Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao anteprojeto, a ser encaminhado pelo Governo Federal, que trata de modificações na legislação penal.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Críticas ao anteprojeto, a ser encaminhado pelo Governo Federal, que trata de modificações na legislação penal.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2019 - Página 23
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • CRITICA, ANTEPROJETO, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, COMENTARIO, PRESUNÇÃO, INOCENCIA, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, AUTORIDADE POLICIAL, REPUDIO, EXCESSO, PODER, MINISTERIO PUBLICO.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, aqueles que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado e pelas redes sociais, esta Casa deve se debruçar nas próximas semanas sobre um controverso projeto para modificar a nossa legislação penal da lavra do Ministro da Justiça e da Segurança Pública. É um roteiro que tem ares messiânicos como seu autor, um projeto que se propõe a ser redentor, a salvar o Brasil da criminalidade e não sem razão já foi batizado de Código Moro.

    Nós teremos a oportunidade de discutir aqui a fundo o mérito dessas propostas apresentadas e já remendadas após uma enxurrada de críticas extremamente qualificadas, mas não posso deixar, Sr. Presidente, de tecer algumas considerações sobre mais essa obra de realismo fantástico, parida por esse Governo de especialistas em engodos e ilusionismos.

    Os 19 capítulos do projeto são uma condensação do chamado Direito Penal de Curitiba – e aqui me lembro das palavras do Ministro Gilmar Mendes, que chegou a citar uma constituição de Curitiba –, esse direito nascido de um conluio entre uma parte da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário que se fez superior às normas legais vigentes no País, com o condão específico de satisfazer as crenças e convicções de agentes do Estado, a despeito da inexistência de provas e da própria Constituição.

    É nesse sentido que o ex-juiz propõe legalizar o fim do princípio da presunção de inocência, o que eles já aboliram na prática ao determinar a prisão de cidadãos condenados em segunda instância, mesmo sem a existência de sentenças transitadas em julgado.

    É o caso, Sr. Presidente, do ex-Presidente Lula, perseguido politicamente, condenado sem provas, sentenciado pela segunda vez, inclusive por uma magistrada que copiou trechos da sentença anterior do próprio Sergio Moro para justificar a condenação do Presidente Lula.

    E é isso aqui também. Esse projeto é também um reconhecimento da ilegalidade praticada pela prisão de Lula, ou seja, se é necessária uma legislação que diga claramente que é possível haver a prisão em segunda instância, é exatamente porque ela não é legal, ela precisa ser legalizada.

    Mas não é sobre isso que eu quero me deter hoje.

    Em outro aspecto, o Ministro da Justiça se esmerou para atender a vontade do chefe a que serve e de quem ganhou o seu cargo, dando contornos eleitoreiros ao projeto. Num clima de campanha, ele instaura a licença para matar, autorizando o homicídio de civis por escusável medo, surpresa ou violenta emoção da autoridade policial.

    Vejam que diferença: enquanto o Governo que aí está propõe dar cobertura a uma autoridade para que possa usar a força, a violência contra alguém ilegalmente – ainda que o faça legalmente –, o ideal é que se busquem outros caminhos. Essa é a política deste Governo. Enquanto isso, o Governador do Maranhão, Flávio Dino, premia os policiais que, responsáveis por uma determinada área, tenham, ao fim de um determinado período, constatado a redução da violência. Estimula-se a redução da violência e não o uso da força para pretensamente diminuir a violência.

    Portanto, são dispositivos, enfim, de contornos absolutamente personalistas, que fazem do Ministério Público uma espécie de Judiciário paralelo e, exatamente por isso, foram duramente criticados por renomados juristas de todo o País.

    É uma peça de marketing denominada diligentemente de projeto de lei anticrime, que, de início, já dá a ideia de que a nossa legislação atual é para favorecer o crime. Nesse sentido, o País precisaria de uma lei feita por um salvador da pátria que combata implacavelmente os bandidos, que acabe de uma vez com a violência e proteja os brasileiros de todo o mal existente na face da Terra. Isso parece um enredo da Liga da Justiça, escrito por alguém que se acha o próprio Batman.

