Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Retrospectiva dos acontecimentos políticos de 2019, que envolvem temas como a reforma trabalhista, reforma da previdência e direitos humanos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL:
  • Retrospectiva dos acontecimentos políticos de 2019, que envolvem temas como a reforma trabalhista, reforma da previdência e direitos humanos.
Aparteantes
Humberto Costa.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2020 - Página 21
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL
Indexação
  • BALANÇO ANUAL, PAUTA, POLITICA, DISCUSSÃO, PROPOSIÇÃO, REFORMA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, PREVIDENCIA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS, COTA, PESSOA COM DEFICIENCIA, VALORIZAÇÃO, SALARIO MINIMO, CORTE, RECURSOS, EDUCAÇÃO, SAUDE, SEGURANÇA PUBLICA, DIREITOS, INDIO, COMUNIDADE, LESBICAS GAYS TRAVESTIS TRANSSEXUAIS E TRANSGENEROS (LGBT), NEGRO, QUILOMBOS, MEIO AMBIENTE, EXAME NACIONAL DO ENSINO MEDIO (ENEM), ATRASO, ATENDIMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), DISCURSO, SECRETARIO, SECRETARIA DA CULTURA, REFERENCIA, NAZISMO, EPIDEMIA, DOENÇA, NOVO CORONAVIRUS (COVID-19), ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, REPATRIAÇÃO, BRASILEIROS, CRIME, MULHER, FEMINICIDIO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ANTERIORIDADE, ACESSO, ENERGIA, SANEAMENTO BASICO, ECONOMIA, HABITAÇÃO, EDUCAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, EMPREGO, DIREITOS HUMANOS, MINORIA, JUVENTUDE.
  • EXPECTATIVA, REFORMA TRIBUTARIA, LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, JUSTIÇA, PROGRESSIVIDADE, CONSUMO, RENDA, PATRIMONIO, IMPOSTOS, LUCRO, DIVIDENDOS, IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Sr. Presidente Lasier Martins, é por isso que na democracia – e a boa democracia só existe se existir situação e oposição, porque senão não é democracia – as posições divergentes são colocadas neste Plenário e é assim que tem que ser, é bom que seja assim. Por isso, eu faço uma análise agora diferente daquelas que eu ouvi até o momento.

    Sr. Presidente, 2019, na minha avaliação, foi um ano pesado e duro para a classe trabalhadora. Tivemos o efeito da reforma trabalhista. E todos estão aí vendo o resultado: existe uma uberização do País, com o desaparecimento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

    Em seguida, veio a reforma da previdência. Eu diria que os mais pobres sentem na carne as dores que os ventos da incerteza trazem.

    Ficamos presos a uma agenda do Executivo e do Legislativo totalmente distantes dos anseios e da necessidade daqueles que mais precisam. Em vez de derrubarmos, estamos construindo muros, separando os ricos dos pobres.

    Falo, por exemplo, da Medida Provisória 881, também chamada de MP da Liberdade Econômica.

    Falo, por exemplo, da reforma da previdência. Foi um debate duro, e estão aí os resultados: as pessoas percebendo que não vão mais se aposentar.

    Falo da MP 905, que cria a Carteira de Trabalho Verde e Amarela, sobre o que teremos reunião agora, creio eu, às 14h40 – não deu quórum ainda, eu irei para lá. Essa MP cria a Carteira de Trabalho Verde e Amarela e faz 135 alterações na CLT. Já está em vigor a reforma do Temer, e, agora, teremos outra a partir dessa.

    Falo do PL 6.159, que extingue as cotas para as pessoas com deficiência.

    Falo dos cortes nas áreas estratégicas para o desenvolvimento do País, por exemplo: para educação, caíram 16%; saúde, caíram 4,3%; segurança, 4,1%. E ainda há o fim da Política de Valorização do Salário Mínimo.

    Se acabar com a Política de Valorização do Salário Mínimo é positivo, não entendi mais nada.

    O que era a Política de Valorização do Salário Mínimo? Era simplesmente a inflação mais o PIB. Se o Produto Interno Bruto crescesse, o salário mínimo crescia. Foi assim que nós subimos o salário mínimo de US$60 para US$300.

