Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Denúncia sobre o aumento da violência rural no Estado do Pará (PA).

Apoio aos representantes do movimento negro de todo o País no pleito de rejeição do projeto de lei anticrime proposto pelo Governo Federal.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO ESTADUAL:
  • Denúncia sobre o aumento da violência rural no Estado do Pará (PA).
GOVERNO FEDERAL:
  • Apoio aos representantes do movimento negro de todo o País no pleito de rejeição do projeto de lei anticrime proposto pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2019 - Página 33
Assuntos
Outros > GOVERNO ESTADUAL
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • REGISTRO, AUMENTO, VIOLENCIA, ZONA RURAL, ESTADO DO PARA (PA), COMENTARIO, DESPEJO, FAMILIA, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), HOMICIDIO, LIDER, SINDICATO.
  • APOIO, REPRESENTANTE, GRUPO, NEGRO, OBJETIVO, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI, COMBATE, CRIME, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POLITICAS PUBLICAS, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, PREJUIZO, MINORIA.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senador Lasier, os gaúchos aqui estão... São quatro gaúchos aqui, mas não se tem direito apenas a três Senadores por Estado? (Risos.)

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - RS) – Na verdade, Senador Paulo Rocha, nós somos seis aqui no Senado, porque há a Senadora Selma também, que é uma gaúcha eleita pelo Mato Grosso; há ainda o Senador pelo Rio de Janeiro, Arolde, que é gaúcho de São Luiz Gonzaga; há o Senador por Sergipe, que é o Senador Alessandro Vieira, que é gaúcho de Passo Fundo. De modo que, vejam bem, são seis Senadores gaúchos, muito embora a Constituição estabeleça o número de três.

    Mas V. Exa. tem a palavra.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a segurança, a economia e as relações internacionais de um país são fatores que o colocam no mapa das grandes nações.

    E eu quero agregar aqui ao meu discurso a intervenção do meu companheiro Jean Paul.

    A sua intervenção chamou a atenção aqui para a questão da soberania do nosso País. E soberania é a grande palavra de ordem, Senador Jean Paul. O nosso País, com tantas riquezas que tem, com o desenvolvimento das nossas instituições, através da pesquisa, da ciência e da tecnologia, fez com que virássemos alvo da cobiça internacional. Então, nós somos muito cobiçados, e a tendência dos países é querer, exatamente, por meio dessa cobiça, tentar impor algumas coisas ao nosso País, coisas que nós já tínhamos conquistado antes, como a soberania perante o mundo econômico mundial e perante as forças do imperialismo internacional.

    Então, a palavra de ordem, com essa sua intervenção, é também a questão da soberania do nosso País. E a nossa Petrobras, eu diria, é a grande mãe dessa conquista da soberania do nosso País, tanto na economia quanto no desenvolvimento econômico, enfim.

    O que está acontecendo nos últimos tempos no nosso País nos faz lembrar da frase do saudoso jornalista Alberto Dines, do Jornal do Brasil, um dia após a promulgação do AI-5: "Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O País está sendo varrido por fortes ventos".

    Eu atualizo essa previsão: estamos em tempos de violações à nossa Constituição, de abuso de poder e de intolerância. Nuvens de violência e atraso pairam sobre o nosso País. A violência já se tornou tão comum que o próprio Estado a pratica e ninguém questiona.

    O dia 11 de junho foi mais um dia marcado por notícias trágicas, principalmente para os que lutam pela terra e pelo direito de produzir no campo. O juiz da comarca agrária de Marabá, no meu Estado, determinou o despejo de 212 famílias do acampamento no Município de Eldorado do Carajás, que já é conhecido, internacionalmente, pela questão do massacre do Carajás. A decisão liminar do juiz da Vara de Marabá representa um terrível retrocesso. Os trabalhadores estavam instalados desde 2008 em fazendas às margens da rodovia BR-155, a 28km da cidade de Eldorado do Carajás. E são reivindicadas pelo grupo Santa Bárbara, do conhecido Daniel Dantas. A ocupação foi consentida pelas partes, após 15 audiências públicas e um acordo entre os representantes da empresa e do Incra.

