Discurso durante a 221ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à Medida Provisória nº 905/2019, que promove alterações na legislação trabalhista. Apelo ao Presidente do Congresso Nacional para que a proposição seja devolvida ao Poder Executivo.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Críticas à Medida Provisória nº 905/2019, que promove alterações na legislação trabalhista. Apelo ao Presidente do Congresso Nacional para que a proposição seja devolvida ao Poder Executivo.
Outros:
Aparteantes
Paulo Paim, Paulo Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2019 - Página 35
Assuntos
Outros > TRABALHO
Outros
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ASSUNTO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), DIREITOS, TRABALHADOR, CONTRATO DE TRABALHO, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, DAVI ALCOLUMBRE, SENADOR, DEVOLUÇÃO, PROPOSIÇÃO, PODER, EXECUTIVO.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado, pelas redes sociais, depois da maior e mais devastadora reforma da previdência de todos os tempos neste País, o Presidente Bolsonaro investe com novas propostas danosas ao nosso povo.

    Desde a semana passada, estão aqui, nesta Casa, propostas de emenda à Constituição e medidas provisórias que ferem de morte direitos básicos das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros.

    A Medida Provisória nº 905, chamada de "contrato de trabalho verde e amarelo", é, no meu entender, uma agressão à própria dignidade humana. Primeiro, porque exclui as pessoas mais velhas do incentivo ao trabalho, ainda mais hoje, quando a reforma da previdência fez com que o acesso aos benefícios previdenciários se tornasse mais difícil e o valor dos benefícios se tornasse menor; segundo, porque tributa desempregados para financiar o programa.

    O Ministro Paulo Guedes vai passar a ser considerado no mundo um ministro singular. Singular! Não há outro no mundo que tenha feito o que ele pretende fazer no nosso País. E ele vai fazer o Brasil passar para a história como o único país do mundo a taxar as grandes pobrezas. No mundo inteiro, nós encontramos países que taxam a renda e os mais desenvolvidos taxam fortemente a renda dos mais ricos. Países que taxam os lucros, os ganhos, os dividendos; países que fazem dos impostos regressivos a exceção. Mas o Brasil, que é sempre singular na produção de certas coisas, produz mais uma jabuticaba aqui – e essa é amarga, dura para o povo trabalhador.

    Imagine que contradição: o Governo que apresenta uma proposta para reduzir o desemprego, para criar oportunidade de emprego para os mais jovens, e coloca como um dos espaços do financiamento desse programa a taxação de quem recebe seguro desemprego. Como é possível uma coisa como essa? Aquele que trabalhava, que contribuiu com o seu trabalho, por intermédio de vários meios para que tivesse o direito assegurado de receber durante seis meses o seguro-desemprego, agora vai ser taxado.

    Enquanto isso o sistema financeiro: cada vez ganhando mais. As pessoas que vivem de renda e que são ricas: cada vez ganhando mais. E no Brasil, quando se fala de uma proposta para diminuir o desemprego, vem essa jabuticaba do Sr. Paulo Guedes. É inacreditável que alguém que tenha perdido o emprego veja parte do seu seguro-desemprego retirado para financiar o emprego de terceiros. É absolutamente surreal!

    Essa é a sequência da reforma trabalhista na precarização do trabalho e retirada de direitos, é a flexibilização de garantias que a própria ONU atesta que não é a ação capaz de gerar empregos, especialmente empregos de qualidade.

    O Brasil está substituindo a CLT pelo processo de "uberização", "rappização" dos trabalhadores. É um jovem, muitas vezes menor de 18 anos, que aluga uma bicicleta do Banco Itaú, vai para frente de uma pizzaria, para carregar uma pizza para entregar a alguém que, assim como o dono do restaurante, não é também seu patrão, sem nenhuma garantia, sem equipamentos, sem qualquer seguro, caso ele seja acidentado, que possa garantir a ele a possibilidade de não passar fome no período em que estiver em recuperação.

    É um projeto, Sr. Presidente, que instaura a livre negociação para acordos entre empresas e funcionários sobre banco de horas, horas extras, acordos judiciais, tudo isso sem a presença do sindicato. É exatamente a colocação da raposa e da galinha no mesmo espaço para negociarem um acordo, um entendimento. É esse o Brasil em que nós estamos vivendo hoje.

    Eu queria que alguém me dissesse uma única decisão, uma única ação deste Governo que tenha vindo para beneficiar as pessoas mais humildes, mais pobres, para beneficiar o trabalhador – uma, em quase um ano de Governo. E não há uma medida para que isso aconteça. Há muitas para beneficiar o patronato, os empresários, o sistema financeiro, o capital internacional, as empresas multinacionais, mas eu quero uma para beneficiar, Senador Paim, o povo trabalhador deste País. Eles têm uma alergia aos pobres. Eles têm uma alergia às pessoas que mais precisam e dependem, inclusive, da ação do Estado para que possam sobreviver.

