Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Breve histórico do feriado de Cabralzinho no estado do Amapá, celebrado no dia 15 de maio.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CULTURA:
  • Breve histórico do feriado de Cabralzinho no estado do Amapá, celebrado no dia 15 de maio.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2018 - Página 104
Assunto
Outros > CULTURA
Indexação
  • REGISTRO, FERIADOS, ESTADO DO AMAPA (AP), MOTIVO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, LUTA, GUERRA, OBJETIVO, DEFESA, TERRITORIO, INTERESSE ECONOMICO, TENTATIVA, INSERÇÃO, PAIS, ESTRANGEIRO, FRANÇA.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Presidente, pela generosidade sua. Faço questão de depois retribuir, inclusive, terminando de conduzir a sessão do dia de hoje para ouvir o seu pronunciamento.

    Mas, Sr. Presidente, todos e todas que nos ouvem e nos assistem pela TV e pela Rádio Senado, eu gostaria de fazer, com atraso de um dia, mas ainda em tempo, o registro da data de ontem para o meu Estado, o Amapá. Ontem, no Amapá, foi feriado. É uma data que tem uma especial importância para todos nós, amapaenses.

     Eu costumo dizer que somente dois Estados da Federação são Brasil porque lutaram para ser Brasil: o Acre, devido às foices de Plácido de Castro, o Acre do meu amigo Jorge Viana, que me antecedeu nesta tribuna, e o Amapá, devido ao feito heroico de Francisco Xavier da Veiga Cabral e de tantos outros brasileiros, no século XIX.

    Então, este pronunciamento era para ter sido feito no dia de ontem. Como ontem não tivemos sessão do Senado Federal, pois tivemos sessão do Congresso e o tempo do Pequeno Expediente na sessão do Congresso é inadequado e limitado para fazer o pronunciamento, para fazer o registro que agora quero fazer. Faço questão de fazê-lo em relação a esta data.

    Faço questão de fazê-lo, porque poucos brasileiros, inclusive no meu Estado, têm dimensão do que significou o capítulo da heroica batalha de 15 de maio de 1895, na Vila do Espírito Santo do Amapá. A Vila do Espírito Santo do Amapá, hoje cidade de Amapá, que foi outrora nossa primeira capital, então, na criação do Território Federal, foi palco de um dos episódios mais heroicos e épicos da Amazônia, no século XIX.

    Justamente em decorrência disso a Assembleia Legislativa do meu Estado aprovou e o Governador sancionou a declaração do dia 15 de maio como feriado.

    Essa história, Sr. Presidente, do 15 de maio de 1895, tem como antecedentes outros eventos. É da disputa pela definição da fronteira portuguesa/francesa nos séculos XVII e XVIII que tem os antecedentes históricos do conflito do século XIX. O primeiro para estabelecer a fronteira como fronteira portuguesa foi o Tratado de Utrecht, de 1713, que considerava o Rio de l'Oyapock, no dizer francês, como o limite entre as duas metrópoles europeias.

    Essa delimitação, a primeira definição do Rio de l'Oyapock, é denominado de Rio Vicente Pinzón, depois denominado Rio Oiapoque. É esse limite, o Rio Vicente Pinzón, que é estabelecido como limite já no século XVIII entre o Brasil e a França.

    Ocorre que essa nossa região, há muito tempo, é tida como uma região riquíssima e uma região de enormes jazidas de ouro. Até a atualidade, é conhecido o ouro da região do Calçoene, o ouro das regiões do Caciporé, que ainda hoje é objeto de exploração.

    Logo, as informações sobre as jazidas de ouro e sobre a localização de um eldorado na região entre o Brasil e a França despertaram a cobiça de franceses e de brasileiros pelo território.

    Os franceses, a partir da nossa independência no século XIX, passaram a defender, convenientemente, que o Rio Vicente Pinzón não era o Rio Oiapoque, como nós hoje conhecemos, e, sim, o Rio Araguari, localizado a 400km ao sul do verdadeiro Rio Oiapoque.

    No século XIX, um pouco antes da nossa independência, ainda sob a vigência do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves e ainda sob a vigência do governo francês, em 1815, é estabelecida uma solução provisória para a região, definindo – assim ficou durante boa parte do século XIX – as regiões entre o Rio Oiapoque e o Rio Araguari como área de Contestado.

    Um dos episódios marcantes dessa chamada área de Contestado ocorre na localidade de Cunani. Como uma estratégia de ocupação colonial francesa, é constituída, naquele período, naquela região, uma república independente. É exatamente isto, Sr. Presidente: no coração da Amazônia, em pleno século XIX, nós tivemos uma república independente: a República do Cunani, com moeda, com selos, com sede da capital, uma república independente, inclusive com a admissão de representação consular em Paris, que tinha Jules Gros, um francês, como seu Presidente. Obviamente, tratava-se de uma estratégia francesa para consolidar a ocupação da chamada região de Contestado.

