Discurso durante a 27ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Congratulações pelos 164 anos da cidade de Aracaju (SE), comemorados no dia 17 de março de 2019.

Breve histórico sobre o sistema de previdência no País e críticas à proposta de reforma da previdência, de autoria do Governo Federal.

Autor
Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: Rogério Carvalho Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Congratulações pelos 164 anos da cidade de Aracaju (SE), comemorados no dia 17 de março de 2019.
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Breve histórico sobre o sistema de previdência no País e críticas à proposta de reforma da previdência, de autoria do Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2019 - Página 53
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CIDADE, ARACAJU (SE).
  • REGISTRO HISTORICO, PREVIDENCIA SOCIAL, SEGURIDADE SOCIAL, BRASIL, CRITICA, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, REFORMA, DEFESA, BENEFICIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) – Boa tarde, Sr. Presidente, Senador Kajuru.

    Antes de mais nada, eu queria cumprimentar todo o povo aracajuano e sergipano pelo aniversário da cidade de Aracaju, 164 anos, completos no dia de ontem, dia 17 de março. Então, fica aqui a nossa lembrança àquela bela cidade que é a capital de todos os sergipanos.

    Eu queria, Sr. Presidente, falar um pouco sobre o momento que a gente vive no País e falar para os brasileiros e as brasileiras de todos os gêneros sobre o que vem acontecendo e o que está por vir a acontecer com o nosso sistema de previdência.

    Na Europa, a gente vê e acompanha, há quase três séculos – a Inglaterra, a França... –, que vêm desenvolvendo um sistema que desemboca, depois da Segunda Guerra Mundial, num sistema de previdência, na verdade, num sistema de seguridade, que foi, depois da Segunda Guerra Mundial, a base para a reconstrução de toda a Europa Ocidental, que auxiliou aquele povo, ou aqueles povos, depois da Segunda Guerra Mundial, depois de toda a destruição da Segunda Guerra Mundial, a distribuírem riquezas e tirarem o povo da miséria e auxiliou na reconstrução dos países europeus arrasados pelo conflito decorrente da Segunda Guerra Mundial. E o maior instrumento de inclusão, o maior instrumento de reconstrução da sociedade europeia, principalmente dos países do Ocidente europeu, foi a construção de sistemas de seguridade solidários, que se transformaram na base estruturante da sociedade europeia ocidental e que perduram até os dias de hoje.

    Nós temos uma tradição muito mais recente, que começa na década de 20, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões; depois, dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, na década de 30; do INPS, na década de 60, que é a fusão de todas as Caixas de Aposentadorias e Pensões; depois, do Inamps, que inclui a assistência médica; e em 1986, ainda na Nova República, no Governo do ex–Presidente José Sarney, foi criado, foi ampliado o benefício da saúde pública, que era só para os que tinham trabalho formal, a assistência saúde com o SUDS.

    E, em 1988, a Constituição de 1988 cria um sistema de seguridade que é um sistema completo, complexo e protetivo. Cria as condições para uma sociedade solidária, uma sociedade capaz de acolher todos os seus filhos. E nasce ali, na Constituição de 1988, aquilo que é mais importante numa sociedade, que são os direitos que materializam a cidadania de um povo. Então, a partir de 1988, a gente passa a ter uma argamassa, a gente passa a ter uma estrutura definidora daquilo que vem a ser a base da cidadania concreta, real do povo brasileiro.

    E nós estamos diante de um debate que esta Casa vai ter que enfrentar, que é o debate de uma suposta reforma da previdência. Eu digo "suposta" porque, quando a gente tem uma casa e vai fazer uma reforma, a gente muda algumas coisas, mas o intuito é melhorar, é renovar, é adequar ao uso futuro daquele ambiente que se propõe a ser uma moradia. E o que nós estamos vendo no Brasil, neste momento, não é uma proposta de reforma; é uma proposta de acabar com o sistema de seguridade, construído à custa de muitas vidas e de muita luta do povo brasileiro, que se consolidou logo após a redemocratização do País, com a Constituição de 1988.