    Entre os alvos eleitos por ele, estão também os crimes de peculato, corrupção ativa e corrupção passiva, que o Ministro fez um exercício teleológico para ligar ao tráfico de drogas e às mortes violentas. Não se pode deixar de enxergar nisso mais um elemento da sua cruzada contra a política, contra os políticos e contra os partidos, aos quais ele faz uma associação direta com o crime organizado e, em razão disso, promete combatê-los com a mesma régua, o mesmo empenho e o mesmo rigor, embora, até o presente momento, algumas denúncias gravíssimas que vinculam Parlamentares a grupos organizados, milícias não tenham sido da parte dele objeto sequer de um único comentário.

    É assim, diminuindo a democracia e as instituições democráticas, que o Ministro parece buscar ascender, como uma figura imaculada que se porta acima de tudo e de todos.

    Mas nós vamos discutir tudo isso aqui, ponto a ponto, para mostrar toda essa marquetagem por trás desse projeto, todas as falhas, todas as ameaças que ele representa à cidadania, porque essa proposta não só não terá efeito sobre o controle e a redução da criminalidade no Brasil, como poderá aumentar ainda mais a violência em um País onde a polícia é aquela que mais mata e que mais morre em todo o mundo. Alguma coisa tem que estar errada para nós termos esses títulos.

    Nós queremos saber, por exemplo, por que o Governo e o paladino da Justiça não inseriram nem uma linha no seu Projeto de Lei Anticrime sobre o combate à sonegação fiscal. A estimativa é de que nós perdemos por ano algo como R$500 bilhões, R$0,5 trilhão em sonegações fiscais. Isso é mais do que o dobro do que se esvai pelos ralos da corrupção, cujo total está na casa dos R$200 bilhões e que já é muito, um absurdo completo e total.

    A sonegação fiscal também retira recursos públicos, Ministro! Assim como a corrupção, ela impede severamente a implementação de políticas de segurança pública efetivas. Mas por que V. Exa. não dedicou um só capítulo para punir os sonegadores? Será uma proteção oferecida aos milionários, aos ricos empresários que deixam de recolher bilhões ao País?

    Não se trata aqui de criminalizar a atividade produtiva, inviabilizando e prendendo pequenos, médios e até grandes empresários que, por determinadas razões, não conseguem adimplir suas obrigações, quitá-las no prazo previsto.

    Falo aqui dos sonegadores contumazes, profissionais cujo produto dos saques aos cofres públicos equivale a 17 vezes o orçamento do Bolsa Família para 2019 e aos quais o seu projeto, convenientemente, fechou os olhos, como de regra tem feito a Justiça neste País, como bem sabe V. Exa., ao levantar a venda dos olhos para julgar uns e baixá-la para julgar para outros.

    Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a dívida ativa brasileira é da ordem de R$1,580 trilhão. Desse total, mais de 93% são de origem tributária, e o projeto de lei anticrime será omisso em relação a isso.

    A pergunta que eu faço ao paladino da justiça, o Ministro da Justiça, é a seguinte: será que a lógica para resolver a violência continuará sendo a de investir na criminalização da política e na legitimação da morte de jovens negros pobres, que é o que acontece todos os dias neste País, enquanto os mais ricos seguem absolutamente intocados pelos crimes de sonegação que cometem sob as vistas e o beneplácito do Poder Público?

    É inaceitável, Sr. Ministro!

    Então, quero sugerir aqui a S. Exa. o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, que já tem tanto a corrigir nesse projeto, que faça ele mais esse adendo para prever rigorosa punição à sonegação fiscal.

    Hoje, por exemplo, um indivíduo que age deliberadamente para burlar o Fisco e sonegar fica isento da punição se efetua o pagamento. Ora, isso nada mais é do que um prêmio a quem foi pego e teve de acertar o que deve. Essa extinção da punibilidade não pode ser a qualquer tempo. Ela poderia ou deveria ser limitada, por exemplo, como acontece em vários países, ao encerramento da etapa administrativa. Após isso, a punibilidade seria mantida contra o sonegador.

