Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à possível liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádiosde futebol do Ceará, objeto de projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa daquele estado.

Autor
Eduardo Girão (PODE - Podemos/CE)
Nome completo: Luis Eduardo Grangeiro Girão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Críticas à possível liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádiosde futebol do Ceará, objeto de projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa daquele estado.
Aparteantes
Humberto Costa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2019 - Página 59
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • CRITICA, POSSIBILIDADE, LIBERAÇÃO, VENDA, BEBIDA ALCOOLICA, ESTADIO, FUTEBOL, ESTADO DO CEARA (CE), ASSUNTO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE. Para discursar.) – Muito boa tarde, Senador Presidente, digo com muita honra, Lasier, Senador Kajuru, Senador Lucas Barreto, Senador Paulo Paim, Senador Humberto Costa, eu estou subindo a esta tribuna agora, confesso que um pouco constrangido tendo em vista o processo civilizatório que a gente tem testemunhado, graças a Deus.

    Quero saber, Senador Paulo Paim, a que altura do campeonato – e olha que esta palavra campeonato tem duplo sentido, Senador Humberto Costa –, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará está tocando de uma forma como a de um trator atropelando um projeto de lei que é um PL 85, de 2019, que trata, acredite se quiser, em pleno século XXI, da liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios e arenas de futebol do Estado do Ceará. Já não basta o problema, Senador Lasier, que nós temos fora nos estádios de futebol. Eu digo isso como ex-Presidente do Fortaleza Esporte Clube, onde pude vivenciar a violência e, ao mesmo tempo, graças a Deus, a construção de uma cultura de paz entre os torcedores, entre os dirigentes, entre os jogadores, mas um problema que está fora do estádio ser levado para dentro do estádio é algo assim impensável.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores aqui presentes, eu venho até esta tribuna tratar dessa grave ameaça que significa a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol do Estado do Ceará. Para mim, é um enorme retrocesso, totalmente desprovido de bom senso, razoabilidade, legalidade e que poderá colocar em risco a paz nas praças esportivas do meu abençoado Estado, a terra da luz.

    Já poderá ser pautado para votação em plenário na próxima quinta-feira. E foi feito assim, num passe de mágica, em sessões conjuntas, sem discussão de um assunto que impacta a vida de milhares de pessoas, de milhares de famílias.

    Esse Projeto de Lei 8.519, que dispõe sobre o comércio e o consumo de bebidas alcoólicas em estádios e arenas desportivas, define penalidades pelo descumprimento às normas de comercialização. Tal proposta normativa teve uma tramitação, como falei aqui, para lá de atropelada, pois foi aprovada de uma só vez nas Comissões de Constituição, Justiça; do Trabalho, Administração e Serviço Público; Defesa do Consumidor; de Cultura e Esporte; de Indústria, Comércio, Turismo e Serviço; e na Comissão de Orçamento, Fiscalização e Controle, estando pronto para ir a plenário.

    Num País onde tanto se prega o respeito às leis, caso tal projeto venha a ser aprovado, teremos uma expressa violação do art. 24, que determina, como competência exclusiva da União, legislar sobre a matéria desporto.

    Explico: é que a Lei Federal n° 10.671/2003, mais conhecida como Estatuto do Torcedor, no seu art. 13 - A, inciso II, já proíbe expressamente o acesso e permanência nas praças esportivas de pessoas portando bebidas suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos violentos. Essa medida reforça o Decreto Federal 6.117, de 2007, que define a Política Nacional do Álcool, que objetiva – abre aspas – promover o acesso da população a alternativas culturais e de lazer que possam constituir opções de estilo de vida que não considerem o consumo de álcool.

    Portanto, é de clareza solar que Estados ficam legalmente impossibilitados de estabelecer leis sobre tal matéria, pois cabe apenas à União legislar sobre o referido tema.

