Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Celebração pela canonização da Irmã Dulce, pelo Vaticano.

Considerações sobre o Prêmio Nobel de Economia deste ano ter sido atribuído a três economistas dedicados à superação proativa da pobreza e da desigualdade.

Análise da política econômica e social do Governo do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Lamento pelo falecimento do Sr. Lázaro Brandão, ex-Presidente do Bradesco.

Insatisfação com o Ministro de Economia.

Autor
Jaques Wagner (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Jaques Wagner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Celebração pela canonização da Irmã Dulce, pelo Vaticano.
ECONOMIA:
  • Considerações sobre o Prêmio Nobel de Economia deste ano ter sido atribuído a três economistas dedicados à superação proativa da pobreza e da desigualdade.
ECONOMIA:
  • Análise da política econômica e social do Governo do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
HOMENAGEM:
  • Lamento pelo falecimento do Sr. Lázaro Brandão, ex-Presidente do Bradesco.
ECONOMIA:
  • Insatisfação com o Ministro de Economia.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2019 - Página 32
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • CELEBRAÇÃO, CANONIZAÇÃO, IRMÃ DULCE, VATICANO, IGREJA CATOLICA.
  • REGISTRO, PREMIO NOBEL, ECONOMIA, ECONOMISTA, ESTUDO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • REGISTRO, ANALISE, POLITICA, NATUREZA ECONOMICA, POLITICA SOCIAL, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, OPINIÃO, ECONOMISTA, NECESSIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRITICA, PAULO GUEDES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ECONOMIA, MODELO ECONOMICO.

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) – Depende do referencial, Presidente, porque, se olharem de lá para cá, é à direita.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – É verdade.

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, amigos que nos acompanham pela Rádio Senado, pela TV Senado, pelas redes sociais, Deputado Daniel Almeida, também da Bahia, coordenador da bancada aqui conosco, em primeiro lugar, quero me associar às referências feitas pelo amigo Chico Rodrigues.

    Também tive o prazer de estar em Roma acompanhando essa bela cerimônia, ao lado do Presidente Davi Alcolumbre. Realmente foi algo emocionante. Muita gente na praça, muitos baianos, muitos brasileiros, e eu, que vivo na Bahia desde 1974 e sempre me dediquei ao trabalho social, realmente sei que a vida de Irmã Dulce... Ela própria foi uma santa em vida, pela obstinação, pela determinação, pela coragem. Como diz o Senador Otto Alencar, o primeiro milagre é ter sido uma pessoa com uma fragilidade pulmonar, que cuidava de pessoas com tuberculose e nunca contraiu tuberculose.

    Então, eu tive o prazer de ajudar, minha esposa, Fátima Mendonça, também, e, portanto, é uma glória para nós. Domingo nós vamos fazer, na Arena Fonte Nova, a grande festa baiana da canonização da santa que agora passa a ser Santa Dulce dos Pobres, e, sinceramente, mais do que merecido o reconhecimento da Santa Sé à santidade dessa pequena senhora.

    Deixe-me lhe contar um detalhe, Senador, de que acho que poucos falaram. Eu, como Governador do Estado, fui à exumação de seu corpo, porque ele sairia de um cemitério normal e passou, quando ela foi beatificada, a ficar num mausoléu, que hoje virou ponto de turismo religioso, lá onde ela fundou as Obras Sociais Irmã Dulce. Eu estou falando porque sou testemunha. Quando se abriu – chego a me arrepiar –, quando se abriu o caixão, o corpo de Irmã Dulce – a expectativa era de virar pó, certo? – estava inteiro; evidentemente não em carne e osso – era todo negro, todo preto –, mas ele estava inteiro, como se fosse um gesso, e as formas ainda no corpo inteiro. Eu estou falando porque foi aberto o caixão para fazer a transferência. Eu – por isto é que eu digo que eu me arrepio, porque não imaginava – pensei que iriam pegar os restos, e ela estava – a forma toda do corpo e do rosto – ali inteira; tudo preto, escuro. Então, é algo que realmente é sobrenatural.

    Àqueles que têm fé eu digo – sou judeu de religião – que o Estado é laico, e eu como Governador acolho todas as religiões porque elas são do povo baiano. Então, para nós é uma glória! Eu acho mais do que merecido esse reconhecimento e o fortalecimento da fé, seja ela de que religião for.

