Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 2353, de 2021, que "Altera a Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue". Agradecimento ao Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco, em razão da inclusão em pauta do referido projeto.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Saúde Pública:
  • Considerações sobre a aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 2353, de 2021, que "Altera a Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue". Agradecimento ao Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco, em razão da inclusão em pauta do referido projeto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2021 - Página 36
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Política Social > Saúde > Saúde Pública
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCURSO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, DOAÇÃO, SANGUE, PROIBIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, ORIENTAÇÃO, SEXO, CARACTERIZAÇÃO, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
  • AGRADECIMENTO, PRESIDENTE, SENADO, SENADOR, RODRIGO PACHECO, INCLUSÃO, PAUTA, PROJETO DE LEI.

    O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, inicialmente eu quero agradecer, Sr. Presidente, a sensibilidade de V. Exa. de ter pautado este projeto.

    Eu lembro que quando eu fui vítima de um ataque homofóbico na CPI da Covid, muitos Senadores, de todas as siglas partidárias, demonstraram solidariedade e, dois dias após esse fato, na reunião de Líderes, eu fiz uma provocação aos meus colegas Senadores e Senadoras. Eu falei: olha, o pedido de perdão, o ato de solidariedade, ele não tem valor nenhum se ele não vier acompanhado de um comportamento de ação. Os atos falam mais que as palavras. E aí eu fiz um apelo a V. Exa. e V. Exa. pautou o projeto, que hoje foi brilhantemente relatado pelo meu querido Senador Humberto Costa. E não poderia ter um relator melhor. Um homem sensível, que tem empatia, que tem um olhar humanizador, um médico, uma pessoa que acredita na ciência, e por quem eu tenho uma admiração muito grande de estar fazendo parte nesta Legislatura.

    Obrigado, meu querido Senador, tanto o Humberto Costa, mas acima de tudo V. Exa. por ter pautado este projeto.

    Mas, Sr. Presidente, Platão falava que a sabedoria está na repetição. A gente tem que estar repetindo diuturnamente. Não basta estar na Constituição Federal desde o dia 5 de outubro de 1988, lá no art. 3º ou 4º, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é promover o bem-estar de todos e abolir toda e qualquer forma de discriminação. Eu digo toda e qualquer forma discriminação! Será que no Brasil todos efetivamente somos iguais?

    E aí eu quero pontuar. Em 1990, a OMS excluiu a homossexualidade do Código Internacional de Doenças. Em 1999 o Conselho Federal de Psicologia, através da Resolução nº 1, declarava que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão. Mas é necessário que este Senado e a Câmara dos Deputados façam uma mea-culpa – ou ela inteira – porque não basta nós vivermos sob o império de uma Constituição Cidadã se esta Casa, sistematicamente, fecha as portas para a população LGBTQIA+.

    E eu pontuo o porquê. Direito ao casamento, direito à adoção, direito à declaração de Imposto de Renda em conjunto, direito a recebimento de pensão no caso de óbito, redesignação sexual, direito ao nome social, direito à união estável, direito à criminalização da homofobia equiparando-a ao racismo e, mais recentemente, em 2020, direito a doar sangue. Veja: o direito a doar sangue. Todos esses direitos que eu pontuei aqui, Presidente, se deram pela via do Poder Judiciário. Isso tem que nos dizer alguma coisa, porque nós estamos em pleno século XXI, mas parece que nós estamos discutindo pautas do período medieval.

    Eu lembro que, quando eu era Diretor-Geral do Detran, eu passei por uma situação constrangedora para doar sangue, em virtude, meu querido Carlos Viana, da minha orientação sexual. Ora, isso tem que nos dizer alguma coisa! Nós não podemos perder a capacidade de indignação. Toda doação de sangue se submete ao mesmo rito de testagem rigorosa para assegurar a prevenção a infecções. Dito isso, não há sangue de segunda categoria pois não deve existir ser humano de segunda categoria. Excluir alguém a priori da possibilidade de doar apenas pela orientação sexual é mais uma forma perversa de exclusão e de violação da dignidade dos LGBTQIA+, dentre tantas outras violências simbólicas e estruturais ocultadas a pretexto da falsa ciência.

    O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Nós não temos políticas nem para quantificar essa população, como não há política para quantificar as pessoas em situação de rua. Na verdade, essa convenção segregacionista entrincheira na ciência visões morais absolutamente anacrônicas e incompatíveis com a Constituição. Justo por isso que o STF já rejeitou essa prática discriminatória. Cabe ao Congresso, sempre in mora com os direitos das populações vulneráveis, fazer seu dever de casa, ainda que tardiamente, convertendo em lei o que já decidido pelos tribunais brasileiros. Apesar de se tratar de uma questão já resolvida judicialmente, o tema certamente enfrentará resistências de setores reacionários, que, no Congresso, patrocinam uma verdadeira cruzada anticivilizatória.

