Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a necessidade de melhorias na segurança pública do País.

Autor
Rose de Freitas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Comentários sobre a necessidade de melhorias na segurança pública do País.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2018 - Página 73
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, INDICE, VIOLENCIA, BRASIL, MAIORIA, VITIMA, JUVENTUDE, NEGRO, MULHER, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, ORGÃOS, SEGURANÇA PUBLICA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETIVO, COMBATE, CRIME, REFERENCIA, INTERVENÇÃO FEDERAL, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), HOMICIDIO, MARIELLE FRANCO, VEREADOR, ENTE FEDERADO.

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que esse discurso que vou fazer agora da tribuna vem acompanhado de um sentimento de consternação devido à grave crise de segurança pública da cidade do Rio de Janeiro, situação essa que foi determinante para a decretação da intervenção federal no Estado – a primeira vez que isso ocorre sob a Constituição, que ajudei a escrever, desde 1988 –, mas eu tenho que citar aqui um fato cruel e devastador que foi o assassinato da Vereadora Marielle Franco e do seu auxiliar Anderson Gomes.

    Essa face, Sr. Presidente, é a mais dramática face que eu ousei presenciar ao longo da minha vida pública e que se passou na antiga Capital da República. O caso do Rio de Janeiro, no entanto, mesmo que emblemático e impactante, até pelo que a antiga Capital representa para o nosso País, está longe de ser o único caso ou o isolado caso.

    O fato, Sr. Presidente, é que vivemos, no Brasil – e isso já há muito tempo –, uma explosão de violência, uma epidemia, como algumas vezes se diz com razão, já que há mesmo o aspecto patológico desse fenômeno da segurança pública, situação que, por sua vez e por sua extensão, lembra os efeitos de uma guerra civil. Em 15 anos, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, entre 2001 e 2015, quase 800 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, o que dá em média 143 pessoas por dia, seis por hora, uma a cada dez minutos.

    Como chegamos a esse ponto, Sr. Presidente? Por que estamos vivendo e convivendo com essa barbárie todos os dias? O que foi que nós deixamos de fazer? O que nós deixamos de ouvir? O que nós deixamos de decidir? Um estudo da ONU de 2014 já apontava que 10% de todos os homicídios ocorridos no mundo eram cometidos no Brasil. Nossa sociedade, Sr. Presidente, está sofrendo, está doente, e essa violência que se espalha por todo o tecido social, desdobrando-se ainda em insegurança e medo, que nós experimentamos viver todos os dias, é o sintoma mais grave dessa doença.

    O que me preocupa, sobretudo, é o que os dados mostram: que a situação está piorando. Entre 2005 e 2015, o número de homicídios no Brasil cresceu algo entre 48 e 50 mil por ano para cerca de 60 mil. Passamos de uma taxa de cerca de 26 assassinatos por cem mil habitantes para algo próximo a 30. Há uma nítida aceleração na escalada violenta que acomete, que assola a nossa sociedade. E se não fizermos nada, como não fizemos no passado, para enfrentar essa tendência, tornamo-nos, sem sombra de dúvida, Sr. Presidente, cúmplices dela.

    Eu chamo a atenção para um aspecto particularmente perverso e danoso dessa violência homicida: é que ela vitima, sobretudo, a juventude. Quase 54% dos homicídios ocorridos em 2015 vitimaram homens jovens entre 15 e 19 anos. No início dos anos de 1980, Sr. Presidente Dário, que assume a Mesa, o pico da taxa de homicídios dava-se aos 25 anos; hoje, aos 21 anos. Ou seja, os jovens, Sr. Presidente, morrem cada vez mais cedo vitimados pela violência homicida.

    Não podemos ignorar os efeitos demográficos dessa tendência, que serão inevitavelmente sentidos no médio e longo prazo. As mulheres não estão isentas de sofrer os efeitos dessa violência homicida. Pelo contrário. Entre 1980 e 2013, a taxa de homicídio de mulheres passou de 2,3 por 100 mil habitantes, para 4,8 – um aumento de 111,1%. A promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, arrefeceu momentaneamente o ritmo de crescimento dessa taxa, mas não deteve o seu aumento.

    Recentemente, foi introduzida na nossa legislação a figura do feminicídio. Ainda faltam, para que a gente possa comentar aqui, desta tribuna, dados mais precisos sobre a ocorrência de feminicídios no Brasil, mas temos alguns indicadores que nos permitem começar a delinear o quadro.