    Então, Sr. Presidente, são propostas que nós estamos oferecendo para que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública tenha com os ricos o mesmo rigor e a mesma gana com que age contra os mais pobres. Nós vamos travar esse debate e apresentar projetos, propostas e emendas necessários a abrigar essa previsão.

    Temos, por exemplo, Sr. Presidente, que modificar completamente essa farra dos Refis. Hoje, no Brasil, é mais vantagem sonegar, deixar de pagar tributos, fazer apropriação indébita de benefícios pagos pelos trabalhadores das empresas do que pagar os impostos em dia.

    Por quê? Sabe-se que, daqui a pouco, virá um novo Refis para trazer recursos emergenciais para o Poder Público e, ao mesmo tempo, para evitar a punição daqueles que sonegam.

    Temos de disciplinar isso. Não pode, por exemplo, uma empresa ou alguém fazer sucessivos refinanciamentos da sua dívida. Não podemos aceitar, como fez o Governo de triste memória desse Michel Temer, que deu perdões, vários, elevadíssimos, para devedores do Fisco, da Previdência Social, enquanto fazia o discurso cínico de que era preciso fazer reforma da Previdência, reforma trabalhista e outras mais. Ele foi uma verdadeira mãe para os ricos deste País, para os sonegadores.

    Não podemos permitir que isso aconteça novamente, que se venham impingir aos trabalhadores, ao povo pobre do País a perda de direitos enquanto, ao mesmo tempo, se concedem perdões aos ricos na área da agricultura, dos serviços, da indústria e, principalmente, do setor financeiro, Sr. Presidente.

    É disto que se trata: em vez de nos prostrarmos diante dos argumentos daqueles que querem impor à opinião pública a ideia de que só se pode resolver o problema da crise e do desequilíbrio fiscal se for pelo lado do corte das despesas, devemos mostrar que há um outro caminho.

    Antes de querer retirar benefícios de quem já vive numa situação tão crítica neste País, por que não cobrar a dívida daqueles que sonegam ao Poder Público o que lhes é devido?

    Esses empresários não são os pequenos. Os pequenos sofrem demais, até de forma absolutamente extemporânea, absurda. Hoje, nós temos pequenas empresas que são obrigadas a pagar antes até mesmo de comercializar os seus produtos e os seus serviços, mas, para os grandes, existe a maneira de, por meio de um tribunal administrativo, resolver pendências de bilhões e bilhões de reais.

    Ou este Congresso Nacional se debruça sobre esta questão ou perderá a credibilidade diante da população.

    Qualquer reforma que venha a ser feita no País deve tomar como referência, em primeiro lugar, reformar os mecanismos de arrecadação, de concessão de dívidas, de benefícios e de outras benesses àqueles que não cumprem com a sua obrigação mínima.

    É tão engraçado que, dentro deste Governo, existem aqueles que têm quase que uma devoção pelos Estados Unidos. É uma adoração. É um "seguidismo". Ah, se fosse em tudo! Nos Estados Unidos, quem não paga imposto vai para a cadeia. Não há impunibilidade para o crime de sonegação. Vai para a cadeia! Pode ser rico, pode ser pobre, pode ser ator de Hollywood, pode ser jogador de futebol americano.

    Assim é também em vários países da Europa. E aqui se sonega e ainda tem gente que fica com pena. O auditor bate uma foto com o artista que sonegou, o jogador que sonegou, ou com o dono de banco que sonegou.

    Não! Nós temos que acabar com isso.

    Então, Sr. Ministro Sergio Moro, se V. Exa. é realmente um paladino da justiça, se V. Exa. é realmente alguém que quer recuperar, para os cofres públicos, recursos para que o Brasil possa ter equilíbrio fiscal e possa investir para melhorar a vida da população, pegue esse seu projetinho de segunda categoria e implemente, coloque nele alguma coisa que fale desse que é um dos maiores crimes que existe no Brasil: a sonegação fiscal.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2019 - Página 23