Discurso durante a 151ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a Homenagear o Dia do Professor.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada a Homenagear o Dia do Professor.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2017 - Página 11
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR, COMENTARIO, VIOLENCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, AREA, EDUCAÇÃO.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Certamente não sou merecedor de elogios tão generosos do Presidente desta sessão, o querido colega Cristovam Buarque, mas eu queria dizer que, vindo de um professor, muito mais me honra.

    É com satisfação que participo desta sessão no momento em que a vida nacional está muito difícil. No próximo dia 15, nós celebramos o Dia do Professor e da Professora. Eu não sei por que é sempre professor, deveria ser professora, não por nada, não gosto desse tipo de disputa, mas é porque nós temos mais professoras do que professores. Para mim, quando se fala professor, está incluindo professora, como também quando se fala professora está incluindo professor.

    Eu me pego sempre me perguntando – eu fui Prefeito, fui Governador: por que a gente teima ainda em falar que a educação precisa ser prioridade e não torna esse discurso tão coerente, essa proposta capaz de unir todos, realidade?

    Os países que experimentaram fazer isso, que viviam como uma espécie de submundo ou subdesenvolvidos, todos tiveram sucesso. E o nosso País tão bonito, que tem um povo tão fantástico, não toma essa atitude. O Senador Cristovam cobra isso quase que diariamente desta tribuna ou usando o microfone no plenário.

    Talvez, se todos os colegas Senadores e Senadoras, por quem tenho muito respeito – está aqui a Senadora Fátima Bezerra, o Senador Raupp que acabou de falar... A Senadora Fátima é uma lutadora pela educação, dedicada. Ela realmente enfrenta tudo e todos em defesa da educação. Mas, talvez, se todos os nossos colegas ou tivessem um vínculo com a educação, ou tivessem sido prefeitos e governadores, eu acho que essa proposta, essa proposição tão importante viraria realidade, porque quem foi gestor público, de fato, e que fez algum trabalho para mudar e melhorar a vida das pessoas tem de ter levado a educação como fundamental e prioritária.

    O nosso País precisa disso, nós precisamos disso, porque a nossa sociedade está se embrutecendo, está lidando com a intolerância, com o ódio, com sentimos perigosos, que estão presentes no ser humano, mas que têm de estar meio que vigiados para que não cresçam. Agora, eles não estão mais só nas pessoas, estão presentes na convivência da nossa sociedade. Isso é muito perigoso. Boa coisa não teremos daí. Boas coisas nós temos quando fazemos o bem, até para quem a gente não gosta; quando fazemos o bem para pessoas que precisam, que não têm.

    Eu quando assumi a Prefeitura de Rio Branco, havia vários problemas. Primeiramente, só havia 4 mil alunos na rede pública municipal da capital – 4 mil alunos na capital do Acre. O meu Secretário de Educação era o Binho, Binho Marques, que trabalhou com cinco ministros do Ministério da Educação e ajudou a fazer esse grande movimento nacional para a construção do Plano Nacional de Educação. O Binho Marques passou por cinco ministros.

    E na época, eu lembro bem, Presidente Cristovam, professores, professoras aqui presentes – que eu não queria nominar, porque o meu querido colega Raupp – e ontem viemos – já se referiu aqui aos que estão à Mesa, e não é um desrespeito, já foram anunciados, só queria dizer que é uma satisfação tê-los aqui e no plenário também –, que nós tínhamos problema de toda ordem. A educação era um instrumento dos políticos mais atrasados.

    Então eles viviam – ganhavam mandatos – transferindo professor, pondo numa escola, atendendo... Menos à educação! Menos à formação! Menos à essência do que devemos ter. E isso não foi fácil.