    Com base em dados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde, que registra os atendimentos no SUS provocados por violência, a pesquisa Mapa da Violência de 2015 concluiu que, em 2013, dos 4.762 homicídios de mulheres registrados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade, 2.394, isto é 50,3% do total daquele ano, foram perpetrados por um familiar da vítima.

    Ora, um dos critérios de identificação do feminicídio, Sr. Presidente, é a violência praticada no contexto doméstico e familiar, a exemplo do que vimos no jornal, há uns dez dias, praticado também com uma professora no meu Estado. Esse número indica, portanto, que, em 2013, ocorreram cerca de sete feminicídios diários, Sr. Presidente, cujo autor foi um familiar. Essas 1.583 mulheres foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro, o que representa 33,2% dos homicídios femininos ou 4 casos diários de mulheres assassinadas por seus parceiros naquele ano.

    Há tragédias dentro da tragédia da violência. Por exemplo, a cor da pele e o sexo aumentam o risco de morte. No Espírito Santo, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, da Secretaria Nacional da Juventude, o risco comparativo entre uma jovem negra e uma branca é 3,5 vezes maior para as negras. Já o risco relativo de um jovem negro, homens e mulheres, ser vítima de homicídio, em relação a um jovem branco, é de 2,7 no Brasil. No Espírito Santo, meu Estado, é de 5,5%.

    E não podemos esquecer, Sr. Presidente, que, especialmente no caso das mulheres, crianças e idosos, a violência homicida é apenas o aspecto mais grave e trágico da questão. Maus-tratos físicos e psicológicos, agressões de todo tipo, de verbais a sexuais, assédio, humilhações, ameaças, o rol de violência é vasto. O mais grave é que, na maior parte do tempo, ocorre no ambiente opaco do espaço doméstico, onde essas vítimas levam uma existência muitas vezes invisível aos olhos da opinião pública.

    É especialmente difícil lidar de forma direta com essa violência que atinge, sobretudo, as mulheres, as crianças e os idosos no ambiente doméstico. Mas ela é, frequentemente, reflexo da violência que se espalha na sociedade como um todo.

    Voltemos ao problema da violência homicida e do que isso representa em termos de questão pública relevante, cujo enfrentamento por meio de políticas públicas específicas é imperativo.

    Muitas vezes, nesta tribuna, ao abordar esse tema, eu percebo o olhar disperso dos meus companheiros, mas agora quero chamar a atenção para outro aspecto do problema, que, muitas vezes, pode passar despercebido ou ser tratado como de somenos importância. Se ficamos apenas nesse quadro geral de situação do País que esbocei até agora, já temos uma representação suficientemente trágica e, ao mesmo tempo, inteiramente realista do problema. Mas, se olharmos mais de perto, Sr. Presidente Dário Berger, regionalizando os dados e prestando atenção às diferenças que se revelam na distribuição da violência pelo País, novas dimensões se acrescentam e agravam o quadro que mencionei.

    De fato, Sr. Presidente, as desigualdades que existem entre as regiões brasileiras refletem-se também na forma como a violência se distribui por nosso território. Até os anos 90, a Região Sudeste concentrava os Estados mais violentos do Brasil. Mas isso mudou drasticamente na última década. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de homicídios caiu 44,3% entre 2005 e 2015. Mesmo no Rio de Janeiro, que nós já abordamos tantas vezes e que hoje se encontra sob intervenção federal, a taxa caiu 36,4%, ainda que, nos últimos anos, a tendência seja registrada de alta novamente. Em Minas Gerais, a situação é mais complexa. Embora na média entre 2005 e 2015, a taxa tenha caído 1,1%; entre 2010 e 2015, voltou a subir.

    Em compensação, nas regiões Norte e Nordeste, o quadro é gravíssimo. No Rio Grande do Norte, a taxa de homicídio subiu 232% entre 2005 e 2015; em Sergipe, 134,7%; e no Maranhão, 130,5%. Na Região Norte, o Tocantins viu sua taxa de homicídio crescer 128,1% e Roraima, 64,5%.

    Há notáveis exceções nessas regiões. É certo e é importante prestar atenção a elas, já que também podem nos dar pistas de como enfrentar o problema. Em Pernambuco, por exemplo, houve uma queda de 20% no período de 2005 a 2015, embora, a partir de 2014, a taxa tenha voltado a crescer fortemente. Em Alagoas, ainda que a taxa em 2015 tenha ficado em 31,2% mais alta do que em 2005, entre 2010 e 2015 desacelerou e chegou a cair 21,8%.

