Discurso durante a 182ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a possível declaração de suspeição do Ministro Sérgio Moro nos processos em que atuou como juiz no âmbito da Operação Lava Jato e a decretação de nulidade de processos concernentes à referida Operação.

Críticas às declarações do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot envolvendo o Ministro Gilmar Mendes.

Autor
Juíza Selma (PODEMOS - Podemos/MT)
Nome completo: Selma Rosane Santos Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Preocupação com a possível declaração de suspeição do Ministro Sérgio Moro nos processos em que atuou como juiz no âmbito da Operação Lava Jato e a decretação de nulidade de processos concernentes à referida Operação.
MINISTERIO PUBLICO:
  • Críticas às declarações do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot envolvendo o Ministro Gilmar Mendes.
Aparteantes
Styvenson Valentim.
Publicação
Publicação no DSF de 01/10/2019 - Página 28
Assuntos
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Outros > MINISTERIO PUBLICO
Indexação
  • PREOCUPAÇÃO, DECLARAÇÃO, SUSPEIÇÃO, SERGIO MORO, JUIZ FEDERAL, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PROCESSO JUDICIAL, OPERAÇÃO LAVA JATO, CRIME, CORRUPÇÃO.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, RODRIGO JANOT, EX PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, ASSUNTO, GILMAR MENDES, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REPUDIO, VIOLENCIA.

    A SRA. JUÍZA SELMA (PODEMOS - MT. Para discursar.) – Sr. Presidente, meu querido amigo Senador Kajuru, Srs. Senadores presentes, hoje eu vim para esta tribuna para ser muito breve. Eu quero ser breve. Aliás, se o senhor soubesse o quão breve eu serei, muito provavelmente eu teria furado filas aqui. Mas é que é impossível a gente não se manifestar acerca do que está acontecendo neste País.

    O Brasil está à beira da maior crise institucional que já o ameaçou ultimamente. Nós estamos à beira do reconhecimento de nulidades em processos que podem acarretar o fim da Operação Lava Jato. E mais, senhores, nós estamos à beira do julgamento de processo em que o Juiz Sergio Moro é tido como suspeito para presidir as operações de todos os processos decorrentes da Operação Lava Jato.

    Então, nós estamos aqui num momento em que, mais do que nunca, as instituições têm que estar fortes, têm que estar sadias e têm que estar íntegras, porque a democracia vai depender muito disso – daqui para frente, vai depender muito disso. Não é apenas, Senador Confúcio, uma retórica jurídica, não é. Nós sabemos, como disse o próprio Senador Styvenson, o quanto de prejuízo isso pode acarretar para o Brasil não apenas em relação a todos aqueles valores que já foram arrecadados, a todas as delações, a todos os valores que estão inclusive muitos no exterior, muita coisa que ainda está para ser levantada e julgada, mas o prejuízo moral que o Brasil vai sofrer caso isso aconteça, pois ficará como um país da impunidade, um país circo, um país onde essa retórica barata acaba ganhando de toda a lógica dos fatos, das provas, de tudo; deixa-se tudo para trás para pensar num detalhezinho assim ou assado, como se por acaso o Ministro Sergio Moro tivesse feito tudo aquilo visando hoje ser Ministro. Imagina que ele imaginou tudo aquilo, ele fez aquele pessoal botar a mão no dinheiro – entendeu? –, ele botou o dinheiro na mala do povo para poder hoje estar nessa posição. Muitas vezes falam isso de mim também no meu Estado. Só que eles não sabem que a diferença entre o magistrado que trabalha com a corrupção e o magistrado que não está nessa área que dá visibilidade é exatamente isto: não somos nós que buscamos a visibilidade, são os processos e as pessoas envolvidas nesses processos que dão visibilidade. Agora, que culpa tem o magistrado? Eu principalmente fui colocada lá a convite do presidente do Tribunal de Justiça; não pedi para ir para essa vara. Simplesmente fiz o meu trabalho, e, por isso, ganhei notoriedade no meu Estado, Senador Kajuru, e isso me rendeu os votos que eu tive.