    Havia uma escola chamada Dom Giocondo, em Rio Branco, que tinha cento e cinquenta e poucos funcionários. Ali boa parte deles não dava serviço, estava até fora da cidade, do Estado... E o número de alunos era terrível! Nós tínhamos uma proporção de um servidor para quatro alunos. E não era porque nós chegamos a uma excelência, porque se fosse excelência... E eu sei que não é bom ter exclusividade, é bom também que os alunos tenham a sua privacidade. Os estudos que eu leio falam em 12, 14, como mínimo, para que o aluno também possa ter a sua independência até na sala de aula. Então, quatro? Mas não era... Era porque a distorção era tão grande que o melhor negócio que havia na cidade de Rio Branco era o prefeito contratar vagas na melhor escola, a mais cara da cidade, e pôr os quatro mil alunos lá se pudesse. Sairia bem mais barato.

    E aí eu vi nisso um desafio. Na época, o Secretário Binho, que depois foi Secretário do Estado, foi Governador, me sucedeu, nós falamos: "Não. Nós vamos provar, mostrar que a educação pública também é viável do ponto de vista econômico. Vai ser mais barato manter os alunos na escola pública. E vamos disputar a qualidade também com a escola privada!"

    E assim trabalhamos quatro anos, fizemos o Plano Decenal de Educação na Prefeitura e, quando nós concluímos, a média de professor por aluno estava em torno de 22. E eu fiz a conta, de pura matemática, que era mais barato ter os 12 mil alunos, porque aí nós já tínhamos 12 mil alunos, e não quatro, estudando na escola pública do que na melhor escola privada que nós tínhamos na cidade.

    Eu acho que nós, que temos compromisso com a educação, devemos disputar em todos os espaços, inclusive do ponto de vista econômico. Econômico! Já que o mundo vive movido por essa máquina terrível, e que nós fomos levados a um modelo mental de que o individualismo, a ganância, o crescimento pessoal, econômico é o que rege o mundo. E hoje o Nobel da Economia é exatamente alguém que pensa diferente, que tenta analisar... Hoje, o escolhido tenta nos analisar como pessoas de carne e osso, seres humanos que erram e que são levados, às vezes, a um modelo de egoísmo, que precisam melhor calibrar para não ficarem reféns dos bancos e das organizações financeiras que são as que mais lucram, o que também acontece no caso do Brasil – o lugar do mundo em que os bancos mais lucram é aqui, e a gente nunca questiona os banqueiros. Aliás a gente dá sempre poder para os banqueiros nos dirigir a todos.

    Então, voltando aqui para a área da educação, eu queria dar um exemplo. Quando eu estava assumindo a Prefeitura, Senadora Fátima, querido Professor e Presidente desta sessão, Senador Cristovam, os alunos do primeiro ano nosso, da primeira série do ensino infantil, tinham que repetir de ano. Mas como é que repete de ano uma criança no primeiro ano infantil, que eu fiz, que todos nós fizemos? Vocês já pararam para pensar nisso? Como é que faz isso com o aluno? E aí o Binho entrou na minha sala, o Secretário, e falou: "Jorge, nós estamos com um problema, os meninos e as meninas têm de repetir o primeiro ano infantil..."

    Eu falei:

    - Mas por que, Binho?

    - Rapaz, não sei. Mas nós vamos fazer uma pesquisa para saber o que está acontecendo. Por que essas crianças têm de repetir?

    E nós fomos fazer uma pesquisa. Nós fomos atrás de saber quem são os pais dessas crianças, onde elas moram, como elas vivem. E sabe qual foi a resposta, Senador? A primeira vez em que elas tinham contato com papel, com algo para escrever, era naquele primeiro ano de escola.

    Eu tenho uma neta de três anos. Desde o primeiro mês de vida, quando pode, já está com um papelzinho, já está com um... Quanto tempo demora para a gente se familiarizar com algo para pôr na mão? Hoje em dia, é só tablet, está passando. Mas como era isso? E o papel?

    Então, eles eram filhos de analfabetos, de pessoas muito pobres, que não tinham papel em casa. Por que vai haver papel e caneta na casa de uma pessoa analfabeta? Nessa época, o analfabetismo do Acre beirava os 40%.

