Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à PEC nº 3/2022, a “PEC das praias”, que trata da transferência dos terrenos de marinha a estados, municípios e entidades privadas, em razão dos supostos prejuízos ambientais, sociais e econômicos resultantes dessa medida.

Autor
Teresa Leitão (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Maria Teresa Leitão de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direito das Coisas, Domínio e Bens Públicos:
  • Manifestação contrária à PEC nº 3/2022, a “PEC das praias”, que trata da transferência dos terrenos de marinha a estados, municípios e entidades privadas, em razão dos supostos prejuízos ambientais, sociais e econômicos resultantes dessa medida.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2024 - Página 45
Assuntos
Jurídico > Direito Civil > Direito das Coisas
Administração Pública > Domínio e Bens Públicos
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRITERIOS, DEFINIÇÃO, PROPRIEDADE, TERRENO DE MARINHA, PROCEDIMENTO, TRANSFERENCIA, DOMINIO, REVOGAÇÃO, DISPOSITIVOS, DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITORIAS, UNIÃO FEDERAL, APLICAÇÃO, ENFITEUSE.

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Muito obrigada, Sr. Presidente, a quem saúdo, como saúdo os Senadores, as Senadoras e todos aqueles que nos seguem.

    Vou pegar carona no informe de V. Exa. para saudar uma grande mulher, natural de Cabaceiras, na Paraíba: a minha avó paterna, que também era minha madrinha de batismo, e com ela aprendi muitas coisas importantes para a minha vida. Saudando a minha avó, que se chamava Águeda Carolina, eu quero saudar também duas mulheres antes de entrar no tema sobre o qual vou falar: a Presidenta do México, eleita ontem, a primeira mulher a presidir aquele país; e, mais uma vez, a Presidenta Cármen Lúcia. Mulheres precisam estar nesses espaços. A minha avó talvez pudesse estar nesse espaço, se tivesse vivido em outro século, mas, naquele tempo em que mulheres cozinhavam, costuravam, tomavam conta da casa e dos filhos, as que desenvolviam essa função com olho no futuro, a desenvolviam como minha avó desenvolveu, mostrando-nos os caminhos da emancipação feminina, hoje alcançada por essas duas mulheres presidentas de um órgão público importante e de um país importante e democrático como o México.

    Eu subo a esta tribuna, depois deste preâmbulo, Presidente, que V. Exa. ensejou, subo a esta tribuna hoje para tratar de um tema bastante delicado e estratégico, que exige enorme responsabilidade deste Senado Federal. Refiro-me à tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 3/2022, que extingue os terrenos de marinha e, a nosso ver, permite sua privatização. Em resumo: essa proposição tira o domínio da faixa costeira da União, altera a destinação e veda a arrecadação. No fundamental, pretende transferir os terrenos da propriedade da União para estados, municípios e particulares. Os terrenos de marinha são bens da União e consistem na faixa de 33m ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofram a influência das marés.

    Sabemos que é na faixa costeira que se localizam ecossistemas de alta relevância ambiental, áreas de manguezal, restinga, apicum, todos ecossistemas fundamentais para a prevenção de riscos e medidas de adaptação às mudanças climáticas. Sabemos também que é na faixa costeira que se desenvolvem atividades econômicas estratégicas para o nosso país: portos públicos e privados, usinas eólicas, indústrias do petróleo e gás, pesca industrial e artesanal, infraestruturas críticas e estratégicas, empreendimentos imobiliários e complexos turísticos. Assim, a primeira demarcação relevante a se fazer sobre o tema é que o domínio da União sobre a costa marítima é estratégico. Estratégico para quê? Para garantir objetivos de desenvolvimento econômico, social e ambiental. Portanto, tratamos de uma questão de soberania nacional, em que o interesse privado não pode se sobrepor ao interesse público.