    O Espírito Santo, meu Estado, Senador Ricardo Ferraço, enfrenta situação difícil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2016 foram registradas 1.296 mortes violentas no Espírito Santo. Em termos percentuais, o Estado registrou 32,6 mortes violentas por 100 mil habitantes, número semelhante ao de Estados como o Rio de Janeiro.

    A pior notícia é a de que o que poderia ser uma tragédia eventual transformou-se numa tragédia cotidiana em nosso País. De acordo com o portal G1, do Espírito Santo, em 2016 e em 2017, houve um aumento de 14,4% no número de homicídios em solo capixaba. Em 2016, foram 873 homicídios. Em 2017, 999. O período considerado foi o de 26 de fevereiro a 30 de novembro de cada ano. O mesmo portal G1 decidiu isolar o começo de 2017, quando a greve de 22 dias de policiais deixou um saldo de 210 assassinatos, de acordo com o Ministério Público estadual. Greve que, inclusive, provoca sequelas até hoje.

    A violência tem várias causas, mas certamente a falta de investimento adequado na preparação das forças policiais, que devem ser treinadas e equipadas, está entre as causas mais significativas. Penitenciárias que se parecem com centrais do crime organizado também contam para fomentar essa tragédia que decepa a vida de milhares de brasileiros e arruína a vida de um número maior de familiares das vítimas. Outra grande causa é a impunidade. No Espírito Santo, apenas para citar um exemplo, 86% das investigações não chegam ao Judiciário.

    E é interessante observar exemplos bem-sucedidos. É o caso de Pernambuco que, durante alguns anos, logrou estancar a violência homicida e destacar-se no cenário violento que se instalou em outros Estados nordestinos. Lá, um programa do governo estadual, chamado Pacto pela Vida, fez a diferença, desde que foi implantado, em 2007, ainda que, a partir de 2014, a violência tenha voltado, aumentado, em Pernambuco, com os índices regredindo aos níveis de 2009.

    É preciso apostar na ideia de que o Estado precisa ocupar os espaços sociais vazios de proteção e, portanto, Estados socialmente vulneráveis, garantindo efetivamente o acesso das pessoas a serviços que lhes são devidos e que proporcionam mais qualidade de vida.

    O Brasil parece ter olhado transversalmente para o problema da violência. Segurança não é apenas proteção policial; é também proteção social; é também fortalecimento das comunidades, por meio da melhoria da qualidade de vida do cidadão.

    Seja como for, Srªs e Srs. Senadores, o que esses exemplos mostram é que a ação do Estado é decisiva no enfrentamento da violência, seja no sentido de revigorar o sistema de segurança pública, atuando na repressão e no combate à criminalidade, seja garantindo à população os serviços e os meios necessários para que possa viver e prosperar sem precisar recorrer à violência.

    Os exemplos nacionais encontram ecos em experiências exitosas em outros países. Vamos lembrar, por exemplo, o caso dos Estados Unidos, que sofreram com um retrocesso de escalada da violência a partir de 1980, mas que conseguiram revertê-lo com ações do Estado organizado em torno de três eixos: policiamento comunitário; aumento do efetivo das forças policiais; e práticas policiais e leis mais rígidas.

    Outro caso de sucesso geralmente lembrado é o da Colômbia. Nos anos 90, a taxa de homicídio na Colômbia chegou a 95 por 100 mil habitantes, em uma época em que o país sofria severamente com a luta armada e com a atividade dos cartéis da droga. A mudança começou com uma reforma da polícia, com a remoção dos policiais corruptos, com a modernização da gestão e com a mudança da cultura policial. Em Medellín, particularmente – que chegou a registrar a taxa de 381 homicídios por 100 mil habitantes, no início de 1990 –, havia lugares em que o Estado simplesmente não podia entrar. Foi preciso que a ação policial e militar que recuperou aqueles territórios fosse desdobrada em ações de recuperação e de inclusão social...

(Soa a campainha.)

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – ... com programas que proporcionassem serviços básicos de reurbanização e reconstrução da infraestrutura das cidades, dos distritos, das comunidades. Tudo isso resultou em uma queda significativa da taxa de homicídios.