    Dito isso, Senador Kajuru, Senador Lucas, temo que tal proposta legislativa estadual não representa, tão somente, um atentado aos direitos do torcedor e suas famílias, mas também uma afronta à Constituição Federal de 1988. Dizendo também que a Justiça de Alagoas bem como a de Mato Grosso do Sul e também a do Paraná já reconheceram essa flagrante inconstitucionalidade, concedendo liminares que sustaram as decisões das suas respectivas Casas Legislativas.

    O Ministério Público do Estado do Ceará também já se manifestou discordando da iniciativa de liberação de bebidas nos estádios. Na nota técnica emanada desse órgão, o Promotor-Chefe do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor ressaltou que – abre aspas: "A eventual aprovação dessa lei coloca combustível nos já acirrados ânimos dos torcedores, contribuindo para o retorno da insegurança que tanto aflige a população cearense."

    Srs. Senadores, só pela sua flagrante inconstitucionalidade, tal matéria já deveria ser rejeitada; porém, eu não paro por aqui, não. Não é segredo que o álcool, além de matar mais de 3,3 milhões de pessoas por ano no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, é um dos principais potencializadores da violência doméstica, que traumatiza tantas famílias, e no trânsito, que tira a vida de milhares de brasileiros em plena idade produtiva. E nós falando também de reforma da previdência. Olha como o assunto é pertinente.

    No futebol, não será diferente, pois a rivalidade entre as torcidas poderá ser acirrada pelo aumento do consumo de bebidas alcoólicas, vindo a motivar agressões e atos de vandalismo. Passo a citar dados impressionantes, que caminham no sentido de reforçar o meu raciocínio. No Estado de Pernambuco, do nosso Senador Humberto Costa, o número de ocorrências caiu de 1.643 em 2005 para 112 em 2010, com a lei estadual de 2007 que vetou o álcool nos estádios. Em Minas Gerais, após a proibição, os eventos violentos foram reduzidos em 45%, ou seja, quase a metade. E infelizmente, nesses dois Estados, e apesar dos bons números, inexplicavelmente, Presidente Lasier, o consumo voltou a ser liberado.

(Soa a campainha.)

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – Já em São Paulo, onde a proibição sabiamente persiste, tendo sido adotada após um fatídico evento na final da Supercopa de Juniores de 1995, quando um torcedor foi morto e 102 restaram feridos, os dados apontam para uma redução de 1.745 casos, em 1992, para apenas 49 em 2006, o que já é muito, mas olha a redução: de 1.745 para 49, após a proibição do álcool em estádio.

    Além disso, parece-me totalmente absurda a ideia de relacionar um evento esportivo de massa, como o futebol, que deveria fomentar o culto à saúde e acaba fomentando o consumo de uma droga... Em que pese ser legal e socialmente aceita, é atualmente uma das principais causas de morte violenta no Brasil, principalmente entre os mais jovens.

    Aí eu faço uma pergunta, Senador Alessandro Vieira: que exemplo estamos dando para as nossas crianças e adolescentes, caso esse projeto venha a ser aprovado?

    Cabe lembrar que, em Fortaleza, capital do Ceará, a Câmara Municipal já se manifestou sobre o assunto, através da Lei 9.477, de 2009, que proíbe, em dia de jogos, o consumo e a comercialização de bebidas alcoólicas num raio de 100m dos estádios. Tal preceito normativo, porém, não está sendo efetivado por total falta de fiscalização do Executivo municipal. O Deputado Estadual, idealizador desse esdrúxulo Projeto de Lei 85, de 2009, não escondeu, Senador Lasier, no texto da proposta, que o interesse na aprovação desta matéria tem como prioridade arrecadar sabe o quê? Impostos.

    Ocorre que tal fundamento que visa privilegiar as questões comerciais e aumentar os lucros milionários, bilionários da indústria de bebidas faz questão de dar as costas aos enormes custos sociais e aos riscos trazidos pelo consumo de álcool, principalmente no local onde as rivalidades, as paixões, os ânimos estão sempre à flor da pele. Literalmente é colocar fogo numa panela de pressão.

