Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a decisão do Presidente Jair Bolsonaro de determinar às Forças Armadas a comemoração do 31 de março de 1964.

Defesa da liberdade do ex-Presidente Lula e críticas ao Judiciário pelo suposto cerceamento de direitos do ex-Presidente.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Indignação com a decisão do Presidente Jair Bolsonaro de determinar às Forças Armadas a comemoração do 31 de março de 1964.
PODER JUDICIARIO:
  • Defesa da liberdade do ex-Presidente Lula e críticas ao Judiciário pelo suposto cerceamento de direitos do ex-Presidente.
Aparteantes
Veneziano Vital do Rêgo.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2019 - Página 18
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • CRITICA, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, SOLICITAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, COMEMORAÇÃO, GOLPE DE ESTADO, MILITAR.
  • DEFESA, LIBERDADE, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, PODER, JUDICIARIO, MOTIVO, IMPEDIMENTO, DIREITO, PERSEGUIÇÃO, POLITICA, EX PRESIDENTE.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado, pelas redes sociais, mais uma vez clamo, como povo brasileiro, justiça e liberdade para Lula. Lula livre.

    E eu queria comentar hoje algo que tem a ver com isso também. Acho que o Brasil inteiro está estupefato depois que o Presidente da República determina que se comemore o aniversário do golpe de 1964, um golpe que representou o fim da democracia, quando direitos políticos foram cassados, mandatos populares retirados à força, o Congresso Nacional fechado, liberdades suprimidas, perseguição, torturas, mortes, exílios, sevícias e desaparecimento de inúmeros opositores do regime. Crianças e até mesmo militares foram vítimas de uma ditadura responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Festejar essa data é fazer apologia a bárbaras atrocidades, homenagear um período de trevas da nossa história.

    Eu tenho certeza e convicção de que as Forças Armadas brasileiras não se sentem confortáveis com mais esse equívoco do Presidente Bolsonaro.

    É preciso repudiar esse ato do Presidente, e isso já produziu várias reações institucionais. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que é um órgão colegiado da Procuradoria-Geral da República, considerou que esse ato merece repúdio social e político e ameaçou, inclusive, com um processo contra o Presidente da República por improbidade administrativa. Isso porque os procuradores enxergaram na atitude do Presidente a defesa de crimes internacionais e constitucionais.

    Bolsonaro, de fato, festeja a morte e o desaparecimento de 434 opositores do regime e oito mil indígenas, prisões ilícitas, torturas e violações sexuais de 30 a 50 mil pessoas, todos crimes bárbaros investigados e identificados pela Comissão da Verdade, formada por pessoas da mais alta respeitabilidade jurídica e social no período do Governo Dilma Rousseff. Crimes que foram perpetrados, de modo sistemático, como política de governo decidida em altos escalões governamentais, com a participação dos Presidentes da República à época. Comemorar isso, Sr. Presidente, é um ultraje à memória nacional.

    E mais: o Presidente da República estimula, com as suas palavras, com os seus atos, um Estado autoritário, o mesmo Estado que condena sem provas, que prende sem fundamentação, o Estado policial, com participação ativa de integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário – não todos nem a sua maioria.

    Refiro-me aqui, entre outros, ao caso do Presidente Lula, vítima de um sistema de perseguição política sem observância e sem respeito à lei. Ele e sua família tiveram as suas vidas devassadas. Foram feitas prisões arbitrárias para incriminá-lo, delatores foram torturados para denunciá-lo, inventaram provas, desconsideraram a defesa, condenaram-no injustamente para suprimir a sua liderança política, caçaram a sua candidatura à Presidência da República, proibiram-no de dar entrevistas, impediram o cumprimento de um habeas corpus em seu favor.

    No processo, o Presidente Lula teve perdas irreparáveis: sua mulher, Dona Marisa, que faleceu, dada a imensa pressão psicológica que sofreu ao longo desse período; seu irmão mais velho, que faleceu, e o Presidente não teve o direito de acompanhar o seu sepultamento; e o que não dizer do seu neto, que ele enterrou aos sete anos de idade, agravando o seu sofrimento, a sua dor, a sua cruz, que carrega desde o dia 7 de abril do ano passado; aliás, de muito antes, porque a perseguição vem de antes.

    Agora as visitas foram limitadas. Anteriormente, o Presidente tinha direito à assistência religiosa. Isso foi retirado. Mais recentemente até o acesso dos seus advogados foi reduzido de seis horas diárias para duas horas, após a tentativa de limitar somente a uma.

    A juíza responsável pela execução criminal já deu demonstrações cabais de que é movida não pelo senso da justiça e do cumprimento da lei, mas por um ódio que é impossível encontrar uma justificativa para que exista.

    Agora vemos que os jornais do sul, especialmente de São Paulo, dizem que depois da prisão do Sr. Paulo Preto, considerado supostamente o operador do PSDB, que movimentou mais de R$150 milhões em dinheiro no exterior, estaria paralisado para que novamente voltassem a focar em Lula e nos seus familiares.

    É extremamente lamentável esse tipo de coisa. Não que deva se fazer mais ou menos investigação sobre o Paulo Preto, que já está preso também, mas porque há uma verdadeira ideia fixa de segmentos do Ministério Público, do Judiciário, dos meios de comunicação, na figura do Presidente Lula. Não é suficiente condená-lo, não é suficiente prendê-lo, não é suficiente impedi-lo de ser candidato; é preciso que ele seja esmagado. E, a cada dia que se passa, Lula está cada vez mais forte, cada vez mais renovado, cada vez mais decidido e consciente do papel que a história lhe reservou. E parece que essa resistência deixa loucos aqueles que querem destruí-lo a todo custo.

