Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à reforma da previdência, que teve sua tramitação iniciada no Senado Federal após ter sido aprovada pela Câmara dos Deputados.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Críticas à reforma da previdência, que teve sua tramitação iniciada no Senado Federal após ter sido aprovada pela Câmara dos Deputados.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2019 - Página 16
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • CRITICA, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, FAVORECIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO, AUSENCIA, CARTEIRA DE TRABALHO, COMENTARIO, CORTE, BENEFICIO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), COMPARAÇÃO, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, DILMA ROUSSEFF, EMPREGO, SITUAÇÃO, ECONOMIA, REPUDIO, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, as pessoas que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado, pelas redes sociais. Antes de mais, nada liberdade e justiça para o Presidente Lula.

    Mas, Sr. Presidente, nós iniciamos aqui, no Senado, a discussão daquela que talvez seja a pauta mais importante do ano, uma pauta que terá impacto na vida dos brasileiros por muitas gerações: a reforma da previdência.

    Essa proposta altera não somente artigos, mas o próprio espírito da nossa Constituição. Ela abrirá um fosso profundo na nossa sociedade, praticamente impossível de ser reparado por políticas futuras. Uma sociedade já profundamente desigual como a nossa será formada, nas próximas décadas, por uma legião de miseráveis, largada à margem de qualquer sistema de proteção social, uma massa de brasileiros desamparada, sem condição de assegurar a própria existência, especialmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade, como idosos e doentes.

    Hoje nós já temos 50 milhões de brasileiros desempregados, "subocupados" ou na informalidade. São trabalhadores que não possuem qualquer tipo de proteção social, nada, nada, nada, zero. Não têm proteção trabalhista, não são abrangidos pela CLT, não têm previdência social, não têm seguro-saúde. Nada. Hoje eles dependem basicamente de duas ou três políticas públicas que lhes asseguram o mínimo de dignidade e isso lhes será retirado por essa reforma nefasta.

    Vejam, por exemplo, o caso desses entregadores, pessoas que passam o dia em cima de bicicletas e motocicletas, buscando e levando pedidos, arriscando a própria vida no trânsito das grandes cidades. Eles trabalham 12 horas, 15 horas por dia para garantir o mínimo. Não são funcionários das empresas de entrega, não são funcionários dos restaurantes onde vão buscar os pedidos, não são funcionários de quem recebe os produtos; são funcionários de si mesmos, sem carteira assinada, sem previdência, sem nada, são a face mais bem-acabada da precarização do trabalho e do mercado selvagem. É um jovem que aluga uma bicicleta do Banco Itaú para fazer entrega da Rappi e, do pouco que ganha, usa uma parte para pagar o aluguel da bicicleta. É um sem-direitos, alguém que trabalha para alguns ganharem muito dinheiro sem que tenham qualquer vínculo legal com ele, que, seguramente, ganhará muito pouco com esse trabalho. É a imagem daquilo em que se estar transformando o País.

    Como uma pessoa dessa, Sr. Presidente, vai conseguir chegar à aposentadoria com as regras tão cruéis e draconianas impostas por essa proposta de Jair Bolsonaro? A resposta é nunca, nunca, absolutamente nunca. Ele morrerá em cima de uma moto ou de uma bicicleta porque jamais conseguirá contribuir 20 anos com a previdência para se aposentar. Às vezes, morrerá cedo de tanto trabalhar, como já há diversos casos Brasil afora.

    Eu voltarei muitas outras vezes a esta tribuna nesse período para discutir os diversos aspectos perversos dessa reforma, para que os brasileiros entendam os aspectos destrutivos sobre as suas vidas e as vidas das futuras gerações. Essa reforma terá um impacto no dia a dia de cada um de nós, de cada cidadão, em cada um dos 5.600 Municípios do País. Atualmente, 70% dos Municípios brasileiros movimentam a sua economia basicamente com os benefícios pagos pelo INSS. É a aposentadoria, é a pensão, é o benefício de prestação continuada, enfim, que fazem funcionar o mercadinho, que permite que a feira tenha circulação de dinheiro, que permite que a bodega possa manter o fiado, porque sabe que vai receber quando o INSS pagar.

    Como vão ficar essas cidades quando uma leva de pessoas tiverem seus benefícios cortados, quando outros rendimentos forem reduzidos à metade, quando outros pagamentos forem retardados ao infinito sem realmente serem honrados às pessoas que hoje fazem jus a eles? Esses Municípios vão quebrar. As pessoas não terão mais renda para girar a economia e, especialmente no Norte e no Nordeste, nós teremos um novo e expandido ciclo de miséria.