    Um dos acordos na região de Contestado era que o governo da região de Contestado, enquanto o conflito não fosse resolvido, seria bipartido entre a França e o Brasil. A estratégia da proclamação da República do Cunani, por volta de 1841, 1850, por parte dos franceses, foi claramente uma estratégia no sentido de consolidar a ocupação francesa.

    Nessa chamada região do Contestado, a presença francesa se tornava cada vez mais hegemônica. A dominação se manifestava com a atribuição de nomes franceses a rios e povoados, nomes esses presentes ainda hoje, e fundamentalmente com a proibição da atuação de brasileiros nos garimpos. Cada vez mais, a região de Contestado, que, segundo o acordo firmado entre França e Portugal anteriormente, em 1815, e depois ratificado pelo governo imperial do Brasil, deveria ser um governo bipartido entre as duas nações, era cada vez mais um governo francês.

    Uma forma de reação pelo lado brasileiro foi constituir um governo em forma de triunvirato, que viria a ser presidido por Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, ao lado de Manuel Antonio Gonçalves Tocantins e Desidério Antônio Coelho. Depois, a ousadia francesa já era tanta em descumprir o tratado da região de Contestado, que o governo francês, o governo de Caiena, já tinha inclusive nomeado um interventor para a região, Eugène Voissien, mantendo então o controle francês na região.

    A primeira medida do triunvirato é depor o Governo do Sr. Voissien. Os franceses, para tentar construir uma aparência mais amigável, nomeiam um brasileiro, Trajano, para assumir o governo de Contestado pelo lado francês, mas mantendo o tratamento desigual aos brasileiros.

    Esse Sr. Trajano passa a ser reconhecido por Caiena como verdadeiro representante do governo, do triunvirato, como verdadeiro representante do governo da área de Contestado. A atitude do triunvirato, dirigido por Francisco Xavier da Veiga Cabral, é dar voz de prisão e prender o então traidor brasileiro.

    Foi imediata a reação francesa, a reação do Governador da Guiana Francesa, o Sr. Charvein. É organizada uma expedição militar no navio de guerra Bengali, sob as ordens de um capitão do exército francês, o Cap. Lunier, com ordens claras de libertar Trajano e prender todos aqueles que resistissem à sua prisão.

    Nesse aspecto eu quero recorrer à história e a escritos, a uma publicação que temos aqui no Senado, a obra de José Sarney e Pedro Costa (Amapá: A terra onde o Brasil começa) que remete e refere-se a um trecho do depoimento, a um trecho de escritos de um oficial, de um tenente do exército francês sobre o ocorrido no momento da execução de ordens por parte do capitão Lunier.

    Diz nesse relato o Tenente Destoup:

No correr deste relatório foi dito que enquanto a infantaria da Marinha realizava o desembarque, a vedeta e as duas outras canoas chegavam diante do Amapá, a 40 metros mais ou menos das primeiras casas. Neste último ponto, o desembarque se operou sobre uma margem difícil, lamacenta e não abordável.

O capitão Lunier avança em direção do ponto, acompanhado de seu cabo furriel, e do corneteiro e piloto-intérprete Evaristo; percebe-se, nesse ponto, um indivíduo que agita duas bandeiras: uma de quarentena e outra com as cores brasileiras.

O capitão Lunier aproxima-se desse homem e pede-lhe que o conduza à casa de Cabral para parlamentar. O pequeno grupo assim formado avança pela rua até a casa de Cabral, onde aquele aparece. O capitão lhe pergunta – se refere ao capitão Lunier:

— Sois Cabral?

Responde Francisco Xavier da Veiga Cabral: — Perfeitamente.

Então acrescenta o capitão: — Meu amigo, é possível me entregar Trajano?

Cabral lhe responde, mostrando com gesto ameaçador uns quarenta homens que vinham se enfileirar atrás dele com fuzil na mão: — Trajano, se quiser, vá buscá-lo.

Então o senhor me obriga a arrancá-lo à força! — diz o capitão francês.

Termina o capitão puxando o seu revólver e intima Cabral a segui-lo em direção às embarcações.

Nesse momento, Cabral aproveita quando o oficial vira a cabeça para ver onde estão os seus homens, lança-se sobre o seu braço, arranca-lhe o revólver, se abaixa e faz fogo sobre ele, à queima-roupa, com a mesma arma, ordenando a seus homens fogo em direção à guarnição francesa.

    Logo se percebe, pelo relato da época do Cap. Destoup, Sr. Presidente, que poderia o governador do triunvirato amapaense, de imediato, render-se. Esse ato, naquele momento, seria decisivo para consolidar a ocupação francesa no território. Francisco Xavier da Veiga Cabral, ao contrário, resiste e, ao atirar no capitão francês, o golpeia de morte. Em decorrência disso, ocorre um combate que dura dez horas e trinta minutos, segundo relatos da época, na Vila do Espírito Santo do Amapá.

