Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a Previdência Social e manifestação sobre a necessidade de ajustes na proposta da reforma da previdência para a redução das desigualdades sociais.

Autor
Eduardo Girão (PODEMOS - Podemos/CE)
Nome completo: Luis Eduardo Grangeiro Girão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Reflexão sobre a Previdência Social e manifestação sobre a necessidade de ajustes na proposta da reforma da previdência para a redução das desigualdades sociais.
Aparteantes
Jean-Paul Prates, Paulo Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2019 - Página 39
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, ENFASE, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROPOSTA, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE. Para discursar.) – Boa tarde.

    Presidente desta sessão, Senadora Rose de Freitas, Senador Jean Paul Prates, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, todos os funcionários e visitantes desta Casa, subo a esta tribuna pela primeira vez neste segundo semestre, no retorno dos nossos trabalhos aqui na Casa, para fazer um discurso sobre a Previdência Social. Acabamos de receber aqui, há pouco, nesta Casa, a reforma que veio da Câmara dos Deputados e algumas considerações eu gostaria de fazer neste momento.

    Com inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Brasileira de 1988 instituiu um amplo sistema de proteção social denominado Seguridade Social, do qual a previdência é parte essencial para a consolidação desse verdadeiro marco civilizatório.

    O Brasil ostenta um grande paradoxo. Há décadas está entre as dez maiores economias do Planeta e, quando falamos em riquezas naturais e potencial energético, o Brasil é campeão mundial. Mas esse imenso e riquíssimo País tem 26% de sua população, ou seja, 55 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, o que, segundo critérios do Banco Mundial, é quem vive com uma renda inferior a R$406 por mês.

    A Previdência Social é, de longe, a mais importante política pública de redistribuição de renda, ajudando muito na redução das nossas gravíssimas desigualdades sociais. Estudos da Anfip apontam que, sem o pagamento dos benefícios da previdência, o percentual de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, na miséria, passaria para 47%, ou seja, cerca de 100 milhões de pessoas aqui no Brasil.

    Todos os países do mundo necessitam realizar periodicamente reformas em seu sistema previdenciário. Há décadas vem ocorrendo um aumento na expectativa de vida e, ao mesmo tempo, uma queda na taxa de natalidade. A humanidade caminha inexoravelmente para um mundo com muitos avós e cada vez menos netos. 

    Segundo todas as projeções populacionais da ONU, a população do mundo vai parar de crescer, estabilizando-se no patamar de 11 bilhões de seres humanos no início do próximo século.

    Segundo o último censo do IBGE, existem 24 mil pessoas com mais de 100 anos no Brasil, sendo que em primeiro lugar está a Bahia com 3,3 mil idosos. O meu Estado do Ceará está em 6º lugar, com 1.270 pessoas com mais de 100 anos.

    No ano 2000, 30% da população brasileira tinham menos de 14 anos e apenas 5% tinham mais de 65 anos. Hoje são mais de 9%. A previsão para 2035 é que tenhamos 19% da população brasileira com mais de 65 anos e apenas 16% da população com menos de 14 anos.

    O indicador mais importante para a previdência é a sobrevida, que também vem aumentando a cada ano. Hoje já passa de 20 anos para todos que chegam aos 60 anos de idade. Esse fenômeno acaba causando uma anomalia no sistema previdenciário, pois as pessoas tendem a permanecer muito mais tempo vivendo como aposentado do que na vida economicamente ativa.

    O Brasil tem dois grandes regimes previdenciários: o RGPS (Regime Geral de Previdência Social), com mais de 30 milhões de aposentados; e o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), com cerca de um milhão de aposentados.

    Entre esses dois sistemas, ambos deficitários, também existem grandes diferenças. Enquanto que no RGPS o teto salarial é de R$5,8 mil, no RPPS esse teto é de R$39 mil. Já a média dos benefícios do RGPS é de R$1,4 mil, sendo que no RPPS é de R$10 mil. Juntos, os dois regimes têm um déficit anual de mais de R$260 bilhões.

    O coração dessa reforma é a instituição da idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres, como regra fundamental em lugar de tempo de contribuição. Existem diferenciações da idade mínima na carreira de professores e policiais e para os trabalhadores rurais. Permanecem inalteradas as condições especiais previstas na regra atual.

