Discurso durante a 161ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de debate temático destinada à discussão das Propostas de Emenda à Constituição nº 6, de 2019, e nº 133, de 2019, cujo objeto é a reforma da previdência.

Autor
RICARDO BERZOINI
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Sessão de debate temático destinada à discussão das Propostas de Emenda à Constituição nº 6, de 2019, e nº 133, de 2019, cujo objeto é a reforma da previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2019 - Página 26
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, DESTINAÇÃO, DISCUSSÃO, ASSUNTO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETIVO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL.

    O SR. RICARDO BERZOINI (Para exposição de convidado.) – Boa tarde a todas e a todos.

    Quero cumprimentar o Senador Randolfe, que preside a Mesa neste momento, e cumprimentar os demais expositores que apresentaram os seus pontos de vista.

    Quero dizer que o tema da previdência despertou o meu interesse ainda quando muito jovem, nos anos 80, quando comecei a estudar a matéria. Participei das atividades da Constituinte como militante político e sindical. Estive também atuando quando da tramitação da Emenda 20, defendendo os interesses dos trabalhadores, mas dialogando do ponto de vista de uma interação, de uma negociação com o Governo Federal – Governo Fernando Henrique Cardoso na época. Em 2003, estive aqui neste Plenário, como Ministro da Previdência, defendendo a PEC 40, que se transformou na Emenda 41, de 2003, a partir da lógica de que era uma reforma respeitosa e adequada, que não desprotegia e que buscava, na verdade, dar uma sustentabilidade de médio e longo prazo para a previdência dos servidores federais, estaduais e municipais. Também fui Relator do projeto de lei que instituiu o Funpresp, dando consequência à Emenda 41, permitindo que houvesse um teto do Regime Geral para os servidores públicos federais e que pudessem estes, para complementar a sua aposentadoria, ter acesso a um fundo de previdência complementar democraticamente gerido e sem fins lucrativos.

    Digo isso para que a gente possa ter uma ideia do significado da previdência social não apenas para mim, mas para um conjunto de brasileiros que contou com a consolidação do conceito de seguridade social na Constituição de 1988. Foi uma grande conquista da Constituinte. Tivemos, pela primeira vez, o instituto da seguridade reconhecido como um conceito constitucional, agrupando a saúde, através do Sistema Único de Saúde; a previdência social, através do sistema de previdência dos trabalhadores, em geral, e dos servidores públicos, em particular; e o sistema de assistência social, que, depois, recebeu leis que organizaram as políticas de assistência social. E, para financiar, tiveram o desenho de um sistema também flexível, que contava com contribuições dos trabalhadores, dos empregadores e contribuições de toda a sociedade, através da Cofins, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e de outras que viessem a ser constituídas.

    O Constituinte teve a sabedoria de reconhecer que mudanças socioeconômicas, tecnológicas, demográficas poderiam atingir o nosso sistema de seguridade – não falo só da previdência – e, portanto, impactar o seu financiamento, a sua estratégia de financiamento. Mas previu como um direito social, um sistema de proteção, e não como um fundo de pensão ou como qualquer tipo de plano privado de saúde, assistência ou previdência.

    Creio que o que está colocado hoje, na verdade, é um debate sobre o futuro da seguridade social, não apenas da previdência. A emenda do teto de gastos provocou, a pretexto de dar um sinal para o mercado, a pretexto de organizar o nosso orçamento, colocou uma restrição intolerável ao financiamento das políticas públicas. Quem aqui lida com assistência, com previdência ou com saúde sabe o que está acontecendo lá na ponta, sabe o que acontece com milhões de brasileiros que estão hoje desprovidos daquilo que a Constituição prevê como política social e direito de todos os brasileiros, direito universal de todos os brasileiros.

    Isso tem provocado, evidentemente, um debate fundamental, inclusive em governos que defendem uma visão ultraliberal e que, muitas vezes, se veem, diante da gestão do orçamento, com a dificuldade que essa emenda colocou à Constituição. Mas diziam: "Aprovemos a PEC do teto, e o Brasil será reconhecido pelos mercados de capitais como um destino seguro, bilhões de dólares acorrerão ao Brasil e milhões de empregos serão gerados".

    Posteriormente, veio a reforma trabalhista. A reforma trabalhista foi anunciada também como a salvação da Pátria e dos brasileiros. A reforma trabalhista geraria milhões de empregos, e bilhões de dólares acorreriam ao mercado brasileiro. Lembro até que, na época, eu comparei com o discurso de Mauricio Macri, quando assumiu a Presidência da Argentina. Pois é, a Argentina foi citada aqui, agora há pouco. A Argentina não está com problemas por conta da sua situação orçamentária desorganizada, por conta de políticas supostamente irresponsáveis. A Argentina tem problemas hoje por conta do Governo neoliberal, ultraneoliberal de Mauricio Macri, que falou: "A Argentina is back ao mercado de capitais". E a Argentina hoje is back ao FMI e ao default, ao calote.