    Do lado francês, figuram seis mortos; do lado brasileiro, ocorre, segundo relatos da época, um verdadeiro massacre: 38 mortos. Embora os primeiros relatos franceses dessem conta de 60 mortos do lado brasileiro, o número exato é de 38 mortos. Mas não é a quantidade que assinala o crime, mas a crueldade desse crime, a crueldade de como o crime contra brasileiros da Vila do Espírito Santo do Amapá é praticado na época.

    Para se ter uma ideia, entre os mortos está uma criança de 10 anos de idade, Joaquim Pracuúba, queimado vivo em sua casa. Esse garoto de 10 anos era semiparalítico, não teve tempo de fugir das chamas que foram ateadas pela guarnição francesa.

    Todos os demais mortos no conflito eram crianças ou idosos. Na verdade, o que se seguiu, por parte da guarnição francesa, não foi um combate na Vila do Espírito Santo do Amapá; o que se seguiu foi um massacre em relação aos brasileiros moradores da Vila do Espírito Santo do Amapá.

    Mais adiante, mesmo assim, vendo a providência por parte da guarnição francesa, é retornar com o Bengali para a Guiana Francesa. A partir daí, há um apelo, por parte dos franceses em Caiena, para retaliação, vingança e ocupação definitiva da região de Contestado. Ao mesmo tempo, Cabral e todos aqueles que são leais ao governo brasileiro do triunvirato se entrincheiram na região de Contestado.

    Não somente o ato de bravura, mas o massacre conduzido por franceses têm enorme repercussão na imprensa brasileira, mas uma repercussão muito maior na imprensa estrangeira, principalmente na França. É manchete de jornais como Le Monde, na França, e tantos outros jornais europeus. O massacre praticado na Vila do Espírito Santo do Amapá envergonha os franceses e impõe a necessidade, ao passo que poderia haver, em decorrência, conflitos maiores na região de Contestado, de que o impasse entre a região localizada entre os rios Araguari e Oiapoque, ou o Rio Vicente Pizón, como sustenta a diplomacia brasileira em 1900, seja resolvido pelo laudo arbitral de Berna, na Suíça, em 1º de dezembro de 1900.

    É, a partir daí, uma segunda batalha diplomática, na qual é fundamental a atuação do Barão de Rio Branco, como diplomata, mas principalmente o resgate dos documentos de outro brasileiro, Joaquim Caetano da Silva, que aponta claramente que o rio de Vicente Yañez Pinzón é o Rio Oiapoque e não o Rio Araguari, como assim definiram os franceses.

    A resolução diplomática do impasse só ocorreu devido à bravura de Francisco Xavier da Veiga Cabral, devido ao sacrifício de 38 brasileiros amapaenses, devido à definição histórica daquele momento como a defesa de um território que se chamava Amapá. O então Território Federal do Amapá só vem a ser constituído quase 50 anos depois, 47 anos depois, em 13 de setembro de 1943.

    A declaração de prisão dada por Lunier a Francisco Xavier da Veiga Cabral é: "O senhor é o Governador do Amapá?" Ao que este responde que sim. Então, honorariamente, o Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, é honorariamente o nosso primeiro Governador.

    Por conta disto, da bravura deste brasileiro, General Honorário do Exército Brasileiro, reconhecido pelo Exército Brasileiro como tal, devido ao sacrifício de amapaenses da cidade do Amapá e devido à batalha ter ocorrido, em especial, na vila com a denominação de Vila do Espírito Santo do Amapá, que este território entre os Rios Araguari e Oiapoque é hoje território brasileiro.

    Este período, Sr. Presidente, é um período de uma epopeia de lutas para a consolidação da ocupação nacional nessa área do Brasil. É um trecho da história nacional que muitos brasileiros não conhecem. Muitos brasileiros não sabem que uma área de quase 80 mil quilômetros quadrados foi Brasil porque brasileiros entregaram o sangue e a vida para serem Brasil. Muitos brasileiros desconhecem que uma região da Amazônia brasileira foi palco de uma República independente, objeto, inclusive, de publicação que pretendemos lançar após o período eleitoral, para não infringir a legislação eleitoral. Foi organizada, inclusive com a autorização do Sr. Presidente do Senado, uma obra que fala sobre a existência da República Independente do Cunani.

    Faço questão, Sr. Presidente, de fazer aqui este registro, no plenário, do 15 de maio, data que é referência não somente para nós amapaenses – e que não pode ser referência somente para nós amapaenses –; deveria ser referência para todos os brasileiros. A nossa fronteira nacional seria menor se não tivesse havido os eventos heroicos de 15 de maio de 1895.

    Por isso, Sr. Presidente, por ser uma data que considero importante para todos os brasileiros, considero urgente nós aprovarmos o Projeto de Lei 707, de nossa autoria, para incluir, no Panteão dos Heróis da Pátria, o nome de Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, pela sua atuação, não pelo nome do Gen. Francisco Xavier da Veiga Cabral, mas principalmente pelo nome de brasileiros que resistiram, alguns de armas na mão e outros com a própria vida definiram a área do território do Amapá como um território brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2018 - Página 104