    Por tudo que foi dito, compreendo perfeitamente a necessidade e sou favorável à reforma da previdência, mas também entendo que ela ainda pode ser aperfeiçoada. Por isso penso que não precisamos aprová-la exatamente do jeito que vem da Câmara, pois o papel do Senado é de Casa revisora e não apenas de carimbadora das decisões da Câmara dos Deputados.

    Basta aqui destacar um único, mas importante exemplo, que é a questão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Vejam este disparate: eu defendo a supressão da alteração feita no art. 203, que limita a concessão desse benefício, que atende a idosos e deficientes em condição de extrema pobreza. Conforme veio da Câmara, se, em uma família vivendo na miséria existirem dois idosos e um deficiente físico, apenas um deles poderá receber o benefício de um salário mínimo. O segundo fica impedido, porque ultrapassará a renda per capita mínima da família.

    Como nos referimos no início do nosso pronunciamento, o Brasil tem disparidades sociais gritantes que precisam ser enfrentadas. Portanto, a última coisa que essa reforma pode fazer é aprofundar as indecentes desigualdades socioeconômicas do Brasil. Há também a importante questão dos Estados e Municípios, que foram excluídos na reforma aprovada na Câmara. A grande maioria dos Estados tem déficits crescentes nas contas da previdência, sendo que alguns já estão completamente quebrados. Resta apenas saber se será através de uma emenda ou por uma nova PEC que a gente os inclua, pois é justo e importante os Estados e Municípios nessa reforma da previdência.

    O importante é adotar um caminho coerente com os critérios empregados no âmbito federal. Mas se a gente não incluir – esse é um risco que está me preocupando muito –, se a decisão do Colegiado for de não os incluir, se a gente cometer, no meu modo de entender, esse equívoco, seja através de uma nova PEC, pois tem que haver o compromisso de a coisa tramitar – eu, particularmente, acho difícil que tramite na Câmara de forma simultânea, com aprovação simultânea –, mas é extremamente importante que a gente encontre uma solução: ou incluir nessa PEC que já foi aprovada na Câmara, a gente pode incluir aqui, porque se não fizer isso, daqui a dois anos – dois anos –, nós teremos de estar novamente discutindo uma nova reforma da previdência.

    Termino enfatizando que esta reforma é necessária sim e importante para o Brasil. A responsabilidade não é só do Governo ou da Câmara, mas também do Senado da República, que não pode se eximir de ouvir a sociedade na busca de aperfeiçoamento ao texto, em nome da justiça e do bem da população.

    E essa discussão, Presidente Senadora Rose, Senador Paulo Rocha aqui presente, Senador, meu querido amigo Jean Paul Prates, essa discussão não pode ser açodada. Ela precisa ter maturidade, ter serenidade e esta Casa tem a prerrogativa de fazer isso. A Câmara passou um bom tempo debatendo esse assunto, então é necessário que o Senado, que não é um mero carimbador, faça os debates nesta Casa, as análises, para se votar.

    É necessário? Sim. É importante? Sim, mas tem que ser feito com muita serenidade, porque envolve a vida de muitas pessoas e envolve o futuro da Nação. Então, eu agradeço a paciência da Presidente, Senadora Rose de Freitas.

    Por favor, Senador.

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para apartear.) – Muito importante a sua observação e sua posição política porque naturalmente você chegou aqui ainda novo como Parlamentar, Senador, mas com umas posições muito coerentes.

    Eu queria te reafirmar qual é a posição nossa, do PT. Em relação às chamadas reformas como da previdência, nós concordamos que periodicamente há que se adaptar a um novo momento econômico do País, etc. O que nós reagimos fortemente é que essa proposta da chamada reforma da previdência do Governo atual, na verdade, não era uma reforma; era para acabar com a previdência pública e colocar no lugar da previdência pública a tal da capitalização. Isso não.

    A previdência pública e tantas outras políticas públicas que já conquistamos no País não são patrimônio deste ou daquele governo, deste ou daquele partido. Hoje se transformou num patrimônio da sociedade. E principalmente num País como este, continental, mas com diferenças abissais. Diferenças econômicas entre as nossas regiões, diferenças entre o grande e o pequeno, diferenças sociais, etc.