    É importante notar, senhores, que previdência, de um lado, é despesa. E quem seria eu, como ex-Ministro da Previdência, para vir aqui defender que não se faça nenhuma reforma? Eu defendi uma reforma neste Plenário, defendi essa reforma na Câmara, defendi nos jornais, defendi nos sindicatos, dialoguei. Fui criticado e fui elogiado. A previdência não é uma vaca sagrada. Não é que não pode ser mudada, mas tem que ser mudada preservando a concepção original da Constituição de 1988 de proteção social. E aqui se estabelece um incrível trade-off, uma troca entre crianças e idosos. "Olhem, precisamos tirar dinheiro dos idosos para proteger as crianças". Eu digo algo diferente, Secretário Marinho: precisamos tributar corretamente os bilionários, os latifundiários, os banqueiros... (Palmas.)

    ... para que nós possamos ter dinheiro para fazer as políticas públicas de que o Brasil precisa. E eu falo com tranquilidade. Para que ninguém me chame de bolivariano, eu falo assim: nesse aspecto, eu quero ser norte-americano. Vamos tributar as heranças como os Estados Unidos tributam. Vamos tributar o Imposto de Renda de Pessoa Física não dos pobres, não dos trabalhadores, mas daqueles que, como nos Estados Unidos, ganham mais de US$500 mil por ano e pagam 37% de alíquota. Vamos tributar os ganhos de capital, como fez a Presidenta Dilma ao mandar para cá uma medida provisória, de que o Senador Tasso foi o Relator, que propunha progressividade a partir de ganho de capital de R$1 milhão. O Senador Tasso, talvez por ter sido pressionado, alterou para R$5 milhões, mas demos progressividade, pela primeira vez, aos ganhos de capital. Vamos tributar os dividendos. Vamos acabar com a distribuição de juros sobre capital próprio, o que é um privilégio incrivelmente absurdo que há no Brasil desde os anos 90. Vamos assegurar que o Brasil tenha um sistema tributário capaz de financiar suas políticas.

    Claro: a idade mais justa para se aposentar não é "a", "b" ou "c".

    Não se pode fixar, como um critério de econométrica ou atuarial, com a idade precisa que alguém deve se aposentar, mas deve-se reconhecer que o Brasil, como foi dito aqui, é um dos países mais desiguais do mundo. Portanto, não compare a aposentadoria de uma pessoa como eu, que entrou no mercado de trabalho aos 18 anos e nunca fiquei desempregado, com uma pessoa que passa menos de sete meses por ano com um vínculo de trabalho formal, e que merece, sim, ter uma aposentadoria digna, com uma idade determinada, e que seja respeitosa à sua capacidade contributiva. E que se cobre da capacidade contributiva dos banqueiros, dos grandes acionistas, dos grandes mineradores, dos grandes latifundiários.

    E veja bem, não tenho nada contra nenhum deles. Devem apenas cumprir um princípio da Constituição que diz que a tributação deve observar a capacidade contributiva do contribuinte. É um princípio constitucional. Mas, no Brasil, nós podemos aqui vir fazer essa troca entre idosos e crianças... E é engraçado porque uma parte das aposentadorias garante o combate à pobreza e à miséria das crianças. Por quê? Porque são idosos que são arrimos de família, Senador Paim.

    Em quantas audiências na Comissão de Direitos Humanos nós discutimos isso? Idosos que são arrimos de família por conta da situação do mercado de trabalho atual. Perdemos 4 milhões de empregos, desde 2015, formais; fora os informais.

    A reforma trabalhista, alardeada como a salvação da Pátria, não gerou os empregos necessários; aliás, não gerou empregos. Porque o que gera emprego não são regras trabalhistas ou previdenciárias frouxas. O que gera emprego, efetivamente, é o investimento, é o planejamento governamental para, a partir de investimentos públicos, atrair investimentos privados. É o investimento em infraestrutura.

    Agora, um Governo "cabeça de planilha", um Governo que pensa de acordo com os manuais do FMI e do Banco Mundial, certamente terá dificuldades para fazer outra coisa, senão uma reforma previdenciária ultrarregressiva que atinge fundamentalmente os mais pobres. É mentira que essa reforma coíbe prioritariamente privilégios.

