Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento a favor do Projeto de Decreto Legislativo n º 233, de 2019, que susta o decreto presidencial que versa sobre porte e posse de armas, e críticas ao armamento da população.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Posicionamento a favor do Projeto de Decreto Legislativo n º 233, de 2019, que susta o decreto presidencial que versa sobre porte e posse de armas, e críticas ao armamento da população.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2019 - Página 13
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • APOIO, DECRETO LEGISLATIVO, OBJETIVO, SUSPENSÃO, DECRETO FEDERAL, ASSUNTO, POSSE, ARMA DE FOGO, PORTE DE ARMA, CRITICA, POLITICA, ARMAMENTO, POPULAÇÃO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senador Lasier Martins, gaúcho como eu, Senador Kajuru, grande Líder aqui da Casa, que não representa só o Estado de Goiás, mas representa a visão de grande parte dos brasileiros, claro que unanimidade ninguém é, mas Senador Kajuru, Senador Lasier, é exatamente o tema que vou falar é o que V. Exa. já anunciou.

    Hoje o debate na Casa vai ser a questão do porte de armas, e essa questão do porte de armas, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, fiz questão de ser o primeiro a falar hoje, para dizer que fiz lá audiências sobre esse decreto do porte de armas, e, dos especialistas que foram lá, nenhum defendeu o porte de armas.

    Então, Sr. Presidente, eu aqui, esta história de ameaças... Confesso que a mim ninguém ameaçou, se me ameaçassem, eu contava também, porque todos sabem a minha posição. A mim ninguém ameaçou. Agora, eu deixo muito claro aqui que votarei contra o decreto do porte de armas.

    Eu não tenho nenhuma dúvida, mas dúvida nenhuma de que, com mais armas circulando, vendidas para todos aqueles setores que o decreto elenca, a tendência é que ocorram mais assassinatos, mais mortes e, principalmente, nos setores mais vulneráveis. Refiro-me aos pobres, negros, brancos, mulheres, indígenas, LGBTs, enfim, aqueles que são considerados os mais, efetivamente, miseráveis.

    Há um dado interessante que passaram lá os especialistas, Senador Lasier: 54,3% dos casos de feminicídio no País ocorrem nas famílias – nas famílias. É dentro da própria família; ou é o ex-companheiro, o ex-esposo, enfim, litígios internos.

    Mulheres são atacadas, na maioria – olha o que eu vou dizer – com facas, punhais, as chamadas armas brancas. Vejam bem o que dizem, na sequência, os especialistas. Eles dizem, alertam que com a liberação do porte de arma de fogo, a tendência vai ser aumentar principalmente feminicídios, ou seja, a violência, o ataque e o assassinato das mulheres. Porque mais facilmente o camarada está armado, houve o desentendimento, em vez de procurar uma faca, já que ele quer matar, e aí são facadas que a gente vê, os anúncios do fato acontecido, de uma, duas, três, quatro, cinco, dez; dá dois, três tiros e segue em frente.

    Mais armas em casa trazem mais risco, inclusive com crianças, suicídios, brigas e discussões banais. Arma é o símbolo da violência. Isso, em toda a história da humanidade. Não vai ser agora que vai mudar.

    Levantamentos mostram que a maior parte das armas de fogo utilizadas em ocorrências criminosas foram originalmente vendidas de forma legítima, a cidadãos autorizados, que depois tiveram a arma desviada ou subtraída. Mostra também que nas chamadas camadas do andar de cima, quando cometem o crime, é sempre arma de fogo. Só os mais pobres, e isso é a explicação que eles dão, os técnicos, que usam a arma branca, porque não tinham acesso às armas. Mas no momento em que você vai liberando, liberando e liberando as armas, em mais quantidade circulando no Brasil, podem ter certeza de que vai aumentar o número de assassinatos.

    O Estatuto do Desarmamento é uma lei – é uma lei. É Estatuto do Desarmamento, que está sendo substituído agora por um "decreto do armamento". O estatuto leva o nome Estatuto do Desarmamento. Sancionado em 2003, é um instrumento, esse, sim, de combate à violência. Ele trata sobre registro, posse de arma. Posse! E não trata, Sr. Presidente, do porte de armas.

    Pesquisa Ibope – alguns dados a mais, Presidente Lasier – aponta que 73% – 73% – são contra a flexibilização do porte de armas do nosso povo, e somente 26% são a favor; 76% são contra o porte de armas, somente 26% são a favor; 37% dos brasileiros são favoráveis a novas regras para possuir arma de fogo em casa, e de novo, 61% são contrários, mesmo nesse caso.

    A segurança e o combate à violência deve ser feito pelo Poder Púbico. Não podemos delegar à população o que é uma obrigação do Estado.

    Calculem: se há uma discussão aqui dentro, como já aconteceu em outros tempos, forte, acalorada – e, às vezes, vai para o ataque pessoal, como sabermos que vai –, e já que os políticos vão poder andar armados, cada um puxa o seu canhão mais poderoso e vai para as vias de fato.

    Diria mais, Sr. Presidente: se for assim, com o Estado se ausentando e cada um se defendendo como puder, estaremos voltando ao faroeste, estaremos voltando aos filmes de bang-bang; se for assim, estaremos criando muralhas, separando, criando um modelo de sociedade excludente, voltado para o individualismo, o conflito, preconceito e a exploração.

    Quem vai comprar as armas mais poderosas? Os mais ricos. Não serão os mais pobres a comprá-las. O pobre vai comprar lá um pequeno revolverzinho, que, talvez, na hora de atirar, ainda falha. Agora, o rico vai estar sempre muito bem armado. Quando acontecer um acidente de carro, os dois vão descer armados. Um, sabendo que o outro já vem armado, vai se adiantar e vai alegar legítima defesa.