    Agora, eu vou lhe dizer uma coisa: eu jamais pensaria entrar para a política se não fosse com um sentimento puro – puro –, límpido e cristalino de tentar vir aqui e fazer alguma coisa para mudar esse estado de coisas. Quando você é juiz, promotor, delegado – o Capitão sabe muito bem disso –, você se vê com as mãos amarradas por uma legislação que é feita para que as coisas não deem certo. Então, aí nós nos deparamos num momento pior ainda do que quando nós estávamos em atividade, Capitão, que é essa Lei de Abuso de Autoridade, que está levando inúmeros juízes e promotores a tomarem decisões agora já em detrimento da prisão de pessoas culpadas, muitas violentas, muitas, enfim, que cometem crimes graves, simplesmente porque não querem sofrer acusação de crime.

    Eu fiquei imaginando – a primeira vez que eu li essa aberração, quando ela foi votada aqui no Senado, eu era magistrada ainda, naquela noite em que o avião da Chapecoense caiu – que havia até um tipo penal que dizia que era crime não advertir o réu ou o indiciado do direito de permanecer calado... Agora imagina: qual é o gurizinho que está assaltando ali na rodoviária que não sabe que ele tem o direito a permanecer calado? Mas se o juiz ou o delegado ou o policial militar não o advertir, estaria cometendo um crime. E eu pensei comigo mesma: "Meu Deus, eu vou usar tornozeleira antes desse povo!". Certeza! Porque é uma coisa tão absurda, é a verdadeira caça às bruxas. E, para piorar a situação, para piorar, ela faz o Congresso passar uma vergonha nacional, porque os dispositivos que estão ali, Senadores, são absolutamente inconstitucionais, e eles vão ser extirpados da lei.

    Existe um princípio, do que diz respeito ao Direito Penal, que é o da taxatividade: você não pode responder por um crime quando esse crime, ao ser descrito, não é taxativo. Matar alguém. Ponto. Isso é taxativo. Agora, decretar a prisão de alguém quando manifestamente ilegal, que subjetividade é essa que torna uma pessoa criminosa ou não? Ou seja, se eu decretar a prisão hoje, e, amanhã, ele for absolvido, quem vai para a cadeia sou eu. Não é isso?

    Então, é isso que estão tentando fazer com as nossas autoridades. Já me manifestei a esse respeito em outras ocasiões.

    Boa tarde, querido Senador Alvaro Dias, Líder do meu partido, o Podemos, muito querido. Eu o respeito muito e lhe desejo boas-vindas ao Plenário.

    Agora, por final, eu gostaria de me manifestar, Senador Kajuru – já aqui rendendo toda a minha revolta com relação a essa Lei de Abuso de Autoridade –, em relação ao episódio envolvendo o ex-Procurador-Geral da República e o Ministro da Suprema Corte.

    Eu quero dizer, neste pormenor, o seguinte: nada nesta vida se resolve com violência. Existem momentos limítrofes da vida mesmo. Existem mesmo. Quando você trabalha com assuntos estressantes, quando você trabalha com fatos que fazem com que uma canetada sua decida a vida de pessoas e não só aquela vida, mas a vida de uma sociedade ou de uma série de outras pessoas, é muito comum que essa pressão leve as pessoas até o seu limite.

    Mas nós não podemos deixar aqui de criticar essa atitude do ex-PGR Rodrigo Janot não por estar portando arma, o porte de arma é inerente à função. Procurador-Geral tem direito de entrar, sim, armado no tribunal, como eu, como magistrada, tinha o direito de entrar armada nos tribunais, sem problema nenhum. Inclusive, o Ministro Gilmar Mendes também tem. Não por isso. Mas por ter chegado a esse ponto, por ter chegado a esse ponto.

    Eu agradeço também, junto com ele, a Deus por não ter terminado essa intenção, não ter concretizado, porque, hoje, o Brasil teria uma história escrita de uma forma diferente e, quiçá, não fosse a melhor para o Brasil.

    Então, eu deixo aqui registrado o meu descontentamento com esse tipo de atitude. Não apoio atitudes violentas. Sou a favor do porte de arma e acho até que, nesse caso, o porte de arma não interferiu em nada, porque, afinal de contas, nada aconteceu. Sou a favor do porte de arma, sim, mas não a favor de resolver as coisas dessa forma.

