Discurso durante a 91ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente.

Autor
Joenia Wapichana (REDE - Rede Sustentabilidade/RR)
Nome completo: Joenia Batista de Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada a celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2019 - Página 59
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, MEIO AMBIENTE.

    A SRA. JOENIA WAPICHANA (Para discursar.) – Pukudanan, kaimén, ungary, Joenia Wappichana Naaum.

    Bom dia para todos e para todas!

    Eu quero saudar a Mesa em nome da nossa Senadora Eliziane e parabenizá-la pela iniciativa; quero também cumprimentar o Ministro Herman Benjamin, que encontrei lá em Roraima, na Raposa Serra do Sol, em uma comunidade indígena; o Ministro Ricardo Salles; o ex-Ministro José Carlos; demais participantes; o nosso Presidente aqui da Comissão do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Rodrigo Agostinho; e cumprimentar os demais; Senador Randolfe, da Rede Sustentabilidade; o Procurador Coordenador da 6ª Câmara, Antonio Bigonha; e as demais pessoas presentes.

    Eu gostaria de dizer que este dia em que nós refletimos, Senadora, é muito importante para todos.

    Nesse sentido, queria cumprimentar nossas lideranças indígenas que estão ali atrás também. Lembrando... (Palmas.)

    ... Kretan, que está aí, que é um dos coordenadores da articulação dos povos indígenas do Brasil.

    Quero dizer como é importante a presença dos povos indígenas nesta discussão, principalmente porque nós somos os povos originários deste País, porque nós somos os guardiões e sempre viemos nessa luta do dia a dia, enfrentando uma série de conflitos que nos reduziu a números, reduziu a situação ambiental neste País.

    A própria história... Isso não pode ser negado, Ministro, isso não pode ser um discurso negacionista, tanto do processo de colonização e devastação que sofreram os povos indígenas, mas também da sua importância na contribuição para a conservação e a proteção do meio ambiente. Nós temos feito isso milenarmente, com a sabedoria dos nossos ancestrais, com os valores indígenas, com os conhecimentos tradicionais e, principalmente, na defesa dos direitos coletivos, que é o pensamento dos povos indígenas.

    E, neste dia, eu queria lembrar também que, apesar de tudo, nós tivemos certo avanço em termos de legislação e de proteção dos direitos coletivos dos povos indígenas, em termos das políticas socioambientais, em termos de proteção a essa coletividade, que se encontra em risco. Até mesmo essa forma de a gente colaborar com a proteção do meio ambiente.

    Um dos pontos que foram colocados aqui, a questão dos direitos à demarcação das terras indígenas, influencia diretamente nessa proteção. As terras indígenas têm sido uma estratégia de conservação da biodiversidade, de proteção da cultura e da própria vida dos povos indígenas. Essa relação com a terra é uma relação de existência. É um cuidado que se tem, não somente com as futuras gerações, mas também com o presente.

    Muitas pessoas não acreditam nos conhecimentos tradicionais indígenas. Há muito tempo, os povos indígenas têm esse discurso, que muitos consideraram empírico, mas que agora está de fato acontecendo. Nós podemos visualizar isso quando existem todas essas tragédias ambientais, em relação às mudanças climáticas.

    E aqui a gente vem colaborar com a necessidade de termos políticas socioambientais, a relação de as políticas indígenas serem respeitadas. Não somente respeitadas, mas elas são respaldadas em lei e na Constituição Federal de 88.

    E colocando um pouco essa apresentação relacionada aos povos indígenas, eu queria um pouco também lembrar que, ouvindo o Hino Nacional, no início, o próprio Hino Nacional referenda toda essa nossa preocupação. O Brasil é sempre visto como "gigante pela própria natureza". Isso é cantado por todos os brasileiros. Mas o que significa essa frase? A nossa imensa riqueza no Brasil. A gente sempre fala que o Brasil é gigante, tem uma mega biodiversidade. Amazônia, Pantanal e Cerrado, biodiversidade que nós nem conhecemos, inúmeras espécies que ainda não foram sequer catalogadas, conhecimentos tradicionais que não são valorizados.

    Nós poderíamos estar pensando em alternativas, e não ver como um conflito. Como disse a nossa Senadora Eliziane, não existe conflito, existem alternativas que nós podemos apontar em discussões.

    Nossas florestas são parte muito importante da nossa própria sociedade brasileira. Importante na forma como é criado cada povo, cada cultura. São parte dos nossos valores como brasileiros, do cotidiano. E muitas crianças ainda não tiveram nem a oportunidade de ver como é a riqueza na Amazônia, por exemplo.

    Muitos de vocês – não sei –, filhos, netos, não tiveram ainda essa oportunidade de ver o verde que nós ainda temos, ainda temos, apesar de o Brasil ser o País que mais desmata, o que é confirmado em dados. Muito se pensa que a floresta não acaba. Há muita floresta, sim, muita. Mas a cada dia perdemos áreas equivalentes a campos de futebol. Vocês podem imaginar, na imagem que nós temos, que, este verde aqui, se a gente não tomar conta, vai virar campos de futebol.