    Onde foi que o Brasil deixou de cumprir o seu dever, as suas obrigações, deixou de se organizar para enfrentar a contínua escalada da violência?

    Enfim, Sr. Presidente, os exemplos nacionais e internacionais nos mostram uma ação estatal coordenada, e isso tem que ser sempre lembrado para que amanhã, ao elegermos um Presidente da República, ele tenha compromisso com essa questão da segurança pública, compromisso social para ajudar na questão da segurança pública e, sobretudo, comprometimento na Administração Pública local e nacional, envolvendo tanto a segurança pública quanto a segurança social. São imprescindíveis esses mecanismos para que a gente possa partir para o enfrentamento eficaz do problema da violência.

    Cabe-nos perguntar o que nós Parlamentares podemos fazer a esse respeito, dentro do esforço do Estado para enfrentar a violência homicida. Somos legisladores, e legisladores têm papel a desempenhar: é o esforço de aperfeiçoar. Cabe-nos pensar a toda hora em fazer um esforço para que as normas que regulamentam a segurança pública se aperfeiçoem. E são necessárias ações para modernizar e tornar mais eficiente o trabalho policial e a gestão do sistema de segurança.

    É assim, Sr. Presidente, nesse sentido, que eu gostaria aqui de lembrar uma proposta de emenda à Constituição – apresentada por mim e subscrita por diversos Senadores e Senadoras – que propõe a federalização dos órgãos de segurança pública. Há vários sinais de que o nosso sistema de segurança pública está exaurido; está decretada a sua falência. A epidemia da violência que nos assola não tem nisso sua única causa, certamente – é um fenômeno mais complexo do que eu estou abordando aqui. Mas, nessa escalada de violência, é sem dúvida demonstrada a incapacidade do nosso sistema de segurança pública, a nossa incapacidade de Estado, de agentes de Estado, de enfrentá-la. Há facções criminosas, Sr. Presidente, controlando nossos presídios; rebeliões recorrentes nas prisões; polícias, muitas vezes, despreparadas ou mal equipadas; e Estados e Municípios incapazes de assumir o encargo de reparar e sustentar a segurança pública. O Espírito Santo, como já vimos, é, infelizmente, um triste exemplo disso.

    Há, ao todo, 84 órgãos de segurança pública, em geral desvalorizados, ineficientes e sucateados, que não interagem e não cooperam uns com os outros, e não há uma inteligência comum para organizar esse sistema. A ideia da PEC que apresentamos é unificar e federalizar a segurança pública, incorporando as polícias civis à Polícia Federal, unificando as polícias militares em uma polícia militar da União e unificando os corpos de bombeiros militares em um corpo de bombeiros militar da União. Com isso, Sr. Presidente – só para concluir –, nós visamos à valorização dos policiais civis, sem, contudo, tirar a capacidade de investigação que eles tão bem detêm sob seu controle, bem como à racionalização, à desburocratização, à otimização, à uniformização de procedimentos e equipamentos, eliminando as redundâncias e os conflitos ocasionados pela existência de 27 estruturas heterogêneas nas unidades da Federação.

    Esse passo de aperfeiçoar a gestão da segurança pública, como sugerem as experiências exitosas que evoquei anteriormente, é apenas um ingrediente na solução do problema da violência. Porém, eu o considero fundamental. A aprovação da PEC, que ganhou nº 6, de 2017, é uma contribuição importante para colocarmos a questão da segurança pública e do enfrentamento da violência em outro patamar.

    Eu bem sei, Presidente, que, na vigência da intervenção federal no Rio de Janeiro, não temos a possibilidade de apreciar emendas à Constituição, mas espero que possamos aproveitar ao máximo o momento para aprofundar nossa reflexão, que se faz necessária, que não é de somenos importância e que não pode ser objeto somente do meu discurso. Nossa reflexão precisa aperfeiçoar os mecanismos normativos que nós ainda podemos fazer, de modo que, oportunamente, possamos retomar, de forma profícua, essa pauta em nossos trabalhos legislativos.

    Sr. Presidente – e muito obrigada pela sua compreensão –, Srªs e Srs. Senadores, a questão da violência, que vem acelerando e ganhando contorno cada vez mais dramático no Brasil, é um grave empecilho ao nosso desenvolvimento, é uma ameaça real ao nosso futuro – essa é uma ameaça real ao futuro desta Nação! Trata-se de um tema que deve ter absoluta prioridade para todos nós. Sem paz, não é possível uma vida social saudável. Precisamos nos livrar da patologia da violência homicida, sob pena de vermos todos os nossos demais objetivos como Nação – tudo que se fala, tudo que se pede, tudo que se prioriza nesta Nação – fracassarem.