    Então, qualquer reforma tem que ir ao encontro de resolver o problema dessas diferenças, não só de desenvolvimento das nossas regiões, mas também como solução dos problemas entre o pobre e o rico, entre as situações. E a previdência pública é um instrumento para resolver esses problemas das diferenças e não só das diferenças, porque é uma política de solidariedade e distribuição de renda.

    Também o senhor, que vem de um Estado desenvolvido ou que está em desenvolvimento – e há diferença dentro do próprio Estado entre regiões mais ricas e regiões mais pobres –, sabe quanto é importante o salário do trabalhador ou a previdência social, que tem um papel fundamental no desenvolvimento dos nossos Municípios, que dependem do consumo, dependem do processo disso.

    Eu quero lhe chamar de companheiro. Companheiro, eu acho que o Senado Federal tem que ter essa maturidade que V. Exa. está pregando agora: nós temos que pegar a reforma da previdência aqui – tudo bem, a Câmara discutiu, eu acho que a Câmara avançou em impedir que se transformasse a reforma da previdência em capitalização – e buscar saídas, etc., mediando.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) – Perfeito.

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Eu acho que o nosso papel aqui tem que ser fazer exatamente isto que V. Exa. está dizendo: pegar, aprofundar e dialogar com todos os setores sobre qual é o papel da previdência para alavancar a nossa economia. Nós temos que ter essa visão, porque a economia está precisando de alavancas, como lá no pequeno Município, para alavancar o consumo, etc... Enfim, eu acho que a proposta é esta: pegar, receber a proposta e não entrar num ritmo que alguém não sei de onde quer que a gente entre aqui. Eu acho que aqui há representações políticas de todos os setores: do grande empresário, do pequeno, do médio, dos trabalhadores, dos sem-terra, da bancada do grande negócio rural, etc. e tal, e há a representação dos Estados da Federação e dos Municípios.

    Eu louvo seu pronunciamento, principalmente naquilo que V. Exa. está focando: de a gente pegar essa proposta e deglutir, no sentido de passar pelas várias Comissões, mas principalmente de a gente dialogar com os vários setores, para a gente entregar para o Governo uma reforma da previdência que assegure as conquistas e os direitos que a própria sociedade brasileira já conquistou, mas também que sirva para que a gente alavanque a economia, o desenvolvimento.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) – Vou passar a palavra agora para o Senador Jean Paul Prates, agradecendo a sua colocação, Senador Paulo Rocha, dizendo que o que eu acho bacana no Parlamento é isto, que é um aprendizado muito importante na minha vida: embora nós pensemos diferente, pois temos visões de mundo e ideológicas diferentes, convivemos harmoniosamente, como num debate como este. Mesmo tendo algumas convergências, como eu deixei claro aqui, eu acredito, pelo que eu tive oportunidade de estudar e vou me aprofundar mais ainda, que a reforma é extremamente importante e necessária. Ela poderia ter sido feita há 20 anos e foi colocada, infelizmente... É como aquela dor, Presidente Senadora Rose, que começa ali na mão, vai ali um furúnculo, vai doer, a gente pode tratar, mas vai deixando, vai deixando, vai comendo o braço, e chegou a hora da cirurgia.

    Isso é para o bem da nossa geração e para as futuras gerações também, porque a conta não fecha. Agora, a gente não pode também – só porque a Câmara aprovou – aqui, no Senado, fazer açodado o debate, sem discussão, sem algum aperfeiçoamento que cabe. Um dos exemplos que eu coloquei é o BPC, e há também a questão dos Estados e Municípios, que, ao meu ver, é importante que entrem na reforma da previdência, seja através de uma PEC paralela – a gente tem que avaliar, discutir –, seja na própria reforma que veio da Câmara.

    O aparte para o Senador Jean Paul Prates.

    O Sr. Jean Paul Prates (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para apartear.) – Senador Girão, eu também posso chamá-lo de companheiro. Esta é a característica da nossa Casa democrática: seremos companheiros aqui sempre no trabalho, em vitórias e até em derrotas e decepções também.

