir que estávamos todos, suprapartidariamente, errados. O modelo não funciona mais. Discute-se no artigo do Paulo Guedes os problemas do PT, os problemas do PMDB, os problemas do PSDB – nós estamos falando dos grandes partidos, todos. Vamos ser sinceros: os problemas do sistema político brasileiro. Eu acho que são esses fundamentos que nós precisamos mudar, porque uma Nação gigante como o Brasil não pode ir em frente, vencer as disputas com o mundo – porque nós estamos disputando o mundo. Há reação contra nós, de nações poderosas. Isso não é um oba-oba, existe mesmo.

    Eles não querem o Brasil sendo o maior na produção de proteína animal, o maior em grãos, o maior nisso ou naquilo, na indústria, no crescimento. Eles também não querem, eles não querem essa concorrência, mas nós não temos condição de encarar uma concorrência global se nós não tivermos bem fundamentada essa atividade produtiva nossa, a nossa atividade política. Eu acho que esse é o ponto principal. Thiago de Mello fala isso. Eu acho que nós estamos precisando encontrar uma nova maneira de caminhar, porque o propósito é o mesmo, queremos que o Brasil cresça, que tenha inclusão social. Nós estávamos tendo isso, mas em que fundamentos? Nessas empresas que hoje todas viraram caso de polícia? Então, é dentro desse aspecto que eu acho que a fala de V. Exª é rica. Esse entendimento que nós estamos tendo aqui vários Senadores começaram a ouvir. Nós estávamos nos revezando na tribuna, falando que o Senado tem que ter um papel de protagonismo, de protagonista nesse processo, e vieram para cá fazer coro conosco. Eu acho que isso vai ter alguma repercussão. Nós temos que pedir ao nosso Presidente Eunício: Presidente, o senhor é o Presidente do Congresso Nacional, o senhor é o Presidente do Senado Federal. Nós não podemos ter reuniões do colegiado de Líderes – eu não sou Líder – para discutir uma agenda que ora atende só o Palácio, ora atende algumas matérias meritórias até, mas não atende o clamor do Brasil, que precisa de uma instituição como o Parlamento brasileiro, Senador Cristovam. Quando Niemeyer e Lúcio Costa fizeram a Praça dos Três Poderes – eu já falei isto aqui –, eles puseram o Congresso Nacional mais à frente e mais ao alto. Não foi à toa. Não que sejamos mais ou menos que o Judiciário, que está logo ali, na Praça dos Três Poderes, ou o Palácio do Planalto, do Executivo, mas nós estamos mais aqui por alguma razão, com essas torres, com essa arquitetura tão bonita. Nós temos uma responsabilidade que está sendo colocada à prova agora. Eu espero sinceramente que os Líderes, que o Senador Presidente Eunício chame uma reunião ampliada de Líderes, porque, se não vier, respeitosamente nós podemos propor, nós podemos pedir. O Governo não tem mais condição de levar adiante nem sua agenda, nem os problemas do País. Perdeu as condições, virou um caso de polícia. Nós estamos vivendo uma crise institucional verdadeira. Está lá o Supremo votando hoje se valem ou não as decisões do Ministro Fachin, se vale ou não o trabalho do Ministério Público Federal. Então, era isso. Eu aproveito até, quero registrar que estou aqui acompanhado da Drª Patrícia Rêgo, que foi Procuradora-Geral de Justiça do Acre. Ela é Procuradora, que trabalha com pessoas vítimas de violência em um centro de atendimento às pessoas vítimas de violência. É um trabalho muito bonito. Estive lá, com o Ministério Público, vendo. Estou apresentando dois projetos bonitos aqui graças a essa visita que fiz ao Ministério Público do Acre, ao trabalho que temos feito juntos para discutir minha proposta de emenda à Constituição, que torna imprescritível o crime de estupro, mas vimos lá que também há uma subnotificação das pessoas que vão aos hospitais, aos pronto-socorros, vítimas de violência doméstica, e elas não vão à polícia dar queixa, fazer um boletim de ocorrência, mas vão atrás de um socorro médico. Estou propondo que haja agora uma obrigatoriedade de que o médico, quando encontrar alguém vítima de violência doméstica, comunique à autoridade policial, para que a autoridade policial vá investigar se tem risco, porque, se não, vamos ter mais uma morte. Há primeiro uma violência, uma agressão, a segunda, depois vem a morte. Esse é um projeto, um deles. O outro, é que a Lei Maria da Penha não alcança as pessoas transgênicas, transsexuais, pessoas que têm corpo de homem, mas tem cabeça, vida, jeito e mente de mulher, pessoas que têm um problema de gênero. Tomara que não haja preconceito na hora de tramitarem essas matérias, como bem colocou V. Exª, nesse período de relação odiosa e de tanto preconceito. Cumprimento a Drª Patrícia Rêgo, que está aqui. E queria cumprimentar V. Exª, agradecendo o aparte e dizer que acho, sim, que muitos da sociedade vão se manifestar nos dando respaldo para que o Senado, a Casa mais antiga, Casa de Rui Barbosa, a instituição mais antiga da República, na hora em que estamos vivendo um quase flagelo econômico – estamos vivendo um flagelo político, uma crise institucional sem precedentes – possa dar uma parcela de colaboração, sim, a partir do que estamos debatendo aqui, hoje à tarde, do que V. Exª fala nesse momento na tribuna. Parabéns, Senador Cristovam. Obrigado pelo aparte.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Obrigado, Senador.