    A primeira confusão, para aqueles que querem destruir o nosso sistema de seguridade, é juntar o sistema de seguridade, que é o Regime Geral de Previdência, que inclui aí os trabalhadores da iniciativa privada, que inclui o benefício de prestação continuada... Esse sistema nós podemos dizer que é o que compõe o sistema de seguridade, junto com a assistência social, que veio, na Constituição, como um dos pilares da nossa seguridade, e a assistência à saúde, que vem com a criação do Sistema Único de Saúde, como pilares da garantia de três direitos fundamentais: o direito à previdência, o direito à assistência social e, portanto, à dignidade humana e o direito à saúde, que é aquele que vem para preservar o maior bem que o indivíduo, que o cidadão pode ter, que é a própria vida.

    Nesse esteio, são construídos regimes próprios de previdência que são os regimes dos Estados, de alguns Municípios e da própria União. E, nesta confusão de crise, de financiamento dos benefícios, juntam ou tentam juntar o que é o sistema de seguridade com os regimes próprios de previdência.

    Se nós analisarmos os dados do sistema de previdência da seguridade, que é o regime geral, nós vamos ver que esse sistema não tem crise, nem de financiamento, nem de sustentabilidade. O que nós estamos vivenciando é a crise dos regimes próprios de previdência e a crise do regime próprio de previdência dos Estados, de uma maneira geral, que estão com déficits que precisam ser equacionados pelos governos estaduais e que precisam ter uma política, a exemplo do que foi o Proer para salvar o sistema financeiro no passado. Mas não deve ser trazida para o sistema de seguridade do País e colocada na vala comum toda a estrutura de proteção social ou mesmo ser comprometida a estrutura de proteção social do nosso País, que é definida pela nossa seguridade social.

    Portanto, eu queria aqui, primeiro, fazer essa separação de que o sistema do Regime Geral de Previdência, com o Benefício de Prestação Continuada, não está apodrecido. Este é a garantia que o povo brasileiro tem de proteção do direito à vida e do direito à dignidade. E nós não podemos aceitar que uma proposta de reforma ou uma suposta proposta de reforma venha para destruir esse sistema que, dos 30% de brasileiros que viviam abaixo da linha da pobreza, deixou 11% de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Isso não foram os regimes próprios de previdência, foi o sistema de seguridade que nós criamos.

    Nós não podemos aceitar uma reforma que venha a destruir a referência do piso da remuneração para o Benefício de Prestação Continuada, que é o salário mínimo, nem que também venha a destruir o piso para o pagamento do benefício da aposentadoria desvinculado do salário mínimo.

    Essas propostas vão criar uma legião de desaposentados que a União, ou seja, que o Governo Federal vai ter que financiar e uma legião de miseráveis idosos no nosso País, como vem acontecendo no Chile e em outros países que destruíram ou que não foram capazes de construir um sistema de seguridade como nós brasileiros conseguimos construir e fincar, na Constituição de 1988, como um direito fundamental e estruturante da sociedade brasileira.

    Infelizmente, o povo brasileiro, a sociedade, ainda não entendeu que isso é um valor estruturante e fundante de qualquer sociedade que se propõe a ser civilizada.

    Nesse sentido, nós não podemos fechar os olhos para a crise que existe nos regimes próprios de previdência, como não fechamos os olhos, em governos passados, para essa questão. E o Governo Federal, ainda na gestão da Presidente Dilma, criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal, que estabeleceu o teto da previdência geral para todos os servidores do Legislativo, do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público.

    Portanto, já se estabeleceu qual é a regra que universaliza, mas sem romper com a acumulação que a história nos trouxe de um sistema de proteção da sociedade, sem mexer naquele que é um instituto consolidador e fundante de uma sociedade solidária, que é o nosso sistema de seguridade. Partiu dali, e não destruindo este para montar a solução do regime próprio de previdência dos órgãos e das instituições federais. Foi criado a Funpresp.

