Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a grave crise da segurança pública no País, com destaque aos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, que completa um ano, e ao massacre em Suzano (SP). Críticas à política armamentista do atual Governo.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Reflexão sobre a grave crise da segurança pública no País, com destaque aos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, que completa um ano, e ao massacre em Suzano (SP). Críticas à política armamentista do atual Governo.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2019 - Página 91
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, ENFASE, CRIME, VEREADOR, MOTORISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MORTE, CRIANÇA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MUNICIPIO, SUZANO (SP), CRITICA, POLITICA, ARMAMENTO, GOVERNO FEDERAL.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, aqueles que nos acompanham pela TV Senado, que nos acompanham pela Rádio Senado, internautas que nos seguem pelas redes sociais, primeiramente, como sempre, justiça e liberdade para Lula! Lula livre!

    Sr. Presidente, nesta quinta-feira, 14 de março, data em que se completa um ano da execução da Vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, o Brasil se vê em luto por outra tragédia nacional, que foi a ocorrida ontem em Suzano, na Grande São Paulo.

    Oito assassinatos praticados por dois jovens, que depois se mataram, sete deles dentro de uma instituição de ensino, a Escola Prof. Raul Brasil, e que deixaram outros onze feridos e o País perplexo diante da crueldade e do enredo que envolve seus autores.

    Dois rapazes de 17 e 25 anos que prepararam meticulosamente – matérias dizem até que durante um ano – um crime bárbaro contra funcionários e colegas pelo simples exercício do ódio, o mesmo motor que deu ânimo aos executores de Marielle, como ressaltou a polícia.

     Como disse a mãe de um deles: "É chocante ver meu filho chamado de assassino". Mas chamar de quê? É a triste constatação de alguém que desconhecia as atividades do próprio filho, que não tinha ciência de seus interesses, das redes sociais por onde navegava, do que via e buscava na internet, dos jogos eletrônicos que usava e, sobretudo, de como combinava tudo isso com a realidade em que vivia.

    Está muito evidenciado que os assassinos, ambos sem quaisquer antecedentes criminais, amigos de infância, são um produto desta sociedade doente dos dias atuais, em que o diálogo, o embate de ideias e os fatos estão cedendo espaço à intolerância, à violência e à mentira.

    E não posso deixar de registrar aqui que todo esse ambiente pernicioso no Brasil vem sendo intensificado, nos últimos meses, com a entusiasmada militância do Presidente Jair Bolsonaro. Não é segredo para ninguém que toda a vida pública do Presidente foi pautada pelo discurso da truculência, do ataque ao outro, da desqualificação alheia e até da defesa da tortura. Nada disso ele nega; ao contrário, orgulha-se de reafirmar. E tudo isso foi potencializado durante a campanha presidencial em que o ódio aos adversários, especialmente a nós do PT foi disseminado pelo então candidato.

    Bolsonaro apresentou-se como um justiceiro, vendeu aos brasileiros a imagem de que iria resolver os problemas da violência no País na base da bala, do encarceramento indiscriminado, na lei do olho por olho, dente por dente, na supressão do direito de minorias, na eliminação de desafetos e assegurou aos brasileiros que todos iriam poder resolver suas desavenças do mesmo jeito. Foi ele que disse, como candidato, que iria exilar ou mandar prender opositores. Foi ele que insuflou seus eleitores a "fuzilar a petralhada". Foi ele que usou objetos nos comícios para simular fuzis e consagrou o gesto de se fazer uma arma com a mão, banalizando um gesto profundamente violento – gesto, aliás, que ele ensaiou até mesmo com crianças em seu colo, simulando com elas o ato de atirar com armas de fogo. No posto de Presidente da República, um dos primeiros atos do Presidente foi autorizar, por meio de um decreto ilegal que estamos questionando nesta Casa e também no Supremo Tribunal Federal, que cada brasileiro possa ter a posse de quatro armas. E agora quer liberar o porte nos centros urbanos, vendendo essa medida como se ela, de pronto, fosse resolver os graves problemas por que passa o País.

    Foi essa a tônica que marcou a chacina de ontem em Suzano. Não há como nós não enxergarmos nesses dois jovens, um deles, pelo menos, defensor e apoiador de Bolsonaro nas redes sociais, as digitais do discurso de ódio propagado permanentemente pelo Presidente não só no período de campanha, mas também no exercício do cargo para o qual foi eleito. Bolsonaro e os que agem como ele influenciam autores de tragédias como essa.

