Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Satisfação de S. Exa. por ocupar a Liderança da Bancada do Partido dos Trabalhadores (PT).

Análise da declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que comparou os servidores públicos com parasitas.

Autor
Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: Rogério Carvalho Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA:
  • Satisfação de S. Exa. por ocupar a Liderança da Bancada do Partido dos Trabalhadores (PT).
ECONOMIA:
  • Análise da declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que comparou os servidores públicos com parasitas.
Aparteantes
Confúcio Moura.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2020 - Página 15
Assuntos
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • REGISTRO, ORADOR, LIDERANÇA, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), SENADO.
  • CRITICA, PAULO GUEDES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ECONOMIA, DECLARAÇÃO, OFENSA, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, COMENTARIO, ALTERAÇÃO, SOCIEDADE, TECNOLOGIA, INTELIGENCIA ARTIFICIAL, DESEMPREGO, ECONOMIA INFORMAL, REGISTRO, COMPARAÇÃO, GESTÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, DILMA ROUSSEFF, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REAJUSTE, AUMENTO, SALARIO MINIMO, CORTE, ORÇAMENTO, EDUCAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) – Eu queria cumprimentar o Presidente Izalci, que aqui, nesta tarde, preside a sessão do Senado; o Senador Reguffe, aqui também no Plenário; cumprimentar o Senador Confúcio Moura, aqui presente; o Senador Humberto Costa, que acabou de falar; e quero dizer que estou em uma função bastante honrosa no momento, a de liderar a minha Bancada aqui no Senado. Assim, aproveito a tarde de hoje, seguindo o conselho do meu amigo Reguffe, que me aconselhou recentemente que eu tenho uma grande oportunidade na função a mim delegada pelos meus pares, para tentar tratar, com a tranquilidade mas com a indignação necessária, determinados temas que requerem ser tratados por esta Casa e pelas Casas parlamentares.

    O primeiro é que a sociedade, de uma maneira geral, está passando por um processo que, em medicina – e está ali o Dr. Confúcio, que sabe – é chamado de mutação. Quando ocorre uma mutação numa pessoa, num ser vivo, este muda e deixa de ser aquele ser e passa a ser, quando a mutação é muito grande, um ser completamente diferente. Então, se nós acreditamos na teoria da evolução, se nós somos evolucionistas, darwinianos – e nós, como médicos, temos essa clareza, nós, como oriundos da academia, temos essa clareza de que isso não nega a existência de Deus, mas é uma forma de explicar como a vida vai se multiplicando e se complexificando, inclusive, materializando a presença divina em toda a sua riqueza, com toda a sua grandiosidade –, sabemos que a evolução se dá pela mutação.

    Uma coisa que tem me chamado a atenção é o fato de que nós estamos passando por uma mutação na sociedade. Nós não vivemos mais na sociedade do começo do século passado, quando ocorreu a Revolução Russa, por exemplo, na sociedade da Primeira Guerra Mundial; nós vivemos numa outra sociedade, onde a hiperconectividade colocou as pessoas diante da oportunidade de elas formarem núcleos por proximidade, o que abriu espaços para que determinados valores e sentimentos pudessem ser expostos e colocados para o consumo de todos que vivem nessa sociedade.

    E a gente tem visto que têm sido expressos ou sido colocados para o consumo sentimentos, posições, que, há muito, a gente vem, no processo civilizatório, combatendo e diminuindo esse ímpeto mais primitivo dos seres humanos. Então, o ódio a gente tem contido, a fúria, o desejo de vingança; todas essas questões que são muito primitivas, de alguma forma, o processo civilizatório vinha segurando. E nós estamos vendo esse lado primitivo da humanidade se manifestar e, de certa maneira, conduzir os movimentos de toda a sociedade de uma forma; estamos vendo uma sociedade mais intolerante, mais movida pelo ódio, mais movida por sentimentos primitivos. E isso também vai se refletir na política.