    Sr. Presidente, o Prêmio Nobel de Economia deste ano foi atribuído a três economistas.

    O primeiro é Abhijit Banerjee, de origem hindu. Nascido e criado em Calcutá, hoje leciona no prestigiado MIT, nos EUA. A segunda é Esther Duflo, a mais jovem economista a ganhar o prêmio. Francesa de origem, Duflo, esposa do que acabo de citar, o hindu, também leciona no MIT. O terceiro é Michael Kremer, norte-americano que leciona também na prestigiosa Universidade de Harvard.

    O que esses três economistas de origem tão diversa – um hindu, uma francesa e um americano – têm em comum? A resposta é que os três dedicaram suas vidas e seus talentos a estudar a pobreza e a desigualdade e a propor estratégias para sua superação. Os três consideram que a superação da pobreza e da desigualdade deve estar no centro das políticas econômicas, e não apenas ser mero efeito colateral positivo e automático do crescimento.

    Ao conferir o Prêmio Nobel a economistas dedicados à superação proativa da pobreza e da desigualdade, a academia sueca manda um inequívoco sinal ao mundo: as democracias não podem mais continuar a conviver com políticas neoliberais e de austeridade que só aumentam os desníveis da desigualdade e impedem a superação da pobreza.

    Evidentemente, esses três economistas não são os únicos a adotarem essa linha teórica progressista. Na realidade, a preocupação com os limites e as consequências negativas das políticas restritivas, bem como com o crescimento das desigualdades, ocupa atualmente o âmago da teoria econômica mais inovadora.

    O economista mais influente do momento é, sem dúvida alguma, o francês Thomas Piketty, cuja obra principal, O Capital no Século XXI, demonstra, com dados fidedignos, que as sociedades capitalistas desenvolvidas voltaram a exibir, no início deste século XXI, os mesmos e inaceitáveis padrões de desigualdade e de concentração de renda e de patrimônio que prevaleciam ao final do século XIX.

    De fato, após o período que o historiador britânico Eric Hobsbawm denominava de a "Era de Ouro" do capitalismo – qual seja, o pós-guerra dominado politicamente pela socialdemocracia, que criou o moderno Estado do bem-estar –, o mundo imergiu nas políticas neoliberais, que fizeram retroceder os notáveis progressos sociais que tinham sido obtidos com muito esforço.

    Piketty e vários teóricos do mesmo calibre, como Paul Krugman, por exemplo, também ganhador do Prêmio Nobel de Economia, advertem que, se nada for feito, o mundo caminhará invariavelmente para novas crises econômicas e sociais que comprometerão o futuro das modernas democracias, já profundamente questionadas por conta da desigualdade e da desesperança que erodem a legitimidade dos sistemas de representação política.

    Pois bem, Sr. Presidente, há pouco tempo, nós, brasileiros, fizemos exatamente o que todos esses grandes economistas modernos recomendam, contrastando com o mundo desenvolvido: crescemos distribuindo renda e combatendo a pobreza. Refiro-me, é claro, aos governos liderados pelo meu partido, particularmente aos oito anos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esses governos representaram uma clara ruptura com o nosso padrão de crescimento historicamente concentrador e excludente e que se manteve praticamente inalterado até o início deste século, mesmo nas décadas de 80 e 90. Com efeito, os indicadores de distribuição de renda relativos ao período de 1981 a 2002 mostram que não houve modificação na situação estrutural da exclusão e da desigualdade.

    Somente em Serra Leoa, na República Centro-Africana, na Guatemala e no Paraguai os mais pobres tinham, naquele então, uma participação menor na renda do que no Brasil. Éramos o quinto do mundo em pobreza e desigualdade, o quinto do mundo, apesar de sermos a oitava, a nona economia do mundo, tomando como parâmetro a participação dos mais pobres na renda nacional.

    Mas, se tomássemos o extremo oposto, os 20% mais ricos da população, ganharíamos três posições. Éramos, em 2002, o segundo país do mundo em apropriação da renda pelos mais ricos.