    Mas, Sr. Presidente, vamos em frente: durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, ligada à ONU, abro aspas, "pela primeira vez na história, o Brasil foi incluído na lista dos dez piores países do mundo para os trabalhadores". Por quem? Pelo Índice Global de Direitos.

    Segundo o Relatório do Banco Mundial, o Brasil é o país com maior grau de concentração de renda do mundo. Isso é bom? Claro que não. É muito ruim. Os 10% mais ricos têm quase a metade da renda, 48%. Os 20% mais pobres detêm 2%.

    A intolerância se faz muito mais presente nestes anos: o ataque aos direitos dos indígenas, da comunidade LGBT, das mulheres, dos negros, dos quilombolas, dos moradores das favelas, dos miseráveis.

    Fomos omissos num debate que o mundo faz, que é sobre a questão do meio ambiente. Pelo contrário, fomos na contramão da defesa do meio ambiente.

    Tivemos uma série de falhas e erros no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), e no Sisu (Sistema de Seleção Unificada); estudantes prejudicados.

    Filas gigantescas no INSS – ou alguém duvida que não aumentaram as filas? –, com mais de 2 milhões de brasileiros – 2 milhões! – esperando respostas para licença para tratamento de saúde, licença-maternidade, aposentadoria, BPC, abono, entre outros.

    Recentemente, em janeiro de 2020, o então Secretário da Cultura do Governo Federal fez um discurso chocando o Brasil e o mundo, lembrando o ministro da propaganda na Alemanha nazista. Felizmente, ele acabou sendo demitido.

    Com relação ao coronavírus, o Presidente da República chegou a dizer que não traria os brasileiros que estão na China porque – abro aspas – "custa caro" – fecho aspas. Felizmente – estou sendo fiel à verdade –, ele voltou atrás.

    Sr. Presidente, ninguém torce – e eu não torço – para que o Brasil dê errado. Ninguém torce para o Brasil dar errado. Isso seria uma estupidez oceânica. Agora, nós não podemos aceitar calados o que estão fazendo com o nosso País e com a nossa gente. Temos que ter lado, e o nosso lado é o lado do povo que mais precisa.

    Não podemos aceitar a desconstrução de políticas sociais que deram certo em nome do quê? De ajustes fiscais? De números? Dos chamados pacotes econômicos? Esquecem que o resultado vai atingir diretamente as pessoas. No fim das contas, isso só beneficia uma elite financeira e um pequeno grupo de aquinhoados.

    Creio assim, como diz um antigo, mas sempre atual poema:

Um país que crianças elimina;

E não ouve o clamor dos esquecidos;

Onde nunca os humildes são ouvidos;

[...]

Que permite um estupro em cada esquina;

Que maltratam (sic) [...] [negros e mulheres].

    Eu não lembro outro país em que o feminicídio acontece tanto quanto no Brasil.

Pode ser [como diz a música, e eu volto à letra da música], o país de quem quiser;

Mas não é [não é], com certeza, o meu país.

    A perda de direitos e o aumento da desigualdade, da pobreza, da miséria são uma triste realidade para toda a nossa gente. É contra tudo isso que fizemos o bom combate, a boa luta. É com consciência e com muita clareza que temos que avançar, tentando todos nós ser aqueles que têm compromisso com os mais pobres, sendo luzeiros nos nossos caminhares.

    Não podemos perder de vista que, há pouco tempo, chegamos a ser a quinta economia mundial: 41 milhões de pessoas passaram a contar com água de qualidade; 35,6 milhões de pessoas receberam energia elétrica em suas casas; 48 milhões de brasileiros receberam esgotamento sanitário. Foram 36 milhões de brasileiros que saíram da extrema pobreza e 42 milhões que entraram na classe C; 6,8 milhões beneficiados por moradias; 65 milhões atendidos em locais onde não havia ou era escassa a cobertura médica; 18 novas universidades; 422 escolas técnicas criadas; 1,5 milhão de estudantes beneficiados com o Prouni e com o Fies; 22 milhões de empregos novos formais, com carteira assinada – e não essa falácia de que aumentou o emprego. Aumentou o emprego informal. Botam para a rua, e você vai ganhar o que poderia fazer com o salário como bico. Isso virou emprego.