    Nós estamos vendo dirigentes políticos de grande importância se colocarem de forma desrespeitosa, como foi a manifestação do Ministro da Fazenda do Brasil, do Ministro da Economia, homem da mais alta importância, chamar servidores públicos, colaboradores, pessoas que, por mérito, entraram no Estado, ou seja, na função pública, no cargo público, na sua grande maioria, de parasitas. Isso é uma demonstração do quanto a sociedade está em processo de mutação e não há mais respeito à pessoa humana, nem aquela educação que a gente foi acumulando com o processo civilizatório.

    Nós temos visto, no mundo inteiro, essa mutação que também vem com a produção de conhecimento, e a produção do conhecimento também vai reorganizando o modo de produção da sociedade. Nós não precisamos mais, como precisávamos no passado, da força humana para produzir bens para a indústria, para produzir máquinas, para produzir alimentos. Hoje a gente tem máquinas e inteligência artificial que fazem essa produção. Nós estamos diante, então, de uma sociedade que, cada vez menos, depende das pessoas para poder tocar aquilo que é o básico de funcionamento da sociedade.

    A Medicina já não precisa tanto dos sentidos dos profissionais médicos. Você pode fazer um diagnóstico sem que o médico te veja, sem que o médico te toque, sem que o médico ouça a sua queixa. Você pode ter um diagnóstico sem que ele te examine, só com exame. Então, isso vai nos distanciando, tirando a gente do convívio, vai nos desumanizando de uma forma geral.

    E assim também é a forma como nós estamos vendo os governos, não só no Brasil, mas fora do Brasil e do mundo, caminhando para uma desumanização ou uma perda de respeito a grandes valores que fizeram do final do século XX um movimento de busca da solidariedade, da igualdade, da justiça social, com desenvolvimento de Estados capazes de mediar os diversos interesses da sociedade e de dar ao Estado um papel relevante de diminuir a miséria, de organizar o crescimento, de organizar o investimento, de organizar para que coletivamente as pessoas pudessem ascender e ter um pouco de dignidade, um pouco de conforto ao longo da sua vida. E o que nós estamos vendo no mundo inteiro? Concentração de riqueza. Isso não é um fenômeno exclusivo do Brasil, mas, no Brasil, a gente viu, nesses últimos cinco anos, um processo acelerado de reconcentração de riqueza, de aumento do desemprego e de aumento do emprego precário ou intermitente, em que 45 milhões de brasileiros trabalham para ganhar até um salário mínimo. Todo o esforço que foi feito nos Governos dos Presidentes Lula e Dilma de recuperação do salário mínimo... Em alguns momentos, chegou a US$300 o poder de compra do salário mínimo, mas, hoje, o valor do salário mínimo é bem menor em relação ao dólar, não chega a US$200 o salário mínimo. E a maioria da população luta para ter como renda um salário mínimo. Isso é muito desastroso!

    E isso vai gerar na sociedade uma tensão, e depois vão dizer que não sabem por que a sociedade está tensa, por que a sociedade está indo para as ruas, por que há quebra-quebra, por que há essa insatisfação. Ficam todos querendo construir uma explicação para um fato que está dado. Essa ruptura que virá com essa concentração exacerbada da riqueza e o empobrecimento da população virá em função das escolhas que os governos e o Governo atual têm feito.

    Eu estava, como disse aqui o Senador Humberto Costa, numa reunião com vários intelectuais no Rio de Janeiro nesse final de semana, discutindo a situação do Brasil e do mundo, e uma professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro falou algo que me chamou a atenção. Ela disse que o Brasil, a União, virou um grande banco, e todas as relações que o Governo Federal tem feito com a sociedade, com os Estados, com as instituições é como se fosse uma relação bancária. Podem olhar se isso não é uma realidade! A relação com os Estados é uma relação de agiotagem, a relação que as estatais têm feito com a prestação de serviço é cobrar tarifas cada vez mais caras, é retirar dinheiro dos trabalhadores; na previdência, retirar direitos. Todas as iniciativas do Governo vêm no sentido de retirar direitos e de diminuir a renda das famílias que já são bastante pobres.