    Foram necessárias seis horas após o massacre para que ele fosse às redes sociais se manifestar em favor das vítimas e dos familiares talvez porque não tivesse muito o que dizer, talvez porque estivesse pensando em alguma frase em que pudesse inserir, no meio daqueles corpos inocentes, como ousaram alguns fazer ontem, aqui neste Congresso Nacional, a defesa das armas. Por fim, parece ter resolvido não cruzar a linha da sanidade e rendeu-se a chamar o ato de monstruosidade, acordo total.

    A segurança pública é o monopólio constitucional do Estado. Ela não pode ser terceirizada. Ninguém pode oferecer ao cidadão a ideia de que ele possa ter uma arma e sair por aí fazendo justiça com as próprias mãos, de que ele saia resolvendo suas diferenças na troca de tiros. Isso é algo inaceitável, é eliminar o Estado como responsável pela resolução de conflitos, é acabar com as forças de segurança, é empurrar a sociedade para o estágio da barbárie.

    As milícias são um exemplo bem-acabado desse poder paralelo. Hoje estão absolutamente fora de controle em lugares como o Rio de Janeiro, entre outros, ingovernáveis com seus tentáculos em todas as estruturas do Estado, e com seus membros recebendo honrarias e homenagens do Poder Público.

    O Brasil foi o país que mais registrou mortes por armas de fogo no ano passado, em todo o mundo. Foram mais de 43 mil assassinatos. E o Presidente da República, para atender aos interesses econômicos da indústria armamentista e dos países exportadores de armas, como os Estados Unidos, pretende inundar o País com mais armas. É um absurdo!

    Se o Estatuto do Desarmamento tem falhas, como a lacuna em relação às armas brancas, vamos aperfeiçoá-lo, vamos endurecer a legislação para melhorar a lei. Essa é função desta Casa. Agora, é absolutamente inaceitável, vivendo num cenário de guerra como o que vivemos, abrirmos as portas para que o País receba uma enxurrada de armamentos que acabem ficando à mão das nossas crianças e jovens, como os que ontem praticaram aqueles homicídios em São Paulo.

    Precisamos de uma política de segurança pública séria e moderna que seja capaz de responder aos novos desafios impostos pela atualidade, precisamos equipar melhor nossas polícias e, fundamentalmente, precisamos investir em inteligência policial porque, sem ela, estaremos sempre atrás da criminalidade.

    O Estado sobe o morro para revistar favelas, violenta pobres e negros, vai a escolas revistar bolsas de crianças à procura de armas, mas é incapaz, por exemplo, de descobrir um matador de aluguel com um verdadeiro arsenal de 117 fuzis M16. Como pode o Estado, dessa forma, fazer face ao crime e à violência?

    Então, Sr. Presidente, num dia como o de hoje em que completa um ano da morte de Marielle Franco e de Anderson Gomes, temos de parabenizar o trabalho feito pela Polícia Civil do Rio de Janeiro ao esclarecer a autoria do assassinato.Quando cobramos, inclusive, a definição, o esclarecimento sobre os mandantes, mundialmente são feitas manifestações para cobrar um esclarecimento total sobre o assassinato de Marielle.

    No momento em que o Brasil enterra as vítimas do massacre de Suzano, temos de tomar consciência de que não é escoando mais armas para a sociedade que nós vamos conter os homicídios e reduzir a violência. Ao contrário, Sr. Presidente – e vou concluir –, atos dessa natureza só vão piorar a nossa situação, razão pela qual esse decreto de Bolsonaro, que ampliou a posse de armas, deve ser imediatamente revogado. A própria opinião pública já deixou claro, em pesquisas recentemente feitas, que não concorda com a liberalização do uso das armas. E nós devemos nos debruçar seriamente, menos em factoides, como o decreto ou o pacote anticrime, e mais em ações substantivas e consistentes que nos ofereçam soluções mais duradouras e efetivas no combate a essa chaga social que ceifa tantas vidas e faz sangrar tantas famílias, todos os dias, no Brasil.

    Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

DISCURSO NA ÍNTEGRA ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR HUMBERTO COSTA.

(Inserido nos termos do art. 203 do Regimento Interno.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2019 - Página 91