    Veja a contradição, Presidente, nós éramos o terceiro pior e o segundo melhor para os super-ricos. Éramos o segundo país do mundo em apropriação de renda pelos mais ricos, com um nível de participação desse segmento na renda em torno de 63,8%. Só éramos superados, no mundo inteiro, pela República Centro-Africana, que ostentava uma marca de 65%.

    O Brasil era, portanto, vice-campeão mundial em desigualdade.

    E abro aspas aqui apenas para citar...

(Soa a campainha.)

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) – ... que eu assumi a direção do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão, na época do Presidente Lula, e ele me encomendou um plano nacional de desenvolvimento. Nós éramos 90 membros do conselho e vínhamos do movimento dos sem-terra, do movimento popular, até o Presidente da Febraban, que na época era um dirigente do Bradesco. E eu quero aqui também me somar à homenagem ao Dr. Lázaro Brandão, com quem eu tive oportunidade várias vezes de me comunicar e discutir temas da grandeza nacional.

    Pois bem, depois de um ano e meio, 90 brasileiros do caleidoscópio nacional chegaram à conclusão, por consenso, que o maior problema para o desenvolvimento brasileiro eram as nossas desigualdades sociais e regionais. A permanência desses desequilíbrios na estrutura de distribuição da renda, nesse período, refletia a lógica de um modelo neoliberal de baixo crescimento que, em função da lenta expansão do emprego, da precarização do mercado de trabalho, da degradação da qualidade dos serviços sociais básicos, das limitações de acesso ao crédito, entre outros fatores, concentrava a distribuição de renda e de riqueza.

    Contudo, o Governo Lula rompeu com essa lógica cruel. Na verdade, o Governo Lula inaugurou uma época que contraditou o que se dizia antes, Presidente Kajuru. Antes se dizia: "É preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir". Essa foi a lógica que nós ouvíamos durante décadas. O Presidente Lula inaugurou, apostou no contrário: "O Brasil só crescerá se houver distribuição de renda e nós formarmos um mercado de consumo robusto e forte". E foi o que aconteceu. Os ricos não foram violentados nos seus direitos, mas nós conseguimos puxar 40 milhões da extrema pobreza.

    Então, eu quero parabenizar – se posso fazê-lo – à Academia Sueca exatamente pela escolha para o Prêmio Nobel de Economia deste ano de três economistas: um hindu, uma francesa e um americano, cujos três comungam do mesmo tema, a democracia não sobreviverá à desigualdade de renda e social que nós vivemos no mundo.

    Estamos vendo pipocar em todos os lugares essas questões. Grandes economistas – não de esquerda – estão dizendo que, com essa concentração de renda e com esse desemprego, nós vamos ter que criar programas de distribuição de renda, como fizemos no Bolsa Família, para que as pessoas possam, no mínimo, sobreviver. E eu repito: democracia não convive com miséria. O sentimento primeiro do ser humano é seu instinto de sobrevivência. Se o cidadão não vê a sua sobrevivência garantida, ele não quer saber qual é o sistema político, ele quer saber de sobreviver.

    Então, eu chamo a atenção, porque o Ministro da Economia atual...

(Soa a campainha.)

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) – Concluo, Sr. Presidente, para não usurpar do tempo do colega.

    O Ministro de Economia atual tem um pensamento neoliberal da escola de Chicago, me permita, sem ser economista, dizer: é preciso mediar a lógica neoliberal, a responsabilidade fiscal. E eu estou à vontade, porque no meu Estado, tanto nos meus oito anos, quanto agora nos cinco anos do Governador Rui Costa, nós nunca abrimos mão do controle fiscal do Estado e é um dos Estados que mais tem o seu controle, as suas finanças equilibradas. Mas o povo não vive só disso, o povo vive de emprego, de renda, de salário, de comida e de prosperidade.

    Então, eu aqui saúdo a escolha dos três economistas por terem se dedicado a essa linha da Economia moderna de combate proativo à desigualdade.

    Por isso, Ministro Paulo Guedes, vê se lê um pouquinho também os livros desses economistas...

(Soa a campainha.)

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) – ... para ver se V. Exa. pode ponderar as suas medidas de restrição fiscal com a preocupação com o emprego e a renda do nosso povo.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2019 - Página 32