    Se a gente analisar do ponto de vista das universidades, é o asfixiamento, é o corte no orçamento da atenção básica, do ensino fundamental, do ensino universitário, rompendo com a ideia de que a gente deveria ter uma educação integral que vá desde o ensino fundamental até a pós-graduação. É como se tivesse que cortar tudo para juntar riqueza para alguns e retirar riqueza do conjunto da sociedade, retirar a distribuição de uma riqueza que pode fazer o nosso País ainda mais rico, que é o investimento em inteligência, em pessoas, em conhecimento.

    Se essa reforma que o Presidente está propondo através do seu Ministro da Economia for adiante, o que será do Brasil? Diante de uma epidemia ou de uma emergência global, como esta que toma conta do mundo, com o coronavírus, imaginem se nós não tivéssemos os técnicos das vigilâncias sanitárias, os técnicos da Anvisa, todos os professores universitários, os centros de estudos? O que seria do Brasil com a epidemia do zika vírus se não fossem as nossas universidades terem descoberto o vírus, que era uma mutação de um vírus muito parecido com o vírus da dengue e que a lógica do combate seria combater o mesmo mosquito, o mesmo agente que transmite a dengue e outras enfermidades semelhantes? O que seria de nós todos se não fosse o conhecimento?

    E o que nós estamos vendo? A extinção de fundos de recursos para a ciência e tecnologia, de fundos para a cultura, do Fundo Social do Pré-Sal, a não definição do Fundeb, a perenização do Fundeb, que é o fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental.

    Ou seja, nós precisamos de fato olhar para essas questões, porque nós poderemos, em nome de uma concepção de país como um banco, retirar aquilo que pode ser a base da construção de uma nação, de uma sociedade que protege, que acolhe e que faz evoluir coletivamente todos os seus membros e toda a sua população com um mínimo de dignidade.

    É importante dizer que o nosso sistema não é só a falta de investimentos em ciência e tecnologia, não é só a forma como a gente tem visto os nossos governos lidarem com mudanças que aconteceram porque, quando a gente fala de uma mutação, a gente está falando que a sociedade se diversificou, que a questão do gênero virou uma coisa muito mais complexa, que as pessoas passam a se manifestar de uma forma mais livre e a gente precisa dar conta disso, porque as mulheres ganharam um lugar no mundo e elas precisam consolidar esse lugar e precisam ganhar igual aos homens, que elas precisam ter as mesmas oportunidades ou até oportunidades melhores, se forem mais competitivas, mas o que a gente tem visto? A gente tem visto um Governo que tem negligenciado essas mudanças todas. Da mesma forma, nós não podemos deixar de falar da questão da justiça no nosso País.

    Ontem, nós todos acompanhamos o caso da Marielle Franco, uma vereadora que foi assassinada, já faz mais de um ano e a gente ainda não tem nenhuma... A gente tem pistas, tem suspeitos, tem pessoas que participaram ou que participam de um escritório do crime, segundo eles, que são milicianos no Rio de Janeiro, que formam a milícia do Rio de Janeiro e esses milicianos, com seu escritório do crime, tinham um membro foragido.

    Esse membro foragido, mesmo sendo uma pessoa perigosa, com tantos delitos e com tantas acusações de homicídio e crimes graves... Não sei por que o Ministro Sergio Moro não o incluiu como um procurado. Essa pessoa, que era tão perigosa, portadora de informações talvez elucidativas de um crime que chocou o País, de um crime que afeta diretamente um grande valor de uma sociedade, que é a democracia, essa pessoa, com todos os seus crimes, não figurava na lista de procurados.

    Será que existe alguma seletividade da ação do Ministério da Justiça para definir quem é que deve ser procurado e quem não deve ser procurado? A sociedade precisa ficar atenta a isso. Por que esse criminoso não fazia parte da lista dos procurados?

    O Ministério da Justiça foi informado de uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro e não acompanhou, não monitorou e esse procurado, que disse que estava com medo de morrer, é na operação policial assassinado ou morto. Será que não seria possível uma pessoa, que é um arquivo vivo, ser capturado com vida, com toda inteligência que se tem para botar as mãos num bandido. Por que não o capturar com vida? Por que matá-lo na operação? Foi queima de arquivo? O que significa a morte do Adriano da Nóbrega?