    Segundo o advogado de defesa das famílias, o grupo Santa Bárbara teve problemas para provar a reserva legal do imóvel. A decisão judicial, que deverá ser cumprida até o dia 17 de setembro, vai afetar, além das famílias de agricultores, a população de Eldorado do Carajás e Municípios vizinhos, porque os agricultores retirados de sua posse pacífica e legítima produzem mais de 8 mil litros de leite, plantam mandioca, fabricam farinha, produzem mel, hortaliças e vendem na Feira do Produtor Rural, gerando renda e ocupação na região, além de utilizarem práticas agroecológicas. Morte anunciada há 29 anos.

    Outro acontecimento impactante foi o assassinato, com três tiros na cabeça, do líder sindical e Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, Carlos Cabral Pereira, também no sul do meu Estado do Pará. Não podemos esquecer que o campo está sempre manchado de sangue. Marcado para morrer, há 29 anos, o sindicalista Carlos Cabral, 58 anos, tombou no final da tarde desse 11 de junho, na área urbana da cidade de Rio Maria, isso depois de ter sobrevivido a um atentado no ano passado, quando foi assassinado o sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, então Presidente do mesmo sindicato rural.

    Antes de Expedito, João Canuto de Oliveira foi morto em 18 de dezembro de 1985, em pleno exercício da presidência do mesmo sindicato. Menos de cinco anos depois, em 22 de abril de 1990, dois filhos de João Canuto, José e Paulo Canuto, foram emboscados e assassinados.

    Carlos Cabral, que foi casado com Luzia Canuto, filha de João Canuto, escapou do atentado na época. Ontem, as balas do latifúndio calaram sua voz.

    Tudo isso, Sras. e Srs. Senadores, é o resultado de um processo de intolerância que varre o nosso País a partir de 2016, inaugurando uma fase de desconstrução das políticas públicas que sinalizam com a paz no campo, assegurando direitos às famílias de agricultores e condenando os mandantes e os executores dos crimes de pistolagem.

    Embora essa prática nunca tenha sido eliminada no campo brasileiro, a matança de lideranças rurais teve redução significativa nos últimos tempos, graças também à pressão popular que levou à prisão e ao julgamento de vários cúmplices e mandantes.

    Recentemente, medidas adotadas pelo Governo, em conivência com os grandes empresários ruralistas, acirraram ainda mais esse processo de violência. Tudo isso cria ambiente favorável à chamada volta à força do grande latifúndio e a que os empresários, os maus empresários, comecem a agir de novo daquela forma de então. Nós já tínhamos deixado isso para trás no meu Estado. Infelizmente, volta com esse crime que ceifou a vida de um grande trabalhador, um grande lutador: Carlos Cabral.

    Por isso, quero registrar isto com muita tristeza porque todos esses dos quais eu falei foram meus colegas de movimento sindical, de luta pela organização dos trabalhadores e pela consciência de um povo.

    Quero falar também de outro tema importante que está a envolver o debate aqui no Senado Federal.

    Ontem, fomos mobilizados por um grupo de organização da população negra que veio aqui bater às nossas portas para tratar de um assunto também tão importante porque se sentem agredidos, se sentem ameaçados.

    A população negra, em especial a juventude da periferia, está sob intenso e agressivo ataque da política do atual Governo. Não bastasse a opressão social e econômica, o Governo Bolsonaro pretende impor ainda mais violência contra os negros. Ao invés de discutir políticas públicas para garantir a vida da população negra, o pacote anticrime de Moro está armando a parcela mais rica da sociedade para, exatamente, agredir, atacar e ceifar a vida dos mais pobres. E nesse contexto é que entram os negros da periferia das nossas cidades.