    E aí, quando nós encontramos quem eram os nossos alunos, quem eram as famílias deles – porque temos de ver o que está por trás ou o que está na base da família –, nós fizemos um programa, e as coisas começaram a mudar. O Acre era o último lugar em educação no Brasil, disputava os últimos lugares; hoje, graças a Deus, está numa posição de destaque, e já ganhamos até prêmios por termos avançado muito, apesar de termos muitos problemas.

    Quando assumi o governo, já mais à frente, havia 2 mil professores leigos no Acre – um Estado com 700 mil habitantes e 2 mil professores leigos! Eles ganhavam menos de um salário mínimo – todos os professores do Acre – quando eu assumi, tinham complementação salarial por salário mínimo, que era de R$120 naquela época – complementação salarial!

    Nós implantamos um piso; nós criamos um plano de cargos e salários; nós estabelecemos um currículo; mudamos a lógica de direção de escola, porque havia eleição direta, para ficar bem claro. Falamos: "Não, na eleição direta pode haver troca de picolé." Até o Ministro da Justiça, outro dia, falou que não dá dinheiro para o picolé na eleição, esse dinheiro que estão aprovando, essa fortuna! Mas falamos: "Não, não!"

    Então, para ser candidato a ser diretor da nossa escola na eleição direta, tinha que fazer prova, apresentar um plano de trabalho e passar na prova. Com isso, começamos a selecionar, por voto direto, só os melhores, mas havia critério: "Tem de se credenciar para ser votado." E isso mudou muito. Nós tivemos um processo de gestão e de descentralização nas escolas, com dinheiro, com reparos, com funcionamento, fantástico.

    E eu botei outra coisa na cabeça: o prédio público mais bonito, mais organizado, mais acolhedor da cidade – não importa qual seja a cidade – tem que ser a escola, para todo mundo admirar, todo mundo querer entrar – da cor ao ambiente do banheiro, da sala e de tudo. E nós conseguimos fazer isso, para ser atrativo, para dar vontade de ir. E o Governador Tião Viana agora está começando a implantar escolas em tempo integral para nossos jovens.

    E eu queria dizer que os 2 mil professores leigos – imaginem os senhores, leigos, pessoas que tinham aprendido e, então, gostam de dar aula, porque também é um sacerdócio, é uma opção de vida – nunca tinham feito um curso de magistério, nunca tinham feito uma faculdade. O que eu fiz? Em vez de criar uma faculdade estadual, para pôr o meu nome na placa, eu chamei a universidade federal – tive muita dificuldade para isso –, e fizemos convênios, que, somados, deram 70 milhões naquela época – eu saí do governo já faz mais de 12 anos –, e nós levamos a Universidade Federal do Acre para os 22 Municípios do Acre.

    Nos 22 Municípios, havia a presença da Universidade, formando professores de Matemática, Biologia, História, Geografia, Português. Com isso, nós formamos todos os professores do Estado, todos os dos Municípios e também da área rural e indígena, e abrimos ainda vagas para as pessoas da comunidade, porque nós tínhamos Municípios que não tinham nenhuma pessoa com terceiro grau no Acre.

    Eu não estou falando de muito tempo atrás, não. Eu assumi o governo em 1999 e saí em 2007. Vejam que País é o nosso: Municípios, nesse período de 1999, 2000, em que não havia uma única pessoa com nível superior, e esse monte de leis para o gestor cumprir, e esse monte de compromisso que a Constituição nos impõe realizar.

    Estou contando esses episódios porque precisamos olhar um pouco, fazer a leitura dessa página para poder virá-la, essa página de um País que é tão bacana, tão bonito, mas que, nesses tempos atuais, está piorando muito. A violência contra as professoras e os professores no Brasil é chocante: 40% dos professores em São Paulo, o Estado mais rico, dizem que já foram vítimas de alguma violência. Nós temos a Profª Heley agora, numa creche. Eu estive numa creche outro dia – no meu aniversário, 20 de setembro, fizeram uma festinha para mim, para mim e para a Luana, uma garota, uma aluna, numa creche que eu implantei quando era ainda Governador do Estado.