    Essa medida leva a um esvaziamento sindical para que os trabalhadores possam ser fraudados. Como, sem a intermediação do órgão que articula os trabalhadores, poderá haver uma livre negociação?

    Eu já ouço o Senador Paim, que sempre fala desse tema.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para apartear.) – Faço um aparte, Líder Humberto Costa, primeiro, para cumprimentá-lo. V. Exa. está tranquilo na tribuna, relatando fatos, fatos que são incontestáveis. Vem uma proposta, vem outra proposta. Três emendas constitucionais chegando aí. Nem terminamos as duas da previdência – terminamos uma e temos lá a 133 – e já estão dizendo que vem uma reforma tributária, que vai desonerar a folha de pagamento em relação à previdência também. E V. Exa. já lembrou isso quando disse que vão taxar os desempregados – tenho dificuldade até de pronunciar. Como alguém pode pensar em taxar o desempregado, mas abre mão de 20% sobre a folha para a previdência?

    Só permita que eu diga mais uma frase, somando-me ao seu pronunciamento: décimo terceiro e férias? Quantas vezes, ao longo dos anos em que estou aqui, os internautas me perguntaram: "Paim, há um projeto que vai acabar com o décimo terceiro?". Eu disse: "Não, não. Isso é bobagem". Por incrível que pareça, agora, nessa MP 905, ele disse, como disse a V. Exa., que décimo terceiro e férias serão fruto também da livre negociação. Quando você fala em livre negociação, parcela durante 12 meses, incorpora no salário... Morreu! Morreu o décimo terceiro e morreu também o adicional de férias.

    Meus cumprimentos a V. Exa.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Eu agradeço a V. Exa.

    Aqui transmito à população brasileira que essa medida provisória golpeia dez profissões regulamentadas, eliminando o registro profissional; aumenta a jornada de trabalho dos bancários; revoga 37 pontos da CLT; retira trechos de 22 leis e decretos que tratam de matérias trabalhistas, tributárias e previdenciárias; enfraquece a fiscalização dos auditores do trabalho, facilitando a adoção de condições precárias de exercício profissional. É uma medida provisória autoritária, ultraliberal e aprofunda um fosso social que já é tão grande.

    Disse muito bem S. Exa. o Senador Fernando Collor – se o Presidente da República não quer nos ouvir, ouça a voz da experiência do Senador Fernando Collor –: se o Brasil continuar nessa pisada, nós vamos ter uma situação crítica. E nós sabemos que é uma situação crítica que dificilmente leva a alguma coisa construtiva, porque fome não faz revolução. Fome gera crise social. Fome gera violência.

    E o que nós estamos vendo no Brasil hoje é gente morando na rua – isso aumenta a cada dia –, gente vivendo da rua, gente passando fome. E o Governo parece que não está vendo nada disso.

    Em razão disso, Sr. Presidente, nós entendemos que essa medida provisória não cumpre requisitos constitucionais de urgência e é flagrantemente inconstitucional e injurídica.

    Em razão disso, estamos apresentando, junto com outros Líderes, um requerimento para que o Presidente do Congresso Nacional devolva essa medida provisória ao Poder Executivo.

    É inaceitável que o Presidente da República queira destruir direitos trabalhistas basilares com discurso falso e instrumentos legais impróprios.

    Por isso, vejo a necessidade de o Congresso Nacional devolver essa medida provisória, para que ela tramite pelo meio adequado, com ampla discussão.

    Hoje, na Folha de S.Paulo, um artigo do jornalista Ranier Bragon diz que essa MP, juntamente com outras medidas, é a revolução liberal no lombo dos trabalhadores para encantar aqueles para quem nosso progresso depende apenas da evolução da Bolsa de Valores.

    É um erro muito grande tratar os trabalhadores como problema, espoliá-los pelo enriquecimento do empresariado. Essa fórmula se mostrou falida agora no Chile. E este Governo está armando uma bomba-relógio, que poderá explodir a qualquer momento. E é melhor que essa bomba seja desarmada antes.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – A outra saída, Sr. Presidente, os Governos do PT mostraram quando criaram mais de 20 milhões de vaga com carteira assinada, que deram uma situação de pleno emprego ao Brasil e transformaram a Previdência em superavitária sem retirar quaisquer direitos, ao contrário, assegurando mais. Nós soubemos como fazer.

    O Presidente Lula começou agora a andar pelo País exatamente para mostrar que há um outro caminho, porque os mais pobres não são o grande problema, eles são parte dessa solução, e nós mostramos que isso é real.