    Estudos divulgados nos sites dos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense apontam que, entre os anos de 2014 e 2015, os gastos diretos e indiretos com o consumo de álcool no Brasil sugaram 7,3% do nosso PIB, ou seja, R$372 bilhões, ao passo que toda a indústria de bebidas movimentou apenas 1,6% do PIB. Analisando esses números, fica claro que o prejuízo imposto às contas públicas pelo uso e abuso do álcool é infinitamente superior à arrecadação, deixando claro que o lucro é privado, mas o custo é social.

    Portanto, como Senador da República, ex-Presidente do Fortaleza Esporte Clube, agremiação de massa do Estado, e principalmente como torcedor e amante do futebol, que eu sou desde pequenininho, eu repudio essa referida iniciativa parlamentar, por considerá-la uma ameaça...

(Soa a campainha.)

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – ... à segurança – só encaminhando para o final – e ao bem-estar dos torcedores e suas famílias, principalmente se levarmos em conta as estatísticas que revelam uma considerável redução na violência nos estádios do Brasil após a proibição do consumo de álcool nas nossas arenas.

    Aproveito para recorrer ao bom senso dos Deputados Estaduais do Ceará – eu vou conceder aqui um aparte ao Senador Humberto Costa –, ressaltando que essa proposta causa um enorme retrocesso na busca pela paz e segurança nos estádios. Que, na hora da votação, os nossos Deputados cearenses possam pensar na proteção e bem-estar do torcedor cearense e de suas famílias, para que um momento de alegria e lazer não possa se transformar em uma tragédia.

    Senador Humberto Costa, concedo um aparte a V. Exa.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para apartear.) – Senador Eduardo Girão, eu queria parabenizar V. Exa. pelo pronunciamento, pela oportunidade de tratar deste tema. Quero me associar ao posicionamento de V. Exa.

    Nós sabemos o quanto o esporte é algo que polariza as pessoas, até porque tem o aspecto saudável da disputa. E, quanto ao fato de nós termos, nos campos de futebol, a venda de bebidas alcoólicas, eu não tenho nenhuma dúvida de que isso contribui para a violência, contribui para o acirramento dos ânimos. Isso termina gerando brigas, disputas, que afastam os torcedores verdadeiros dos campos de futebol.

    Então, por que nós vamos mudar alguma coisa que está dando certo? Só para atender a interesses...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... econômicos, a interesses que não são os interesses da população e daqueles que gostam do futebol?

    Então, eu quero me associar a V. Exa. nessa expectativa de que a Assembleia Legislativa do Ceará não promova essa mudança, que termina sendo algo que vai contra o interesse da maioria.

    Obrigado.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – Muito obrigado, Senador Humberto Costa.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RS) – Na mesma linha, se V. Exa. me permite... Primeiro, conclua a intervenção.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – Não, pode falar, porque depois eu vou comentar.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RS) – Eu quero lhe dizer que, há poucas semanas, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul manteve o veto do Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, à lei que reabria a venda de bebidas alcoólicas nos estádios do Rio Grande do Sul. Foi um tema extremamente discutido pela imprensa, pelo rádio, pela televisão, e o Governador, depois de várias expectativas para ver qual seria a sua decisão, porque a matéria foi muito controvertida, vetou a lei, e, se não me engano, na semana passada ou na anterior, a Assembleia Legislativa manteve o veto. Quer dizer: as vendas de bebidas alcoólicas em estádios do Rio Grande do Sul estão proibidas.

    Conclua.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – É muito sensata a colocação, Senador Humberto Costa, Senador Lasier Martins, nosso Presidente agora.

    Lá, o Estado de Pernambuco, Senador Humberto, foi um dos pioneiros a estudar esse assunto, após uma proibição, e a ter dados concretos com relação à diminuição da violência. Inclusive, o Presidente do Sport Club do Recife, cujo nome não estou lembrado – é um nome italiano –, foi muito corajoso em determinado momento quando foi colocado contra a parede: "Olha, mas todos os outros clubes estão aprovando, querem". Porque os clubes têm interesses comerciais na venda de bebidas, já que uma parte fica para os clubes. Mas o Presidente do Sport fez uma colocação que me inspirou muito, há uns cinco anos. Ele colocou o seguinte: "Olha, não é o interesse...