    Não é verdade que o futuro dos servidores públicos federais, por exemplo, do Ministério Público, do Judiciário, do Executivo, está em jogo ou está em risco. Por quê? Porque a Funpresp criou as condições em que o trabalhador, o funcionário público, o servidor público vai receber o teto, e o Governo e eles, os trabalhadores, com uma contribuição de 8% cada um, comporão um fundo, gerido pelos trabalhadores e pelo Governo, criando uma poupança enorme futura que poderá financiar... É um sistema de capitalização, mas é um sistema de capitalização a partir de um fundo composto por contribuição de patrão e de empregado, no caso, de Governo e servidores públicos.

    Então, não é verdade que o futuro dos servidores públicos federais esteja em jogo. Não é verdade, porque, na Funpresp, é definido o benefício de acordo com o tempo de contribuição, por 35 anos, e a média das contribuições estabelece o benefício definido, que será pago a cada servidor que contribuiu, ao longo de 35 anos, para ter o seu benefício.

    Portanto, o futuro dos servidores públicos federais, seja do Judiciário, seja do Ministério Público, do Executivo ou do Legislativo, tem uma solução. E todos nós sabemos como se constroem soluções previdenciárias: a partir de cálculos atuariais que medem a expectativa de vida e a contribuição necessária para que, nessa expectativa de vida, possa garantir a aposentação e o pagamento de um benefício definido. Isso está equacionado. Então, esta crise não é um fato, não é uma verdade.

    Mas há uma verdade, que é a crise dos regimes próprios de previdência dos Estados. E o que fazer? É chamar os Estados, todos os Estados, a definir um novo regime de previdência, criando para o futuro, como base, como referência, o teto da previdência geral, constituir, a partir daí, novos fundos de previdência – quem sabe até mediado pelo Governo Federal, mediado pelo Banco Central, mediado pela comissão que cuida das previdências, a Previc, que cuida de todos esses fundos –, criar um fundo com todos os trabalhadores, novos ingressantes no serviço público ou nos serviços públicos estaduais e criar um grande fundo e uma gangue poupança para auxiliar o desenvolvimento do País.

    Mas aí vem a pergunta: e a crise fiscal que a gente vive? Como nós vamos resolver? Essa pergunta nós devemos devolver a quem propõe uma reforma da previdência que destrói o sistema de seguridade, que dá garantias ao povo brasileiro, e que aumentará o déficit fiscal e o rombo nas contas públicas, porque o fato de tirar os benefícios, como, por exemplo, querer pagar R$400 pelo Benefício de Prestação Continuada entre 60 e 70 anos, aposentadoria de R$400 entre 60 e 70 anos e todas as restrições como há na Medida Provisória 871, que dificulta o acesso aos Benefícios de Prestação Continuada, é só a destruição daquilo que a gente acumulou como conquista do povo brasileiro.

    Na hora em que o Governo diz que o sistema é capitalizado daqui para frente, mexendo no sistema geral de previdência, que paga, como benefício médio ao brasileiro, em torno de R$1.021, benefício médio, e diz que, a partir de agora, o trabalhador vai contratar no mercado por um tempo de contribuição, e esse tempo de contribuição é o que vai definir o valor que ele vai ter para aposentar, ele está dizendo que esse dinheiro não entrará mais no caixa nem da previdência geral nem nas previdências públicas, ou seja, o déficit fiscal dos Estados, dos Municípios, da União e o déficit fiscal da conta da previdência vão aumentar.

    Então, o sistema atual garante um equilíbrio das contas públicas, o sistema atual. O que nós precisamos é definir que fundo, que mecanismo para que possamos securitizar o rombo, o passivo dos regimes próprios de previdência da União e dos Estados, sem destruir o sistema de seguridade, que é uma conquista do povo brasileiro.

    E como é possível fazer isso? Ora, são R$1 trilhão de isenção fiscal dada às petrolíferas no sistema de partilha...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – ... que foi implantado.

    Ora, nós temos pelo menos R$348 bilhões de renúncia fiscal anual dada para diversos setores da economia do Brasil. Por que a gente não cria um fundo com esses recursos para securitizar a dívida dos Estados e alonga essa dívida ao longo do tempo para melhorar o fluxo de caixa dos Estados? Por que não fazer isso?