    Como disse recentemente o General da reserva Roberto Jugurtha Câmara Senna, que comandou as operações no Rio em 1994, a violência que se espraia deixou de ser uma questão de segurança pública; é uma questão de segurança nacional.

    Concluo, Sr. Presidente, sugerindo que nós todos nos esforcemos ao máximo para abordar esse tema em nossa pauta com a prioridade que ele merece – sei que posso contar com V. Exª, o Brasil pode contar com V. Exª. A nossa sociedade, que está cada vez mais doente e sofrendo mais com a corrosão da violência, espera isso de todos nós.

    É preciso que o Parlamento, neste grave momento da nossa história, permaneça vigilante e, sobretudo, saiba tomar as decisões na hora em que se faz necessário – deixaram de tomar no passado esta Casa, a outra Casa do lado da rua e o outro Poder do outro lado da rua. A sociedade está esperando que nós tenhamos a capacidade de nos unir e façamos algo urgente pela nossa Nação.

    Sobre a Marielle, eu quero dizer: Marielle e Jeferson, presente!

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Senadora Rose de Freitas, deixe-me só entrar rapidamente nessa discussão.

    Eu não preciso dizer para V. Exª da admiração que tenho por você, minha querida correligionária, minha amiga. V. Exª aborda um tema atual, relevante, importante. Nada nos toca mais do que a violência humana, aquela praticada pelos nossos semelhantes mesmo, brasileiros e brasileiras. Parece-me que nós perdemos o controle disso, nós perdemos a capacidade de gerenciar isso que representa a nossa liberdade, a liberdade, a satisfação, a honra de poder caminhar, de poder andar nas mesmas calçadas, de utilizar dos mesmos espaços e por aí vai.

    Eu queria aqui buscar a intervenção do Rio de Janeiro bem rapidamente, pois eu sei que há Senadores inscritos e já vou passar a V. Exª. Certamente, deve ser agora V. Exª, Senador Lindbergh, porque o primeiro orador inscrito como Líder seria o Senador Cidinho, que não se encontra. Como, evidentemente, é um Líder e um orador inscrito, então, certamente, se o Senador Cidinho não aparecer, V. Exª será o próximo. Daí nós vamos intercalando. Só me permita mais um minuto para eu abordar este tema, pois também preciso participar desta discussão.

    A intervenção no Rio de Janeiro, evidentemente, se faz necessária, ela é importante, mas esse não é um problema do Rio de Janeiro, esse é um problema de Florianópolis, a capital mais segura do Brasil. Quero dar um dado para V. Exª. A Organização das Nações Unidas estabelece que uma taxa de 10 para cada 100 mil habitantes é normal. V. Exª sabe quanto que foi a última taxa em Florianópolis? Ela foi de 30,7%; em Joinville, 22%; em Chapecó, 17%; em São José, 16%; e, em Blumenau, 11%. Isso é só para demonstrar para V. Exª que o problema da violência hoje não é um problema do Rio de Janeiro, muito pelo contrário.

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – Com certeza.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – O problema do Rio de Janeiro é muito mais amplo do que a violência. Chegamos ao fim de um ciclo no Rio de Janeiro, com as instituições todas degradadas, com a autoestima lá embaixo do povo do Rio de Janeiro com relação às instituições, à classe dominante, à classe política. Portanto, este é um tema que merece de nossa parte ampla análise.

    Eu ainda continuo sempre achando que essa violência toda – talvez não toda, mas boa parte dela, se não a maior parte – está diretamente relacionada às desigualdades que existem no Brasil. A violência só prevalece onde não existe o Estado, onde o Estado é omisso. E, na verdade, o Estado no Rio de Janeiro, em função das favelas, que são múltiplas, é omisso. Os nossos jovens não têm oportunidade de emprego. Há um dado segundo o qual as maiores vítimas são jovens de 17 a 23 anos. Desses, 73% das mortes são de negros. E por que morrem? Porque certamente eles não tiveram a oportunidade que nós tivemos. Se somos diferentes, é porque talvez tivemos oportunidades diferentes. O que nós precisamos é de programas sociais.