    Pensando um pouco também nos recursos hídricos, nos recursos naturais, para eles não serem somente vistos como potenciais energéticos e hidrelétricos. Há muita água, mas ela merece proteção, merece ser tratada com olhar nessa sustentabilidade. Metade dos brasileiros vive sem saneamento básico.

    Ontem, eu estava vendo uma matéria no jornal dizendo que nós estamos respirando partículas de plástico que, aos nossos olhos, são invisíveis. Algum tempo mais tarde, nós vamos detectar problemas de saúde em toda a população.

    Eu estive visitando uma comunidade indígena que é banhada por um dos rios que vem da Terra Indígena Ianomâmi. Alguns anos atrás, no povo ianomâmi, com a Fiocruz, foi feito um estudo que detectou a presença de mercúrio nos rios que atravessam a Terra Indígena Ianomâmi. Eu estava comendo um peixe fora; esses peixes, muitas vezes, são pescados e são vendidos nas estradas por não indígenas. O povo ianomâmi detectou isso há poucos anos, mas os efeitos já vêm há mais de 20 anos, com a entrada do garimpo ilegal nessas terras. Nós não estamos sabendo que tipo de peixe se está comendo. É uma realidade na Amazônia. Os impactos que estão acontecendo nas terras indígenas não vão só impactar e afetar os povos indígenas; vão afetar também os não indígenas, porque as águas dos rios correm e os seus efeitos vão para todos os brasileiros.

    Por isso, os povos indígenas estão alertando sobre a contaminação das águas e, muitas vezes, sobre as invasões dos garimpos. Por isso, existe uma preocupação em relação a este tema, que ainda vai ser discutido no Congresso, ainda vai ser ponderado. Existe uma forte pressão para regularizar.

    Ministro, mineração não traz recurso; traz a morte, traz a poluição e é prejudicial a toda a coletividade. (Palmas.)

    Da mesma forma, a gente vem alertar, Sr. Ministro, que as flexibilizações em licenciamentos ambientais colocam em risco vidas, elas colocam as vidas expostas.

    Eu quero fazer uma lembrança aqui do povo que perdeu a sua vida em Brumadinho, que é lá em Minas Gerais, e eu sou lá de Roraima, mas temos a mesma preocupação. Por quê? Porque foi alertado que existia perigo de rompimento nas barragens. Você pode imaginar a cena de pessoas pedindo ajuda e não terem ajuda?

(Soa a campainha.)

    A SRA. JOENIA WAPICHANA – Então, Sr. Ministro, não à mineração! Não à flexibilização aos licenciamentos ambientais! O Brasil precisa mudar esse comportamento de negar, de ter um discurso negacionista em relação aos impactos ambientais, à proteção do meio ambiente, à proteção dos direitos humanos, porque as vidas que foram perdidas lá em Brumadinho não vão retornar. Eles não vão vir aqui reclamar por terem sido vítimas de uma política negacionista de impactos e de uma ausência de fiscalização e de seriedade, em termos de políticas socioambientais.

    Somos nós, aqui no Parlamento, sociedade civil, autoridades que fazem parte do Governo, que precisamos tomar essa posição, porque, senão, vão encarar muitos fantasmas nas suas vidas. Não sei se as pessoas vão conseguir dormir à noite pensando nessas vítimas e nas irresponsabilidades. Nós não podemos ser corresponsáveis com esse tipo de...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRA. JOENIA WAPICHANA – Somente para concluir, porque são muitas coisas também que estão aqui.

    Quero dizer que a gente precisa avançar, sim, na proteção contra o desmatamento, implementar o Código Florestal, não tentar, novamente, manobras para que se ampliem anistias a quem comete crimes ambientais, tentar negar a proteção das unidades de conservação, que contribuem para a proteção de todos aqui, e ter um olhar específico para a questão indígena.

    É responsabilidade do Governo também essa questão da demarcação. Não há como os povos indígenas terem a garantia de suas vidas sem o devido processo de proteção das terras, sem a conclusão da demarcação das terras indígenas, sem o respeito às políticas indigenistas. Extinguir conselhos de participação da sociedade civil é somente afastar e dizer que não quer ser fiscalizado. A gente precisa ter um olhar específico para essa questão.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRA. JOENIA WAPICHANA – Os desafios não são somente do Governo, mas de todos aqui.

    Eu quero agradecer esta participação e dizer que nós estamos atentos. Nós vamos ficar usando as nossas prerrogativas como Parlamentares para nos manifestar, mas também para exigir maior comprometimento e exigir que os direitos sejam respeitados, consolidados e não flexibilizados. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2019 - Página 59