    São agentes públicos que usam as instituições, travestindo atividade política em ações legais, em ações estatais, para perseguir desafetos e eliminar adversários da vida pública. Antes, feito com armas nos quartéis; hoje, com togas nas varas da Justiça. A Fundação Lava Jato é um exemplo bem-acabado dessa excrescência em que se transformou aquela operação. Tornou-se uma instituição supraestatal criada à margem da lei e do Tesouro Nacional para financiar projetos pessoais de juízes e procuradores, atacada pela própria Procuradoria-Geral da República, que pediu ao STF a anulação da criação dessa fundação.

    Portanto, denunciar essa arbitrariedade ao Brasil e ao mundo é dever de todos os democratas deste País, especialmente o que acontece com o Presidente Lula, que, indicado ao Nobel da Paz, é um preso político. Esperamos que os tribunais superiores reconheçam essa condição e possam libertá-lo para restaurar o Estado democrático de direito. Isso certamente irá acontecer. A mobilização permanente do povo nas ruas, especialmente no dia 7 de abril, quando se completa um ano dessa prisão arbitrária, na Jornada Lula Livre.

    Por isso, no dia de hoje os verdadeiros democratas não podem, de forma alguma, deixar de se manifestar sobre essa coisa insana, essa coisa difícil de se entender: um Presidente da República, que, ao invés de buscar a concórdia, ao invés de buscar o entendimento, ao invés de buscar a união do povo brasileiro, aposta em mexer em feridas do passado, em comemorar e elogiar um período da nossa história.

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – Senador.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Eu ouço com muito prazer V. Exa.

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB. Para apartear.) – Senador Humberto Costa, eu lhe agradeço penhoradamente. Farei apenas um registro, que eu não poderia deixar de fazer. Desde ontem, quando aqui também estávamos, eu ouvia V. Exa. se antecipar a um pronunciamento nessa...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – ... mesma linha, Presidente Anastasia. E eu também quererei tomar ainda hoje, antes da Ordem do Dia, de fazê-lo e de reforçar o que deveria ser sem patrulhamento – e aqui longe de mim a presunção de estender isso aos meus e minhas, nossos e nossas companheiras –, mas deveria ser uma palavra uníssona de repúdio, respeitando a figura do Chefe do Executivo nacional, até porque, se cá estamos, não estamos por força da existência de um regime ditatorial. Quem está aqui está para fazer prevalecer votos e escolhas por força de um regime democrático.

    É algo, senão insano, para não dizer com tom provocativo – porque não é esse nem o de V. Exa. e muito menos o meu –, impensável quando todos nós estamos despidos de quaisquer outros interesses senão o de ajudar o País a superar situações, mazelas, crises. É algo impressionante o que nós temos assistido, desde a conclusão final, de outubro de 2018: uma incontida pulsação, um sentimento impulsivo de falar aquilo que, muitas vezes, como agora, agride o sentimento nacional. Dizer que há razões para que nós celebremos o dia 31 de março de 1964 é algo inaceitável, abominável. Seria – como bem disse V. Exa. no seu pronunciamento, muito preciso, ilustrando passagens – festejarmos...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – ... as mortes, festejarmos os desaparecimentos, festejarmos as limitações impostas ao livre pensar, ao livre expressar-se. Digo isso, Presidente Anastasia, não apenas na condição de cidadão, o que já me seria suficiente...

    Não vivi esse período, senão as suas consequências de ter nascido na casa de uma pessoa, de um agente político que teve a honra de representar o Estado da Paraíba por três mandatos, como Deputado Federal, e foi cassado pelo regime militar. Falo isso em nome da condição de neto do ex-Governador da Paraíba, que igualmente foi levado ao ostracismo por não aceitar a condução daquele regime, que impunha o totalitarismo, que impunha a ditadura.

    Então, a V. Exa. os meus cumprimentos. Eu muito gostaria de que todos nós, que os 81 Srs. Senadores e Sras. Senadoras, que cá chegaram, repito, por força de um regime democrático, por força de uma escolha livre, pudessem assim se pronunciar diante de mais um lastimável pronunciamento de Sua Excelência o Presidente da República. Não temos nada a comemorar. Que fique na história, para que sirva aos que vêm conosco ou que virão após a nossa passagem, o que não deve ser repetido para o País, querido Senador Humberto Costa!

    Muito grato por V. Exa. me permitir esse rápido e modesto contributo ao seu pronunciamento.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Senador Veneziano Vital, eu agradeço penhoradamente o seu aparte e o incorporo integralmente ao meu pronunciamento.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Associo-me à ideia de V. Exa. de que hoje ou o dia 31 de março seja um dia para nós refletirmos e fazermos como no resto do mundo: em Portugal, o que se comemora são os aniversários da Revolução dos Cravos; na Espanha, o Pacto de Moncloa; em tantos outros países que viveram ditaduras terríveis... Ainda nesta semana, na Argentina, foi comemorado o fim da última ditadura que lá existiu, e, aqui no Brasil, infelizmente, aquele que deveria ser o condutor da união nacional, aquele que deveria ser o defensor principal do congraçamento do povo vai fazer um pronunciamento pedindo que se comemore um tempo tão trágico e tão difícil quanto foi aquele lá.

    Espero que o Sr. Bolsonaro, em algum momento, se dê conta de como ele está parado no tempo. O Brasil não quer viver mais desse tipo de lembrança.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2019 - Página 18