    Porque, Presidente Kajuru, o que está em discussão é algo muito tenebroso, muito alarmante, a que o povo brasileiro precisa prestar atenção. O que eles querem é, através do dinheiro que hoje financia o BPC, o que eles querem é o que hoje paga a aposentadoria rural, o que eles querem é o que hoje paga a aposentadoria do trabalhador mais esfolado, mais explorado... É financiar o aumento do tempo de contribuição, que, em vez de considerar o tempo de contribuição mais a idade, que dá 95/85, somando os dois, para garantir que aquele trabalhador possa receber proporcionalmente, porque ele não recebe integral no teto que está estabelecido... Ao contrário disso, eles querem colocar todos os trabalhadores para romper com a estrutura de seguridade e ir para o seguro social.

    E isso vai ter um custo. Quem vai pagar essa conta? Essa conta vai ser paga pelos cofres públicos com que objetivo? Para criar e entregar a nossa poupança, a riqueza do povo brasileiro nas mãos de meia dúzia de bancos.

    Nós vamos financiar a destruição do nosso sistema de seguridade e de proteção da cidadania para entregar essa riqueza aos gananciosos do sistema financeiro, que querem ir ao ventre da Nação e roubar aquilo que é o maior patrimônio de um povo, que é o seu direito, o direito à dignidade, o direito à aposentadoria, o direito à saúde, porque esse é o embalo que nós estamos vendo.

    Então, quando o Partido dos Trabalhadores e quando outros partidos, que com certeza virão aqui e vão dizer não a essa reforma... Não é que não se seja favorável a ajustes no sistema previdenciário brasileiro. É que nós somos contra a destruição de um dos mais bem elaborados e precisos sistemas previdenciários do mundo, que é o sistema previdenciário brasileiro, que funciona muito bem e que retirou milhões de brasileiros da miséria.

    Hoje a população idosa abaixo da linha da miséria é 1%. Sabe graças a quê? Graças a esse sistema previdenciário que eles não querem reformar, eles querem destruir, eles querem acabar.

    Para concluir, Presidente, o senhor sabe que uma sociedade se conforma a partir de como as instituições se posicionam e vão interferindo. O Chile deixou de ser uma sociedade solidária. As pessoas perderam a solidariedade entre elas, porque as pessoas agora são contratantes de seguros individuais. Isso mexe, inclusive, com o modo de organizar e de estruturar o jeito de a sociedade se relacionar.

    Portanto, eu venho aqui para dizer: nós não somos contra resolver o problema dos regimes próprios de previdência, não da União, porque esse está equacionado. Nós não somos contra encontrar uma solução a milhares de mãos que somos, as duas Casas, para resolver o passivo previdenciário, por não ter se preparado para isso ou por terem colocado o recurso...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – Concluindo, desviado o recurso para outras finalidades. Mas nós somos contra a destruição do sistema de seguridade brasileiro, que é, se não a maior, uma das maiores conquistas do Brasil e do povo brasileiro, principalmente do povo mais pobre do nosso País.

    Eu faço esse apelo e digo isso para todos os brasileiros que estão nos ouvindo: vamos nos mobilizar, vamos para as ruas, vamos divulgar, porque não é uma reforma da previdência. É a destruição do sistema de seguridade. É a destruição de um sistema solidário. É a destruição do fim da miséria que nós conseguimos evitar para a população mais velha e para aqueles que precisam do Benefício de Prestação Continuada.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Sergipano, Senador Rogério Carvalho, V. Exa. sempre sobe a essa tribuna – e eu o admiro por isso – de forma tranquila, com seus argumentos. Independentemente de posições ideológicas nesta Casa, V. Exa. apresenta, sem nenhum revanchismo, a discussão desta pauta factual no Brasil hoje, que tem de ser discutida em mão dupla com a sociedade. E tem razão quando observa e traz a palavra suposta. Tomara que ela nunca seja suposta e que ela seja uma proposta, como disse o Ministro Paulo Guedes, da reforma, porque, sendo proposta, a gente vai poder debatê-la e mostrar os dois lados.

    Então, parabéns pelo seu pronunciamento, mais uma vez.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Fica aqui o meu abraço ao povo sergipano e ao povo aracajuano da nossa querida capital, Aracaju, que completou 164 anos ontem.

    Muito obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2019 - Página 53