    É triste vermos isto, uma professora ser esmurrada, essa sociedade embrutecida, intolerante chegando à sala de aula. Sempre tivemos uma máxima: às vezes, ficávamos até com raiva do pai e da mãe, chateados com o pai e a mãe, porque isso se conserta em casa, mas a admiração por professora e por professor sempre esteve presente na história de cada um de nós. Hoje, o que há são exemplos terríveis de violência, como tivemos nessa semana que passou, que chocou todos nós, numa creche.

    Eu não estou aqui só pondo a culpa num coitado vendedor de picolé. Ele é a expressão dessa sociedade em que estamos vivendo. As pessoas não toleram mais exposição em museu. É uma situação tão triste de censura, de tudo, em que todos estão atrás de encontrar a diferença que temos entre um e outro; a diferença que temos é enorme. O que nós temos que fazer é, primeiro, não viver – e eu queria concluir com isto – a indiferença, fazer de conta que não está acontecendo nada. "Ainda não é comigo." "Podem cometer injustiça com quem quiserem." "É até bom que aconteça isso." Não é bom, não.

    Vamos tentar ver se construímos um mundo melhor, um mundo mais solidário, um mundo mais justo, porque, senão, a violência vai para dentro da sala de aula. E acho que, em vez de a violência ir para dentro da sala de aula, a sala de aula é que tem que tomar conta dessa sociedade e fazer com que possamos pôr fim à violência. Não serão as armas pesadas que agora o próprio Exército tem que usar para dar um pouco de tranquilidade ou enfrentar o crime organizado no Rio. Não é isso. Essa é uma situação inevitável neste momento, mas o que vai nos modificar, o que vai, de fato, nos empurrar para pôr os dois pés no século XXI certamente será a educação, certamente a cultura, certamente a convivência da paz e não do ódio e da intolerância.

    Por isso, eu queria aqui dizer que as primeiras leis nasceram em 1827. Nós temos agora o Plano Nacional de Educação, que foi implementado em 2014. Nós temos agora o risco das universidades sem orçamento, do ensino público correndo risco, e isso tem que funcionar como desafio não para conseguirmos melhorar um pouquinho o orçamento, mas tem que nos empurrar para dizer: "Olhe, vamos repensar o nosso País." Vamos estabelecer um plano – ou decenal, ou de 30 anos, ou de 20 anos – que definitivamente faça com que o País possa se reencontrar com uma coisa bonita do passado, que era haver, mesmo que só para alguns, a boa educação. Mas agora ela teria que ser para todos e em todo lugar. E isso é possível.

    Há pessoas, milhares, milhões de pessoas que fizeram a opção pela carreira do magistério, que fizeram a opção de trabalhar com a educação nas diferentes áreas, e são essas pessoas que nós deveremos referenciar neste dia. Mas, essencialmente, aqui, na instituição mais antiga da República, com quase 200 anos, que é o Senado Federal, a chamada Casa de Ruy Barbosa, nós, no Dia do Professor, que é o dia 15, devemos assumir um compromisso individual, pessoal, mas pensando no coletivo e dizendo: temos que mudar o modelo que o Brasil adotou para a educação, fazer com que ele se reencontre consigo mesmo e possa seguir em frente, com data, dia e período marcado de nos livrar desta pecha de sermos um País que não tem a educação como prioridade.

    Por isso, do fundo do coração, queria agradecer às professoras, aos professores, cumprimentar todos, especialmente os do meu Estado – com todo o respeito aos demais –, que são heróis, trabalhando nos mais distantes lugares, nos ajudando a fazer com que a educação do Acre deixasse de ser uma referência negativa e passasse a ser uma referência positiva para o nosso Brasil.

    Muito obrigado ao Senador Cristovam e a todos que estão presentes. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2017 - Página 11