    Por isso, Sr. Presidente, eu espero dos nossos pares o apoio necessário para pedirmos ao Sr. Presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, que devolva essa medida provisória.

    E eu termino as minhas palavras aqui reproduzindo o que disse o ex-Presidente Collor, que o Presidente Jair Bolsonaro possa ouvir a experiência dos demais, o que pensam os demais, abrir-se a ouvir visões diferentes sobre o que acontece na sociedade brasileira hoje.

    Eu pergunto a V. Exa. se posso ouvir o aparte do Senador Paulo Rocha.

(Intervenção fora do microfone.)

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para apartear.) – Sr. Presidente, companheiro Humberto Costa, é fundamental essa última frase, reprodução do nosso ex-Presidente Collor. Nós conquistamos um processo democrático no País, e essa visão de fazer políticas públicas ou de governar já é uma conquista da sociedade brasileira, de ter participação mínima, pelo menos no Congresso Nacional. E aqui há representações de todos os setores da sociedade. Assim como nós representamos uma área, a classe trabalhadora, há quem apresente o agronegócio, os bancos, etc., que legitimamente defendem. Não é pecado alguém vir aqui e defender os interesses daquele que representa.

    Então, o fundamental é encontrar esse caminho. Hão há um todo poderoso que resolva o problema do País. Um País continental como este, com todas as diferenças regionais, diferenças de riquezas, diferenças ambientais, diferenças de raças, de origem, que fundou aquele pedaço do nosso País, enfim...

    Eu digo isso porque com tudo que está acontecendo agora estão quebrando... Não sei se na história, mas na história mais recente, depois de 500 anos, foi na Constituinte de 1988 que todos os setores do País se encontraram e propuseram para o País – e foi aprovada – uma Constituição que criou as condições de os governantes resolverem esses problemas de diferenças regionais, de diferenças entre o rico e o pobre, enfim, a possibilidade de construir um Estado de direito.

    Quanto custou isso? O próprio – agora companheiro, podemos chamá-lo – Collor, quanto foi difícil ele conseguir ganhar e atravessar o seu processo? Ainda estava a democracia sendo consolidada.

    Agora o Presidente Jair Bolsonaro ganhou as eleições. Podemos ter questionamentos, etc., mas ganhou as eleições e tem que governar o País, respeitando essas conquistas, que não são desse ou daquele setor, desse ou daquele partido; são da sociedade brasileira. E todas essas questões aí, reforma trabalhista, reforma da previdência, essa reforma do Estado, as vendas do nosso patrimônio, ele não está autorizado – embora ele tenha ganho as eleições – a fazer isso com o País. É preciso que seja discutido profundamente.

    E sempre em nome de quê? Equilíbrio das contas ou resolver o problema do desenvolvimento. Tiram dos menores, tiram dos pequenos. Se é verdade aquela proposta que vem no Projeto 112, combinado com a tal da PEC paralela da previdência, isso é um crime de lesa-pátria que se vai fazer neste País: arrancar da sociedade brasileira, principalmente dos pequenos, 1 trilhão, nos próximos 20 anos, é de uma crueldade brutal. Para quê? Para engordar aqueles que já mais têm...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... que ganham facilmente, sem produzir, que é o capital financeiro.

    Então, queria me somar ao seu discurso para chamar a atenção do conjunto dos nossos pares, para a gente exigir do Governo, exigir do nosso processo legislativo que a gente discuta mais, aprofunde mais as propostas que vêm do Governo, para que a gente possa também ajudar, dar respostas para a saída do nosso País, da nossa economia, das questões sociais, enfim, das questões de todos. Por isso, nós somos os chamados representantes do povo. E acrescenta mais a nós aqui a representação da Federação brasileira, do nosso País.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Agradeço o aparte de V. Exa. e o incorporo integralmente ao meu discurso. Agradeço a tolerância do Exmo. Sr. Presidente.

    E concluo só dizendo: o pior de tudo isso é que isso não vai dar certo. Isso não vai gerar emprego. Eles disseram para nós, quando votaram aqui a proposta de legislação trabalhista do Governo Michel Temer, que os empregos surgiriam, seriam milhões. Não surgiu nenhum. E aqui não vai surgir também.

    Eu quero, inclusive, aqui lembrar uma frase dita pelo Ministro Paulo Guedes, mais ou menos ele dizia o seguinte: que a esquerda pensa com o coração, mas não raciocina com a razão. Eu diria que ele não pensa com o coração, não tem nenhuma preocupação com o bem-estar do nosso povo, e nem age com a razão, porque isso aqui não vai resolver em nada a situação do nosso País.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2019 - Página 35