    Porém, não posso deixar de registrar aqui também o meu apelo para que a Suprema Corte ouça as vozes do povo, da Constituição, ouça a voz do povo, a voz do Ministério Público, a voz deste Brasil, que precisa mudar e se renovar. Porque não é possível que você vá às redes sociais, depois de uma notícia dessas, Senadores, e veja a maioria das pessoas dizendo: "Janot, por que você não terminou de fazer o serviço"? "Janot, você deveria ter feito." Puxa vida! Isso não é bom, isso não é bonito, isso não é brincadeira. Isso deixa um Ministro do Supremo muito mais a mercê de perigo do que estaria só com o Janot fazendo uma coisa dessa. O Brasil inteiro dizendo, não é? Isso é muito triste! Isso muito triste!

    Então, fica o meu apelo no sentido de que a Corte Superior saiba entender melhor o que dizem as ruas, saiba entender melhor o que diz a Constituição, sim, porque a nossa Constituição é garantista, Senadores, mas a nossa Constituição garante direitos e impõe deveres. O cidadão não é feito só para usufruir direitos, não; ele também tem os deveres para usufruir e, quanto mais deveres ele obedece, mais direitos ele tem que ter. É assim que funciona em qualquer lugar decente do Planeta.

    Desculpem-me se eu me alonguei.

    Muito obrigada pela palavra.

    O Sr. Styvenson Valentim (PODEMOS - RN) – Senadora Selma...

    A SRA. JUÍZA SELMA (PODEMOS - MT) – Pois não, Senador.

    O Sr. Styvenson Valentim (PODEMOS - RN. Para apartear.) – Sei que o Senador está impaciente para ocupar.

    Se a senhora me permitir, já que a senhora falou além do que eu falei antes da senhora sobre essa retroatividade nos julgamentos do STF, saiu na imprensa, no dia 30 de setembro de 2019, aqui estou lendo o texto bem rápido:

Mais uma vez, um traficante teve de ser solto por causa da Lei de Abuso de Autoridade. A decisão foi proferida ontem pela Quarta Vara de Entorpecentes do Distrito Federal.

O homem de 53 anos foi preso em flagrante, mas, na audiência de custódia, o juiz considerou que a prisão pela polícia foi legal, o que justificaria a decretação da prisão preventiva. [Estamos falando de tráfico de drogas, com a prisão feita toda dentro dos critérios pelos policiais.]

Mas como a nova lei torna crime manter alguém na cadeia quando a soltura for “manifestamente cabível”, o juiz resolveu conceder a liberdade para não ser punido.

    O interessante é que, no início do texto, o repórter colocou: mais uma vez, um traficante é solto depois da Lei de Abuso de Autoridade. Então, essa lei não foi só em benefício para quem a fez, para quem pensou nele mesmo. Então, esse abuso de autoridade está se voltando contra a própria sociedade. A prisão foi feita dentro da legalidade pelos policiais, tudo certo, tudo cabível, e o juiz não pôde fazer nada com medo de ser punido, uma vez que, manifestamente cabível essa medida de soltura, ele não tinha como mantê-lo preso. Então, quando a gente fala de abuso, o abuso está sendo contra a sociedade. E, agora, o traficante volta para a rua com a sensação de impunidade de que agora vai vender mais drogas porque não vai ser preso.

    Então, isso que a senhora está falando, isso tudo que está acontecendo, essa retroatividade que o STF está fazendo vai levar também, na mesma forma e de forma paralela e proporcional, dentro desse favorecimento que teve para o traficante, para políticos corruptos, para qualquer outro, quem participou de caixa três, caixa quatro, empresas, tudo isso. Então, é isso que não pode ter.

    Mais uma notícia aí. O interessante é que o repórter começa: mais um traficante solto dentro do abuso autoridade.

    Era esse o aparte.

    A SRA. JUÍZA SELMA (PODEMOS - MT) – Obrigada, Senador Styvenson.

    Só para complementar o que o senhor disse, é claro que o Judiciário acuado, que o Judiciário com medo jamais vai garantir o seu papel no Estado democrático de direito. Então, é esta a grande e grave crise institucional a que eu me referia no início da minha fala.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/10/2019 - Página 28