    Ontem, nós recebemos, na nossa Liderança, representantes de 50 entidades e organizações do movimento negro em todo o País. As lideranças vieram ao Congresso Nacional para alertar sobre os perigos que o pacote anticrime representa para a população negra do País. Juntos, entregamos ao Presidente do Senado, Senador Davi Alcolumbre, uma carta reprovando o pacote e pedindo a rejeição dos projetos.

    Os representantes do movimento também participaram de audiência na Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Senador Paulo Paim. As lideranças defenderam o protagonismo da população negra, não apenas social e econômico, mas também na política, o que apoiamos integralmente, pois a população negra é responsável pela construção do País e deve ter sua presença garantida em todos os espaços.

    Segundo dados do IBGE, a população negra corresponde a 53,92% da população brasileira, mas não conta com a atenção correspondente por parte do Estado brasileiro. Ao contrário, as propostas apresentadas pelo atual Governo, por exemplo, apenas potencializam a prática do ódio e aprofundam o genocídio contra a população negra. De acordo com dados do Atlas da Violência de 2019, 75,5% dos homicídios ocorridos no ano de 2017 foram de pessoas negras.

    Além dos pobres, da população negra das periferias urbanas, a violência social e de classe se abate sobre outros segmentos negros da sociedade brasileira. As comunidades quilombolas, por exemplo, incluindo as comunidades pesqueiras, sofrem cotidianamente com o preconceito, hoje estimulado pelo mau exemplo dos governantes. No caso, o preconceito e a violência já se traduzem em ameaças de morte e, mesmo, assassinatos de lideranças dos trabalhadores.

    O corte do orçamento das universidades ataca gravemente também essa população, porque ascenderam às universidades os pobres e os negros através das cotas, que possibilitaram aos filhos dos negros ter acesso às universidades públicas do nosso País.

    Atualmente, o Brasil conta com 6 mil comunidades quilombolas, das quais 3,5 mil são certificadas pela Fundação Palmares, e aproximadamente 200 possuem títulos. Na audiência, as lideranças questionaram: "por qual razão não há o efetivo reconhecimento das comunidades quilombolas? Na verdade – dizem eles, e confirmamos nós –, além do racismo objetivo, social, econômico, existe uma institucionalidade que chancela o preconceito".

    Presente na audiência pública, o pai da Vereadora Marielle, Antônio Francisco, relatou a trajetória da filha, que, durante dez anos, atuou na defesa dos direitos humanos e das minorias nas periferias do Rio de Janeiro.

    Trago aqui as palavras de Seu Antônio, dizendo que "há mais de 400 anos gritamos, procuramos nossas defesas, mas continuamos sendo aviltados em nossos direitos humanos". No entanto, para ele, assim como para nós, essas ameaças nos dão forças para que continuemos na caminhada, na luta da libertação de nosso povo.

    Nos nossos governos, muito fizemos pela população negra, em todos os segmentos da sociedade. Por meio das cotas, abrimos as portas das universidades para a juventude negra, em especial pobre e da periferia. E promovemos um conjunto de iniciativas sociais e de organização que valorizaram e promoveram a autoestima da população negra.

    A sociedade brasileira está despertando e se organizando na defesa dos direitos sociais, conquistados e garantidos ao longo do processo de redemocratização do nosso País. A presença dos movimentos sociais organizados nos corredores do Congresso Nacional mostra que a sociedade brasileira está se mobilizando. Portanto, amanhã é hora de o povo ir para a rua, mobilizar-se em defesa dos seus direitos e para que o nosso País não caia no retrocesso. O movimento sindical brasileiro está chamando uma greve geral para chamar a atenção do povo, mas também chamar a atenção principalmente do Governo para o fato de que a população organizada do nosso País não deixará que o País caia nesse retrocesso e que a conta do processo caia só sobre os pobres, só sobre as comunidades mais pobres, nesse caso, a comunidade negra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2019 - Página 33