    Quero lembrar que esse encontro que fizemos aqui, se for escolher quem teve a ideia inicial, foi o senhor. Foi a partir daí que começamos a fazer isso.

    Gostei de quando o senhor falou: ouvir o clamor do povo. Espero que o Senador Eunício, que é o Presidente do Congresso, venha para cá e faça com que juntos ouçamos esse clamor e busquemos um caminho.

    Senador Medeiros.

    O Sr. José Medeiros (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) – Muito obrigado, Senador Cristovam. Tenho acompanhado, desde o início do meu mandato aqui, há cerca de dois anos, como essa preocupação tem sido latente em V. Exª, e isso independentemente de governo. Lembro-me quando V. Exª arrebanhou nove Senadores aqui, já para ajudar o governo da Presidente Dilma no sentido de precisarmos...

(Soa a campainha.)

    O Sr. José Medeiros (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) – ... ter uma resposta do Legislativo sobre essa crise. E agora recentemente, também V. Exª está arrebanhando e sendo aí o timoneiro, para que a gente possa mostrar à população brasileira que as pessoas aqui têm pelo menos um rumo, têm uma conversa a respeito de tudo que está acontecendo. Alguns poderão dizer: Cristovam é um visionário. Mas não estaríamos nessa evolução que estamos hoje no mundo, se não tivéssemos pessoas que enxergam atrás dos montes. Precisamos desses. V. Exª, com muito cuidado, tem tratado essa crise. Lembro-me de quando o senhor citava aqui uma fala que teve, há alguns anos, com o ex-Presidente José Sarney, quando ele demonstrava a preocupação com o esgarçamento do tecido social, com o desvanecimento das pessoas, a desconfiança nas instituições. Lá, naquela época, o senhor já se preocupava. Então, realmente, neste momento, eu acredito, e quero fazer parte desse movimento junto com V. Exª, no sentido de que possamos passar, evoluir, do fuxico, do puxão de cabelo, do cutucão no outro, para um Senado maior, para um Senado que possa não só discutir, mas propor; não só buscar soluções, mas achá-las; para um Senado que realmente possa honrar a figura da estátua que tem aqui, de Rui Barbosa, como seu patrono; que nesse momento o Senado possa se unir e todos serem um só Cristovam, no sentido de que o Brasil possa se orgulhar da sua Câmara Alta e de realmente dizer: "Eles estão discutindo temas relevantes para a Nação brasileira".

     Eu sou de um Estado, Senador Cristovam, que depende muito das decisões daqui. Se Brasília espirra, lá no Mato Grosso vira uma pneumonia, e é por isso que eu me preocupo muito e faço muito gosto de lhe ombrear nessa proposta, porque eu não tenho dúvida de que o que o Brasil precisa é de diálogo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Muito obrigado, Senador José Medeiros. Fico muito satisfeito. Sempre suas intervenções aqui são brilhantes e combativas.

    Senador Paim, eu agradeço o tempo que me foi dado.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2017 - Página 99