    Se quiserem, façam uma PEC somente combatendo privilégios. Eu serei o primeiro a apoiar. Apoiarei entusiasmadamente onde houver privilégios. Agora me parece que o principal privilégio que se tem neste País são os acionistas de grandes, pequenas e médias empresas não pagarem imposto de renda sobre dividendos. Receberem lucro travestido de juros. Quando morrem, têm uma tributação irrisória, porque uma resolução deste Senado, em 1992, aprovou um limite de 8%, Senador Kajuru – 8%! Apenas 8%. Por que essa proteção? Deixa que cada Estado fixe sua alíquota, enfrente sua Assembleia Legislativa, enfrente seus poderosos e discutam qual a alíquota apropriada.

    Ou vamos transformar num tributo federal, e esse tributo federal ser partilhado entre União, Estados e Municípios para financiar a seguridade social como um todo – a saúde, a assistência e a previdência –, que é um instrumento de proteção dos mais pobres. Ricos não usam saúde pública, a não ser quando sofrem um acidente e o SAMU vem buscar ou quando são levados de emergência para o Hospital de Base aqui, em Brasília, ou para o Hospital das Clínicas em São Paulo.

    Quem efetivamente usa saúde pública são os mais pobres e a classe média baixa. Quem efetivamente usa previdência pública e depende dela, efetivamente, são os mais pobres. Quem precisa da assistência são os miseráveis. E é deles que está sendo suprimido o direito a uma série de mecanismos nessa reforma da previdência; uma reforma, como eu disse, que, se for para combater privilégios, me chamem, porque eu quero ser o primeiro da fila, se me permitirem; se for para combater iniquidades, me convoquem, porque eu quero participar. Mas tirar, reduzir a pensão de uma mulher de classe média baixa de R$3 mil para R$1,8 mil por conta de um problema fiscal que, em vez de ser resolvido pela reforma tributária, querem resolver pela reforma previdenciária.

    Tentaram passar a capitalização na Câmara. Não conseguiram, mas querem voltar com ela. A capitalização é um presente para o mercado financeiro. Eu sou bancário de profissão, conheço bem como opera o sistema financeiro brasileiro, conheço bem como pessoas vêm ao Senado e fazem apresentações de corretoras, conheço bem como as pessoas agem no mercado financeiro para maximizar o lucro e para minimizar o valor do trabalho.

    Quero encerrar dizendo que a Constituição brasileira de 1988 foi uma das maiores conquistas que nós tivemos na história. E, dentro da Constituição, a principal conquista é o capítulo da seguridade social. O Senado Federal – e lamento que temos poucos Senadores aqui no dia de hoje – poderia homenagear a democracia brasileira, homenagear o espírito público que uma Casa parlamentar deve ter e dizer, claramente: vamos sobrestar essa reforma iníqua, essa reforma injusta e vamos fazer a reforma tributária. Vamos tributar dividendos, acabar com distribuição de juros sobre capital próprio, tributar corretamente as grandes heranças e não as pequenas e as médias, que são coisas de classe média e de pobre – deixa como está –, as grandes heranças. E vamos dar progressividade ao nosso Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. E, depois, faremos uma reforma da previdência para ajustar questões demográficas e atuariais que existem de fato – estamos vivendo mais, é verdade –, mas faremos de uma maneira mais respeitosa e faremos para combater, de fato, os privilégios, porque esses não estão sendo combatidos.

    A previdência dos militares. E quero dizer o seguinte: sou filho de militar, respeito profundamente e defendo o fortalecimento das Forças Armadas, como foi feito no Governo Lula...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO BERZOINI – ... para concluir –, mas o que foi feito da previdência dos militares é um insulto à inteligência do povo brasileiro, uma reforminha suave, que vai entrar em vigor muito gradativamente, e, em contrapartida, um belo reajuste, mais dos de cima do que dos debaixo. E vejam bem, vou repetir: filho de oficial do Exército, defendo as Forças Armadas, profissionais que não se metam em política, bem remuneradas e profissionalizadas, inclusive com a sua previdência adequada às características da carreira militar.

    Quero encerrar, definitivamente, dizendo: a seguridade social é uma conquista do povo. Daqui a alguns meses, os senhores e senhoras receberão em seus gabinetes pessoas que dirão: "Vocês aprovaram isso aqui? Olha como a minha renda caiu. Vocês aprovaram isso aqui? Eu ia trabalhar mais dois anos e vou ter que trabalhar mais oito". Mas o que tem trabalhar mais oito? "É porque eu não tenho emprego. Eu não tenho saúde para trabalhar mais oito". Não estou falando do Ricardo Berzoini, que, como eu disse, tem saúde, entrou aos 18 anos numa instituição pública federal financeira, o Banco do Brasil, e nunca teve desemprego ao longo da sua vida. Eu estou falando daqueles que, de fato, sofrem, que são a imensa maioria do povo brasileiro.

    Por isso, eu sou contra essa absurda reforma da previdência, que já é menos pior do que a que entrou na Câmara, mas continua muito injusta e muito excludente.

    Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2019 - Página 26