    É para corroborar as palavras do Senador Paulo Rocha, que tem sido um mestre para mim aqui também, como você e os demais, como a nossa Senadora Rose, que está ali pacientemente nos ouvindo, mas corroborar no sentido da importância, como eu disse antes, de nós de fato fazermos essa discussão aqui. Eu mesmo cheguei a dar por vencido esse processo de tanto ouvir na Casa, até como novato que sou, que nós faríamos apenas o papel de carimbadores. Ia dar como realista o cenário de que não teríamos a quantidade de Senadores suficientes dispostos a discutir esta matéria aqui com mais detalhes e até apresentar – por que não? – modificações.

    E acho que não devemos temer a possibilidade, inclusive, de que venham – como em todo jogo de negociação, de mediação, democráticos que somos – até trazer bodes à sala de volta. Hoje, eu ouvi falar pelos corredores que se estava pensando em trazer a capitalização de volta ao processo de discussão, caso nós resolvêssemos – por nós, eu digo quaisquer Senadores que tenham interesse nisto – discutir e abrir possibilidade de emendas. Que venha! Que venha a emenda para isso. Não há problema: ela vai passar, vai ser votada, vai ser discutida, provavelmente vai ser retirada de novo, porque não resolve a maioria e caracteriza realmente a reforma da previdência mais como um ajuste fiscal e um posicionamento ideológico.

    Aliás, eu queria, mais uma vez, consignar algo. Ouvi ontem, em uma Comissão, um debate acalorado sobre essa questão da ideologia, e alguns dizendo: "Deixemos a ideologia de lado. Votemos a reforma da previdência sem ideologia". É impossível isso – impossível! Desde quando ideologia virou pecado?! Cada um de nós dos 81 que estão aqui, nessas cadeias, tem suas ideologias. Você pode dizer o seguinte: "Deixa a sua ideologia de esquerda de lado". Eu aceito – não vou deixar, mas aceito. Agora, deixar a ideologia?! V. Exa. vai deixar suas ideologias de fora para responder ao quê? Mesmo quando os números concretamente nos dizem alguma coisa, ao manipulá-los e ao tomar uma decisão em cima deles, você é ideológico. Você pode ir para a esquerda, para a direita, para o centro, você pode favorecer mais, como eu mencionei no meu discurso, tirando dinheiro da educação no momento de ajuste e dando para a defesa, você pode fazer ajustes na infraestrutura em relação a Estados, os Estados que precisam mais ou os Estados que precisam menos – você está sendo ideológico o tempo todo aqui dentro. Ideologia não é pecado, não; ideologia faz parte da natureza política. Então, nós vamos discutir a previdência com ideologia, sim.

    A nossa ideologia é não tirar de pobres, não tirar de pessoas que precisam do Estado brasileiro para protegê-las e para defendê-las, principalmente nas idades que mais precisam e nas camadas que mais precisam. Essa é a nossa ideologia. Não temos vergonha disso, não. E provavelmente seja a sua também. É o que o nos une.

    E nos une também o fato de querermos a reforma. Queremos reformar a previdência – todos! –, mas talvez não da mesma forma, talvez não com o mesmo grau de crueldade, de objetividade, como queiram chamar.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Jean Paul Prates (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Parabéns pelo seu pronunciamento.

    Corroboro as palavras do Senador Paulo.

    Estamos juntos nessa tarefa de reformar a previdência e, claro, fazendo alterações, discutindo, usando as nossas consultorias competentíssimas aqui. Isso, inclusive, para mim, é até uma ofensa à nossa capacidade e à dos nossos assessores, das nossas equipes. Então, essas pessoas não têm nada a contribuir?! Na Câmara, passou, e nós temos aqui só que carimbar, porque alguém está com pressa, porque algum investidor vai deixar de investir no Brasil por nós não reformarmos a previdência?! Esse papo está muito fora da realidade. Eu mesmo relatei casos aqui. Converso com muitos empresários de fora, de dentro, do Estado, locais, não locais, economistas, e ninguém me diz que isso é essencial. Que o tal mercado que o Jornal Nacional menciona – são seis pessoas que manipulam o mercado financeiro brasileiro – aguarde, tenha tranquilidade. E teremos uma reforma da previdência...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Jean Paul Prates (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... competentemente aprovada por esta Casa.

    Obrigado pelo aparte.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) – Muito obrigado.

    Senadora Rose de Freitas, muito obrigado pela sua paciência – V. Exa. ainda nem almoçou hoje. Muito obrigado.

    Boa tarde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2019 - Página 39