(Soa a campainha.)

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – ... do clube que tem que ficar acima do interesse do torcedor que vai lá, porque a gente sabe o que vai acontecer. O interesse comercial não pode se sobrepor ao interesse da coletividade".

    Então, para finalizar este momento, a gente fica apreensivo, porque, desde pequenino, eu vou para o estádio de futebol. Na Copa do Mundo, Senador Humberto Costa, aconteceu um fato que me marcou muito – agora em 2014, Copa do Mundo do Brasil. Houve jogo no Castelão, em Fortaleza, e eu fui assistir com a minha família na arquibancada. Chegou um grande amigo, uma pessoa muito conhecida, cujo nome não vou citar, Senador Kajuru, obviamente, uma pessoa amiga, que chegou com a família; e, aí, batemos papo, aquela alegria. Era o jogo do México contra a Holanda, às 13 horas. Aquela alegria, e ele chegou e disse: "Espera aí que eu vou ali comprar uma cerveja para mim". Era liberado na Copa do Mundo. E ele vem, Senador Kajuru, com dois copos, daqueles grandes. Aí começou a beber. Quando deu o intervalo: "Espera aí que eu pegar mais uma cerveja". Já começou a se alterar. Começou a brigar no começo do primeiro tempo com a torcida que não tinha nada a ver. Os filhos disseram: "Papai, eu não estou te reconhecendo. O que é que está acontecendo com o senhor?". A esposa ficou chateada, pegou os filhos, foi embora do estádio e ele ficou sozinho.

    Inclusive para os clubes de futebol, isso pode ser um problema grave, sabe por quê, Senador Lasier, o senhor como desportista, o Senador Kajuru também, da crônica? Os clubes podem perder até mando de campo. Não estão parando para pensar nisto: confusão generalizada pode levar à perda de campo, o que é prejuízo financeiro.

(Soa a campainha.)

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE) – Então, para encerrar, Sr. Presidente, venho pedir diretamente à população do meu Estado, Ceará – povo que, pelos interesses econômicos e financeiros, foi totalmente alijado da discussão desse projeto –, que não se cale nesta hora, povo cearense, libertário.

    Aqueles que forem contrários à aprovação dessa famigerada iniciativa que se manifestem perante seu Deputado ou Deputada, sempre de forma pacífica e ordeira, mas não menos firme e corajosa.

    Todos sabem que, há muitos anos, milito nas causas de combate e prevenção ao uso de drogas. Comprometi-me com o povo cearense a defendê-las e pautar meu mandato na busca de uma vida mais saudável e por uma sociedade livre das drogas. Sinto-me, portanto, imbuído da obrigação cidadã e patriótica de lutar no limite das minhas forças para que o projeto de lei que libera bebidas alcoólicas nos estádios do Ceará não seja aprovado.

    Presidente, Senador Lasier, agradecendo V. Exa. pela oportunidade, reitero o apelo aos Deputados e Deputadas pelo Estado do Ceará, ao povo cearense para que se mobilizem, porque é grave essa situação. Nós sabemos que no estádio já há muita emoção na torcida, mas, quando vem o álcool, você perde completamente a razão. Então, é um potencial a tragédias.

    Muito obrigado pela participação. Que Deus abençoe a todos nós.

    Obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RS) – Cumprimentos pelo belo discurso e preocupação, Senador Eduardo Girão, que, além de ser um político revelação aqui neste Senado, muito preocupado com as causas sociais e econômicas, preocupado com a saúde, é um homem que vem do esporte também, como Presidente que foi do Fortaleza, e que teve o mérito de colocar o Fortaleza no campeonato brasileiro de futebol, com participação já neste ano. Cumprimentos!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2019 - Página 59