    Digo mais para V. Exª. Eu fui candidato a Prefeito em Florianópolis, cidade muito parecida com o Rio de Janeiro em sua geografia, suas montanhas, seus morros e seu processo de ocupação irregular e clandestina se transformando posteriormente em favela. Dizia-se no debate da campanha política que era preciso intervir nessas áreas. E eu disse naquela oportunidade que o morro não precisava de polícia; o morro precisava de programas, de projetos sociais, de inclusão etc. Pois eu, quando fui Prefeito, tive a oportunidade de fazer o maior programa social do Estado de Santa Catarina no Maciço do Morro da Cruz, um morro composto por 16 comunidades, com aproximadamente 8 mil residências, todas desassistidas e abandonadas, sem acesso, sem escola, sem saúde, sem esgoto, sem água, sem nada. E nós investimos ali. Inclusive, foi um programa do Governo Federal do Presidente Lula de urbanização e humanização das áreas carentes e favelas. E o que aconteceu? Qual a violência que há hoje no Maciço do Morro da Cruz? Não há mais violência no Maciço do Morro da Cruz, porque nós abrimos estradas, levamos ônibus, o acesso, a escola, saúde, lazer, campinhos de futebol. Houve uma grande e profunda transformação daquela comunidade.

    Enquanto nós não fizermos no Rio o que foi feito em Florianópolis, modéstia à parte pela minha participação, certamente nós não vamos resolver o problema do Rio de Janeiro. Quando passamos pelo Rio de Janeiro, vemos o contraste da cidade formal e da cidade informal, a ilegal. É uma tristeza ver aquilo. Não é possível que vamos conviver com isso durante muito tempo.

    Aí nós nos deparamos com um caso como o da Marielle e do Anderson, que brutalmente foram assassinados, e, até agora, nós estamos com dificuldade de descobrir quem são os autores dessa chacina, que lamentavelmente ocorreu.

    Eu queria só me associar a este tema também para transmitir também um pouco da minha dor e da minha angústia com o cenário atual em que nós estamos vivendo. Eu acho que nós estamos diante do fim de um ciclo. Nós precisamos reconstruir isso, mas nós não vamos reconstruir isso com intervenção. A intervenção é necessária, eu aprovei, concordo; ela é importante, é fundamental, é vital; mas, a médio e a longo prazo, é só com políticas de inclusão social, de redução das desigualdades sociais. Há hoje uma desigualdade tamanha que 6 empresários têm a riqueza de 100 milhões de brasileiros. O que nós vamos esperar de um País como este?! Lindbergh, meu prezado Senador, me diz, me diz, me diz! São 12 milhões de desempregados, não sei quantos subempregados, e quem não está desempregado está com cachorro-quente na rua, está se virando, está vendendo uma marmita etc. e tal. Esse é o Brasil em que nós estamos vivendo. O Brasil de quando eu tinha 18, 19 anos, que nós imaginávamos que era o País do futuro, se degradou, piorou, involuiu ao invés de evoluir. Os ricos ficaram cada vez mais ricos e os pobres, mais pobres, o que é inconcebível em um País como o Brasil, com essa riqueza toda, com essa dimensão continental. Certamente, nós haveremos de um dia, quem sabe... Outro dia, eu disse para V. Exª que tinha uma certa desilusão. Fui muito criticado no meu Estado etc., mas eu corrigi na minha fala dizendo que eu preciso de uma motivação nova, porque eu sou um guerreiro sempre pronto para o combate. E espero que possamos reconstruir o Brasil o mais rapidamente possível.

    Por isso, quero parabenizar V. Exª.

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – O microfone.

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – E, de jeito nenhum, V. Exª pode abrir mão. Um a menos nessa luta faz grande falta.

    Eu queria fazer um apelo – V. Exª ainda é Presidente e podia reforçar. É que as pessoas, diante dessa gravidade da situação em que vimos Marielle e Anderson – há outras Marielles e tantas outras e há tantos outros Andersons –, não aproveitassem o momento dessa tragédia para fazer infâmias, manchar a honra das pessoas que não estão em pé nas ruas para se defender. Eu repudio a fala da Desembargadora e a fala do Parlamentar e acho que o que nós temos que fazer agora é nos unir pelo Brasil, que nós achamos que ainda está em tempo de ser salvo.

    Muito obrigada a V. Exª. Eu sempre com o coração nas suas palavras. Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2018 - Página 73