    Reitero o que venho dizendo nas Comissões e nos debates aqui no Plenário: não é armando a população brasileiro que vamos resolver o problema da violência no País. Nós estamos chegando a aproximadamente 14 milhões de desempregados, onde 80% da população, direta ou indiretamente, depende ainda da política de salário mínimo. Em que situação essas pessoas vão ficar se for liberado o porte de armas?

    É preciso, repito, investir, sim, em educação, em formação, em saúde, em políticas humanitárias, emprego, renda, direitos sociais, na segurança e, repito, mais uma vez, na educação e na saúde.

    Lembro aqui ainda um estudo do Ipea que diz que nenhum investimento público social contribui tanto para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quanto o que é feito em educação e saúde. Cada R$1,00 investido em educação pública gera praticamente R$2,00 para o PIB. O mesmo valor investido na saúde gera, de novo, aproximadamente, R$2,00. Os valores levam em conta investimentos da União, Estados e Municípios.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Investir na educação e na saúde, isso, sim, é acreditar no povo brasileiro; é construir um círculo virtuoso, que vai gerar conhecimento, desenvolvimento, cultura, virtudes, preparação para o mercado de trabalho, aumentando, consequentemente, emprego e renda, proteção social, promoção da cidadania e, logicamente, eu diria, estará combatendo a violência.

    O País precisa de orçamentos mais conscientes, mais robustos para a educação, para a saúde e também para a segurança, que é um dever do Estado. É preciso privilegiar esses setores e dar continuidade às políticas públicas do bem-estar.

    Violência não se combate, Sr. Presidente Lasier Martins, Senador Kajuru, com armas, mas com sabedoria, com educação, com conhecimento, com ensino técnico, com cultura. Temos que permitir, sim, que as crianças e os adolescentes, os jovens, possam viver, entender, compreender a importância das políticas humanitárias na defesa da vida. Assim, podemos, de fato, sonhar com um mundo melhor para todos.

    A condição humana e suas diversidades terão que ser respeitadas. Que as divergências, a gente as enfrente no bom debate, no bom diálogo, entendendo e deixando claro que pensar diferente é positivo. Agora, botar arma nas mãos dos que pensam diferente para que eles decidam quem tem a arma mais poderosa é um equívoco, Sr. Presidente. Por isso, eu tenho certeza que todos aqueles que amam a liberdade, que amam a justiça, todos aqueles que respeitam a vida, todos aqueles que respeitam o meio ambiente, todos aqueles que olham para o próximo pensam consigo mesmos: "Eu não quero para ele aquilo que não quero para mim". Então, eu não quero que ele ande armado porque ele se torna potencialmente alguém que poderá facilmente morrer também pela troca de tiros. Não quero nem para um nem para o outro.

    Por isso, Sr. Presidente, eu repito: armar, não; amar o próximo como a si mesmo, isso, sim.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Espero que hoje, Sr. Presidente – e eu concluo –, esta Casa, com equilíbrio, com sabedoria, derrote esse decreto, anule esse decreto, revogue esse decreto. Que a gente possa... Se quiserem até mexer no projeto do Estatuto do Desarmamento, vamos discutir...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... via um projeto de lei. Vamos discutir um projeto de lei aqui.

    Só para concluir, Presidente.

    Vamos discutir...

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - RS) – V. Exa. me desculpe, mas há um defeito técnico aqui.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Não, eu sei que não é V. Exa. Isso aí deve ser a energia negativa daqueles que querem armar a população.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - RS) – Não é nenhum protesto.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Eu sei. Conheço V. Exa. V. Exa. me deu já quatro minutos a mais do meu tempo. Eu me comprometo a terminar nesses dois minutos.

    Sr. Presidente, quem quiser discutir, nós temos o Estatuto do Desarmamento, que é uma peça que eu ajudei a construir. Eu não nego que cheguei aqui na Constituinte e, de lá para cá, nunca vi uma ousadia tão forte como esta de fortalecer a violência. Uma investida como esta, contra a vida, eu nunca vi. Botar arma na mão dos mais variados setores da população...Veja bem: estamos falando aqui do porte de arma. Façam: quem tiver essa ousadia mande para cá um projeto de lei. Vamos discuti-lo exaustivamente. O que não dá é baixar um decreto e dizer que a partir de hoje todos podem, dentro daqueles critérios mínimos, andar armados e resolver qualquer conflito, até de pensamento e de ideias, na base da bala.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Olha, o decreto chega a dizer – eu repito porque eu ouvi o Capitão Styvenson dizendo aqui, da tribuna – que cada um poderá ter até cinco mil balas em casa. Cinco mil balas! Mas cinco mil balas para quê? São para se defender cinco mil balas? Quem está me ouvindo é capaz até de achar que eu estou fazendo aqui uma piada com essa bala doce. Nada disso; é bala de arma de fogo, bala para matar. Calcule o cidadão na sua residência com sete, oito, nove, dez, quinze armas e cinco mil balas à disposição dele para que ele atire em quem bem entender.

    Senador Lasier, muito obrigado pela tolerância de V. Exa.

    Eu estou convencido de que este Plenário não vai vacilar, de que este Plenário, defendendo a vida, a justiça...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... a liberdade, o respeito às divergências e à própria diversidade, não há de permitir que esse decreto seja mantido. Ele será revogado no dia de hoje.

    Obrigado, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - RS) – Muito bem. Respeitável posição do Senador Paim, que também será contrariada por outros pronunciamentos. Inclusive mais tarde pretendo falar sobre o mesmo assunto.

    Obrigado, Senador Paim. Sempre é um prazer tê-lo aqui.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Esse contraditório é que enriquece a democracia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2019 - Página 13