    Houve também naquela época a menor taxa de desempregados. Chegamos a 4,5%, a menor taxa de desempregados em todos os tempos. Renda dos agricultores familiares: perguntem aos agricultores como era antes e como é agora. Aumentou 52 % naquele período.

    Não podemos perder de vista que foi nesse mesmo período que aprovamos... Calcule, Senador Contarato, se fôssemos querer aprovar agora o Estatuto do Idoso, que são praticamente 120 leis num único instrumento, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Juventude, políticas de valorização do salário mínimo, políticas de valorização da pessoa autista... Calculem se fôssemos querer aprovar leis desse porte agora.

    Há uma pergunta que é ignorada. Há, sim, uma pergunta que é ignorada, mas que devemos fazê-la todos os dias: "Quanto custará, ou melhor, quanto está custando aos cofres públicos o fim das políticas sociais e humanitárias? Quanto custa a falta de prevenção, por exemplo, na saúde, na educação? Temos que entender que se os cortes continuarem e não houver fortes investimentos, a conta, uma hora ou outra, vai aparecer. Já estão aparecendo as filas da previdência. Já está aparecendo no SUS, já está aparecendo na educação, já está aparecendo na falta de servidores públicos. E aí não querem fazer concurso e saem com essas contratações em que vão pagar 30% a mais para quem já está aposentado e com um salário bem melhor do que aqueles que estão lá na fila da previdência.

    Já vou passar para V. Exa., Senador.

    Enfim, ninguém tem dúvida de que a cada dia que passa aumenta o nosso olhar nas ruas do País vendo a miséria, a pobreza e o aumento das doenças. Iniciamos, no dia de ontem, um novo ano. Temos muitos desafios para 2020. Há uma pauta aí, com o qual os trabalhadores estão muito preocupados.

    A MP 905, o que significa? Somente retirada de direitos, repito. MP 866, a tal PEC Emergencial, como é conhecida, prejudica quem? Os servidores e o bom funcionamento da administração pública, que está um caos, e ninguém tem dúvida disso. A PEC 188, conhecida como a PEC do Pacto Federativo, incorpora na verdade o conteúdo da PEC 186, que impede que as decisões judiciais sejam cumpridas e condiciona a promoção dos direitos sociais ao "direito ao equilíbrio fiscal". Tratou de direitos sociais, não pode. Por isso mudou.

    A reforma administrativa está para chegar ao Congresso. Acaba com a estabilidade. Avisam que vai haver redução dos salários dos servidores. Sabe-se que há uma nova reforma trabalhista também sendo engendrada nos palácios, uma nova reforma trabalhista.

    Senador Humberto Costa.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para apartear.) – Senador Paulo Paim, inicialmente, meus parabéns pelo pronunciamento de V. Exa. Confesso que o meu desejo inicial era fazer um pronunciamento de balanço também desse período em que nós estivemos no recesso, mas optei hoje por falar sobre a política educacional no nosso País. Amanhã vou seguir o exemplo de V. Exa. e vou fazer esse balanço, daí por que a fala de V. Exa. ser extremamente adequada a isso que nós estamos vivendo.

    E, sinceramente, Senador Paulo Paim, ontem e hoje eu fiquei em dúvida se eu estou louco, se o Presidente da República está louco, se eu estou vivendo em outro mundo, diferente do que falou aqui o Líder do Governo, porque, sinceramente, aquela mensagem que foi mandada ontem para o Congresso Nacional é a típica fake news. O Presidente da República chega ao ponto de dizer que, nesse um ano de Governo, o Brasil aumentou o seu prestígio internacional, o País melhorou economicamente – coisas totalmente absurdas –, assim como falou aqui o Líder do Governo, que fala do crescimento que o País teve nesse período – abaixo do que se previa e que aconteceu porque o Governo pegou o dinheiro do próprio trabalhador brasileiro que era para ser utilizado em outras situações e passou para que ele pudesse consumir, pagar dívidas. É o caso do FGTS; é o caso do PIS/Pasep. E acham que fizeram uma maravilha, fizeram com que o Brasil fosse outro. Nós vimos, como disse V. Exa., o aumento da desigualdade, uma reforma trabalhista que criou essa figura do "uberista", que eles dizem que é um empreendedor – um empreendedor! As pessoas sem terem salário, sem terem previdência...