    O Brasil, Sr. Presidente, já é hoje a democracia onde há a maior concentração de renda do Planeta. O nosso 1% que está no topo da pirâmide social é quem mais concentra a renda em todo o mundo e isso vai piorar com essa reforma, uma reforma que não pensa e não fala em aumentar as receitas, a arrecadação da seguridade social. Mas fala somente em cortar, cortar e cortar. E o que é pior, cortar em cima de quem menos ganha, tendo em conta que essa economia projetada pelo Governo de Bolsonaro será feita 90% em cima dos mais pobres do regime geral, pessoas que recebem até R$2 mil. Serão esses os privilegiados de quem Bolsonaro fala? Hoje, uma trabalhadora lá de Caruaru, por exemplo, que se aposentaria aos 60 anos de idade, depois de 15 anos de contribuição, receberia um benefício de R$2 mil, de acordo com a contribuição que tivesse feito. Se essa reforma passar, além de ela ter que trabalhar mais dois anos...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... terá que chegar aos 62 anos para receber somente a metade desse valor.

    O que me entristece, o que me deixa muitas vezes quase desesperado é ver que a propaganda que esse Governo maldito está fazendo está convencendo algumas pessoas, que chegam para a gente e dizem: "Não, mas essa reforma é necessária". Quando, na verdade, muitas dessas pessoas são as primeiras a serem degoladas por aquilo que essa legislação vai garantir.

    Cada pessoa precisa fazer a conta de quanto tempo mais vai trabalhar, de quanto tempo vai perder, quanto vai ganhar e quanto tempo vai precisar trabalhar, para poder ter a noção exata do que essa reforma representa em termo de prejuízo, ou seja, vamos trabalhar mais, contribuir mais e muitas vezes receber menos. E a imensa maioria dos brasileiros não alcançará jamais as imposições exigidas para fazer jus a um benefício minimamente razoável, porque a precária situação de trabalho em que grande parte da população se encontra não permitirá que se reúnam as condições necessárias a isso.

    É um crime. O Governo não vai em cima dos grandes devedores, da sonegação, que draga mais de meio trilhão de reais do País. Não libera os dados para que nós analisemos que déficit alegado é esse que precisa ser pago...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... pelas parcelas mais pobres do povo brasileiro.

    Nossos Governos, os Governos de Lula e Dilma, fizeram dos mais pobres não um problema, mas uma solução. Geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada, botamos a roda da economia para girar. O trabalhador ganhou renda e o País gerou receitas, transformando o Regime Geral da Previdência em superavitário.

    Mas esse Governo inepto e incompetente de Bolsonaro só pensa em cortes. E, nesse cenário, os mais pobres são um peso, um problema a ser eliminado. É um Governo tão incompetente que não enxerga que o fato de que cortar aposentadorias, pensões e benefícios vai gerar mais pobreza, mais gastos e mais déficit. É um círculo vicioso que levará o Brasil ao caos.

    É por isso que o Senado precisa agir com rigor em relação a essa matéria. Nós temos a obrigação de suprimir todos os pontos nocivos, de mexer no que for necessário nesse texto para que ele esteja de acordo com um projeto de Brasil mais inclusivo.

    Foi para isso que fomos eleitos. Não estamos aqui para carimbar as decisões da Câmara dos Deputados. Primeiro, porque há uma série de pontos perversos que podemos suprimir e promulgar outras partes da proposta, sem a necessidade de volta a outra Casa. E já há parecer jurídico que respalda esse entendimento. Depois, porque, se for necessário voltar à análise dos Deputados...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... para que seja aperfeiçoada, que volte. O que não podemos, Sr. Presidente, é aprovar algo que sabemos prejudicial aos brasileiros simplesmente para atender a um interesse de calendário do Palácio do Planalto. Isso seria escandaloso – e já concluo – e uma redução vergonhosa do papel do Senado, que não teria sentido de existir se não pudesse alterar aqueles projetos que recebe.

    Estão nas nossas mãos os destinos de milhões de brasileiros. Ou agimos em favor deles ou condenaremos essas milhões de homens e mulheres a uma vida de completa indigência e, seguramente, a uma morte prematura e em condições indignas e desumanas que nos envergonhariam como Nação.

    É um dever deste Senado impedir isso.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Obrigado, Sr. Presidente. Desculpe por ter extrapolado o tempo. Agradeço a tolerância de V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2019 - Página 16