    Muitas destas faixas de terra são fundamentais na preservação ambiental e, não raras vezes, funcionam no controle do avanço das águas e, ademais, são áreas de preservação da sociobiodiversidade. Precisamos compreender ainda que são diversos os tipos de ocupação em terrenos de marinha, com diferentes perfis de ocupação e utilização que, assim, exigem diferentes tratamentos. Temos áreas urbanizadas em municípios defrontantes com o mar. Temos empreendimentos imobiliários, turísticos e ocupações de veraneio, como resorts em vários estados. Temos as instalações de infraestrutura estratégica e outras atividades econômicas. Temos as ocupações de baixa renda e de comunidades tradicionais. E temos os ecossistemas com alta relevância ambiental, como as APAs (áreas de proteção ambiental).

    No caso do meu estado, Pernambuco, são 187km de litoral potencialmente impactados, de diversas formas, por essa proposta de emenda à Constituição, a chamada PEC da privatização das praias.

    Deste modo, precisamos compreender que o debate sobre o tema não pode ser hegemonizado apenas pelos interesses oriundos da especulação imobiliária. Não podemos permitir que apenas os interesses na ocupação predatória das terras à beira-mar e com intensa atividade associada ao turismo costeiro comprometam toda uma dinâmica socioambiental e econômica no país.

    A nosso sentir, o debate aligeirado e encaminhado apenas pelo vetor de favorecimento da especulação imobiliária, especialmente em cidades, será absolutamente nocivo para o nosso país, fomentando ainda mais o desequilíbrio ambiental, em um cenário em que ressacas e erosões costeiras tendem a ser, infelizmente, Sr. Presidente, cada vez mais frequentes.

    Nesta direção, temos ouvido inúmeros especialistas apontando que a proposição fragiliza, ainda mais, a nossa capacidade adaptativa às mudanças climáticas e seus extremos e, de igual modo, acarreta maior fragilização em relação ao avanço do mar, sem essas áreas de controle.

    A PEC também tem potencial para afetar os manguezais, que são essenciais para o futuro de milhares e milhares de pessoas. Sem estes pequenos ecossistemas, comunidades inteiras desaparecerão, o que evidencia que este é um debate sobre a defesa do meio ambiente e, de igual modo, sobre a vida de milhares de comunidades de pescadores, marisqueiros, quilombolas, povos indígenas que estão nestes terrenos.

    Não há como negar que a proposta se orienta a favorecer a ocupação desordenada, ameaçando ecossistemas costeiros e tornando esses territórios mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos, o que é gravíssimo, especialmente no contexto crítico em que vivemos.

    Assim, Sr. Presidente, para concluir, reforço: a discussão sobre os terrenos de marinha não se deve dar sob a ótica dos interesses particulares e da pressão dos grandes interesses imobiliários, o que representará uma grande e danosa inversão de lógica. Os terrenos de marinha são propriedades públicas que atendem necessidades socioambientais e protetivas, olham para o superior interesse público de toda a população. Deste modo, não podemos admitir a mera transferência de qualquer patrimônio público para particulares sem avaliar, com cautela e responsabilidade, suas variadas consequências em todo o país.

    Parece-nos inadmissível imaginar a supressão ou o cercamento das praias – como alguns, inclusive, já fazem mesmo sem o amparo da lei, imaginem com a PEC autorizativa deste desmando que acontece em algumas praias, com enormes repercussões que já ocorrem no turismo do país, além dos prejuízos para a biodiversidade, para várias atividades econômicas, para a pesca e para outras atividades realizadas em praias e manguezais.

    Neste sentido, deixo aqui consignada a minha posição, preocupada com o encaminhamento da matéria, alvo já e objeto já de uma audiência pública realizada nesta Casa, em que houve claramente uma evidente divisão de opiniões...

(Soa a campainha.)

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... com vários técnicos se posicionando contrariamente a esta PEC.

    Espero que o nosso posicionamento de compromisso com a defesa do meio ambiente e de nosso potencial para buscar melhores e mais acertadas soluções possa ter eco; soluções essas que equilibrem desenvolvimento, justiça tributária e preservação ambiental.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2024 - Página 45