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Nada, nada.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... sem absolutamente nada, classificadas como empreendedores. Está aumentando o número de empreendedores no nosso País, o desemprego caindo – segundo eles –; tudo na base da contratação no regime de intermitência, acontecendo de forma absolutamente precária. A Previdência Social, que, além de tirar boa parte do direito dos trabalhadores... Aqueles que ainda têm algum não conseguem...

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Ter acesso.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... ter acesso. Então, isso é um verdadeiro absurdo. E o Governo não para a sua escalada autoritária para tentar justificar essas coisas.

    Eu quero aqui, inclusive, me solidarizar com a cineasta Petra Costa, que está sendo vítima, inclusive da parte do Governo, de uma campanha de perseguição porque ela fez um documentário, que está concorrendo ao Oscar, que conta a verdade sobre o golpe que foi perpetrado, em 2016, contra a Presidenta Dilma. E eles não querem nem ouvir falar desse assunto.

    Portanto, Senador Paulo Paim, a minha integral solidariedade ao pronunciamento de V. Exa.

    Obrigado.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Líder. São importantes os comentários que V. Exa. faz porque dão brilho ao meu pronunciamento.

    Mas, concluindo aqui, o Executivo disse que a reforma tributária será prioridade. Até pode ser, mas quero saber o tipo de reforma tributária que virá. E digo mais: não é só o Executivo. Com o Congresso que está aí, alguém acha que vai ser uma reforma tributária solidária, justa e progressiva? Sinceramente, nesse aspecto, eu estou pessimista. Quero mais estar errado. Gostaria de ter errado na reforma trabalhista, mas acertei. Gostaria de ter errado na previdência, mas acertei. A reforma tributária até pode sair, mas vamos ver que reforma vai de novo. Para concentrar mais renda ainda? Esta é a minha preocupação, e, claro, vamos travar aqui o bom debate.

    Sr. Presidente, o benefício que se aponta nessas ditas novas reformas só tem uma direção: aumenta a concentração de renda, e o Brasil continua sendo o País da maior concentração de renda no mundo. Não é essa a nossa lógica de reforma tributária. Temos que enfrentar a injustiça fiscal e a elevada tributação do consumo, que penaliza os pobres. Temos que enfrentar o escândalo da baixa tributação de renda e do patrimônio, que só favorece as classes mais abastadas, os endinheirados, os milionários. Temos que refletir sobre a isenção de impostos sobre lucros e dividendos. E por que não tributar as grandes fortunas? Vamos, agora, nessa reforma, tributar as grandes fortunas? Vamos tributar as grandes heranças? Vamos tributar, enfim, jatinhos e iates?

    A nossa visão de reforma tributária passa por uma concepção justa, solidária e sustentável, uma reforma tributária progressiva: quem tem mais tem que pagar mais.

    O economista francês Thomas Piketty alerta que o Brasil é o país mais desigual do mundo. Repito: o Brasil é o pais mais desigual do mundo. Quase 30% da renda do País está nas mãos de apenas 1% dos habitantes. A maior concentração desse tipo de que se ouviu falar no Planeta.

    Diz ele ainda: "O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir sua desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide social" – fecho aspas.

    Senhoras e senhores, com certeza, há muitos desafios...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... com relação aos direitos humanos no Brasil: direitos individuais e coletivos, liberdade de expressão e manifestação pacífica, escravidão moderna, feminicídio, racismo, discriminação, intolerância, a própria questão dos refugiados e imigrantes – e hoje, pela manhã, realizamos uma audiência pública que mostra esse quadro.

    Esperamos que 2020 seja um ano em que ninguém abandone ninguém, como diz o manifesto afetivo da resistência e pelas liberdades. Que o Congresso Nacional mire nossa gente com olhos humanos, tendo políticas humanitárias, compreendendo que lá fora existem pluralidades de vozes e sonhos, com desejos infinitos de uma vida com dignidade.

    Era isso, Sr. Presidente.

    Agradeço a V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2020 - Página 21