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – O que significa e o que vão encontrar nos 13 aparelhos celulares que foram apreendidos com ele?

    São coisas dessa natureza que nos fazem refletir no sentido de que nós precisamos compreender que sociedade é essa em que nós estamos vivendo, para que a gente possa, com a experiência vivida, com a maturidade que esta Casa tem, ter um pouco mais de compromisso, não com as questões particulares; não com as questões deste ou daquele governo, mas que a gente tenha compromissos com a construção de uma sociedade mais civilizada, mais justa, um Estado mais presente. Não um Estado miúdo, pequeno, mas um Estado do tamanho que precisa ser; não um Estado que transforma todas as relações como se fosse uma relação de banco, de dono de banco, querendo tirar riqueza dos diversos setores da sociedade. Não um Estado que que promete pagar o décimo terceiro do Bolsa Família, mas deixa 1 milhão de famílias de fora do programa, num momento em que a gente vive uma crise de desemprego e de subemprego como nunca visto na nossa história recente. Então, há alguma coisa errada.

    Que mutação é essa que tira de nós todos a solidariedade como elemento central para a formulação de políticas? Que sociedade é essa que não vê que o emprego mudou e que a gente precisa ter um Estado mais forte, mais presente na vida das pessoas para garantir um mínimo de dignidade às famílias? Que sociedade é essa que não tem solidariedade com os mais pobres para que os mais pobres possam ter onde morar?

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – . Que sociedade é essa – para concluir – que retira R$6 bilhões da educação num País que não tem qualidade em educação, quando todo mundo diz que educação é uma prioridade? Que sociedade é essa que não enxerga que milhões de brasileiros morrem sem assistência, de câncer, por infecção, porque sofrem um acidente e não podem fazer o segundo tempo de uma cirurgia ortopédica, que não faz um exame?

    Então, Dr. Confúcio, Senador Confúcio Moura, transmito-lhe a palavra com uma pergunta: está faltando amor, solidariedade, justiça? Está faltando a gente ser mais verdadeiro, mais amoroso, mais afetivo e mais solidário com o nosso povo?

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – O senhor não acha isso, Senador Confúcio Moura?

    O Sr. Confúcio Moura (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Para apartear.) – Senador Carvalho, eu pedi esse aparte para cumprimentá-lo pelo seu discurso, pelo conteúdo dele, muito bem formatado, muito bem abordado, onde, resumidamente, se V. Exa. diz que dá para se fazer algumas reformas econômicas sem, contudo, prejudicar a área social, a educação, a saúde e outros itens.

    Concordo. O senhor sempre, desde o primeiro discurso feito aqui no Senado, é extremamente vibrante, muito preparado para os temas que V. Exa. borda. As suas palavras devem merecer o máximo respeito e atenção de todos.

    Quero só cumprimentar V. Exa.

    Obrigado.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – Para concluir, Presidente Izalci, fica aqui, além do meu desabafo, um apelo a todos os colegas Senadores e Senadoras e a toda a sociedade: menos ódio, menos desrespeito e mais solidariedade.

    Eu ouvi, para concluir, o Pepe Mujica falar à juventude, aos jovens esta semana: "Se você quer ter uma vida mais digna, se você quer uma sociedade mais solidária e mais justa, gaste um pouco da sua juventude lutando por esses valores." E eu digo a todos nós: vamos gastar um pouco do nosso tempo para encontrar caminhos que sejam melhores para todos e não para este ou aquele segmento que faz parte desta sociedade e desta Nação que a gente chama de Brasil, com uma certa vergonha, no momento, não de ser brasileiro, mas de estarmos vivendo o que estamos vivendo e com a imagem que estamos tendo no mundo por toda a desconstrução que estamos vendo acontecer no nosso País. No meio ambiente, na saúde, na educação, na economia, nas relações internacionais, em todas as frentes é uma total destruição do que a gente aprendeu a chamar de Nação e de Brasil.

    Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2020 - Página 15