    Espero que cumpramos nossa função de legisladores. Legislar é a arte de usar a palavra para explicar o Brasil ao Brasil, a esse Brasil tão desigual; a esse Brasil que tem 80 milhões de brasileiros e brasileiras em situação de pobreza e de extrema pobreza; a esse Brasil que mata índios, quilombolas; a esse Brasil que é sexista, que tem um tratamento preconceituoso com relação às mulheres, aos negros, aos índios; a esse Brasil em que, depois de 338 anos de escravidão, nós ainda temos esse racismo estrutural; a esse Brasil que criminaliza a homofobia, que criminaliza a orientação sexual.

    Aquilo que eu falei numa ocasião que eu também tenho um sonho; como Martin Luther King teve, eu também tenho e não me canso de buscar a concretização desse sonho. Meu querido Pacheco, eu sonho com o dia em que eu não vou ser julgado por minha orientação sexual, eu sonho com esse dia, ele ainda não chegou. Eu sonho com o dia...

     Eu me preocupo muito com os meus dois filhos, Gabriel e Mariana, que são negros, e eu quero que eles sejam cada vez mais empoderados, porque eles podem ocupar qualquer lugar, como todos nós podemos, porque o princípio é da dignidade da pessoa humana. Eu sonho um dia em que a minha irmã e as mulheres não serão julgadas pelo fato de serem mulheres, ou pelo fato de serem idosos.

    Mas o que nós estamos fazendo para dar essa efetividade? O que o Congresso está fazendo, minha querida Leila? Porque é muito bonito quando a gente fala aqui, e eu vejo os colegas se solidarizando, mas o ato de solidariedade é um ato de amor, e esse ato de amor é você reduzir esse abismo, essa desigualdade, é você coibir toda e qualquer forma de discriminação e preconceito, é eu poder ter orgulho de subir a esta tribuna e falar: Olha, eu tenho orgulho de dizer que vivemos num Estado democrático de direito em que todos somos iguais perante a lei, em que o Estado não vai mais criminalizar a cor da pele, em que o Estado não vai criminalizar o fato de uma pessoa ser pobre, em que eu não serei rejeitado em doar sangue por minha orientação sexual.

    Será que é pedir muito? Será que é pedir muito um pouco de dignidade? Será que é pedir muito aos meus colegas Senadores? E faço mais uma vez a provocação: por que precisou o Supremo autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo? A minha certidão de casamento tem menor valor do que a certidão de casamento dos Srs. e Sras. Senadores? Qual é a diferença? Por que esta Casa, sistematicamente, Senador Pacheco, fecha as portas para a população LGBTQIA+?

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – Vamos mudar essa história? Eu não estou pedindo nada além. Eu só estou pedindo que esses direitos que já foram consagrados aqui, meu querido Reguffe, pela via do Poder Judiciário... E aí muito colegas falam que o Poder Judiciário está judicializando. Não. O Poder Judiciário está empurrando o Brasil para o progresso, diante da nossa inação, da nossa omissão, da nossa covardia, da nossa letargia, porque, infelizmente, nós aqui temos que fazer mea-culpa porque nós estamos deixando toda essa população deitada, eternamente, em berço esplêndido. Eu não posso me calar diante disso. E eu espero, do fundo do meu coração, que nós vamos aprovar aqui o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que nós vamos botar isso em lei, porque essa é a via, essa é a via.

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – Compete ao Poder Legislativo legislar. Nós vamos botar em lei que toda a população, qualquer um de nós, independentemente da orientação sexual, pode adotar.

    Lembre-se de mim se não quiser se lembrar da população como um todo, lembre-se de mim. Eu tenho dois filhos, que são a razão da minha vida, Carlos Viana. Costumo dizer que, antes, a gente pensa que é feliz, mas, quando o Gabriel entrou na minha vida, eu descobri o que é felicidade. As cores são mais vivas, os meus olhos brilham. Eu fico aqui, mas louco para retornar, porque são eles que me fazem acreditar que nós podemos, sim, lutar por uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária, inclusiva, plural, porque eu não quero que eles sofram o que milhões de brasileiros sofrem diuturnamente, sendo julgados pela cor da pele, sendo julgados pela orientação sexual.

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – Todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2021 - Página 36