Como Relator - Para proferir parecer durante a 17ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Como Relatora - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 4727, de 2020, que "Altera o art. 265 do Código de Processo Penal para extinguir a multa por abandono do processo aplicada sumariamente pelo juiz em desfavor do advogado".

Autor
Soraya Thronicke (PSL - Partido Social Liberal/MS)
Nome completo: Soraya Vieira Thronicke
Casa
Senado Federal
Tipo
Como Relator - Para proferir parecer
Resumo por assunto
Advocacia, Processo Penal:
  • Como Relatora - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 4727, de 2020, que "Altera o art. 265 do Código de Processo Penal para extinguir a multa por abandono do processo aplicada sumariamente pelo juiz em desfavor do advogado".
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2022 - Página 20
Assuntos
Organização do Estado > Funções Essenciais à Justiça > Advocacia
Jurídico > Processo > Processo Penal
Matérias referenciadas
Indexação
  • RELATOR, PARECER, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, CODIGO DE PROCESSO PENAL, EXTINÇÃO, MULTA, ADVOGADO, DEFENSOR, MOTIVO, ABANDONO, PROCESSO, APURAÇÃO, INFRAÇÃO DISCIPLINAR, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB).

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSL - MS. Para proferir parecer.) – Sr. Presidente, peço, primeiramente, permissão para falar sem máscara. Ontem, fiz teste novamente, e o que eu tenho é apenas uma alergia. Estou um tanto o quanto sem voz, mas me poupei ontem para poder relatar esse projeto de lei da autoria de V. Exa., Presidente Rodrigo Pacheco, o Projeto de Lei nº 4.727, de 2020.

    O Presidente Rodrigo Pacheco, autor deste projeto, é um querido colega de profissão, advogado combatente, cuja sabedoria está cravada na história da advocacia mineira e na história da advocacia nacional. V. Exa., Presidente, é formado em Direito pela PUC de Minas, especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, e atuou como advogado criminalista. Já foi Defensor dativo da Justiça Federal, membro do Conselho de Criminologia e Política Criminal do Estado de Minas Gerais e auditor do Tribunal de Justiça Desportiva, além de professor universitário. Na OAB, em nossa querida Ordem dos Advogados do Brasil, foi Conselheiro Seccional por dois mandatos e Presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados. Em 2012, foi eleito Conselheiro Federal da OAB por Minas, sendo o mais jovem advogado a integrar o conselho, defendendo a atuação da ordem no sentido de inibir a corrupção na política e promover eleições limpas. No Conselho Federal, foi também Presidente da Comissão Nacional de Apoio aos Advogados em início de carreira. Não há dúvidas, portanto, Presidente, da sua ilibada e brilhante carreira de advogado, que o preparou durante todo esse tempo para a importante missão de nos conduzir aqui como Presidente do Senado Federal.

    E eu digo isso para colocar para a população brasileira a sua autoridade para legislar, principalmente nessas questões relativas ao dia a dia da advocacia. Cada profissão sabe onde está o seu calcanhar de aquiles. E quem nunca labutou ali no dia a dia dos fóruns e dos tribunais não sabe o que nós passamos – você tem que viver para entender. Uma das questões que mais me deixaram impressionadas quando eu cheguei aqui – nós somos legisladores, chegamos como legisladores, mas somos habilitados também em leis, porque somos formados em Direito e lidamos com isso no nosso dia a dia – foi que eu achei que eu encontraria mais advogados aqui nos corredores trazendo propostas legislativas e influenciando mais no dia a dia. Muitos outros Parlamentares não são do meio jurídico, então, é difícil para eles legislarem em nossas questões do dia a dia da advocacia como nós legislarmos numa questão médica. É lógico que o Senado Federal tem todo um aparato para você legislar em qualquer matéria, mas, mesmo assim, é diferente quando a gente defende algo que a gente entende e acredita e em que a gente pode falar com a autoridade. Por isso, eu fiz questão de relatar aqui uma pequena parte da sua carreira, do seu currículo, porque este projeto de lei é de extrema importância para a nossa profissão.

    Pois bem, caros colegas, vou passar direto para o relatório.

    Vem à apreciação do Plenário do Senado Federal o Projeto de Lei nº 4.727, de 2020, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, que propõe a seguinte redação para o caput do art. 265 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, que é o nosso Código de Processo Penal.

    Diz o art. 265:

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, devidamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante a Ordem dos Advogados do Brasil.

....................................................................................

    Na justificação, o autor da proposição argumenta que a redação vigente do art. 265 do Código de Processo Penal não é compatível com o sistema de princípios e regras estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, pois estabelece a possibilidade de, no processo criminal, o juiz multar o advogado responsável pela defesa do acusado quando o juiz entender de forma subjetiva – e aí está a questão – que está configurado o “abandono do processo por motivo não imperioso”, sem observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

    Pois bem, foram apresentadas cinco emendas.

    A Emenda nº 1, da Senadora Rose de Freitas, propõe alteração no artigo para inserir o dispositivo legal da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) que descreve a infração administrativa relacionada ao abandono injustificado.

    A Emenda nº 2, do Senador Randolfe Rodrigues, propõe modificação no §6º, com consequente revogação do §7º, ambos do art. 71 do Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, que é o Código de Processo Penal Militar (CPPM), para estabelecer que “o defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, devidamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente”; propõe, ademais, a revogação do §5º e do art. 71 do CPPM, que impõe que praças sejam defendidos por advogados de ofício, o que não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

    A Emenda 3, também do Senador Randolfe Rodrigues, propõe redação mais genérica para o caput do art. 265 do CPP, para que faça alusão não apenas à responsabilização perante o órgão de classe, que é a OAB, mas a “órgão correicional competente”, para atrair o controle administrativo dos órgãos de defensorias e de advocacias públicas.

    A Emenda 4, do Senador Rogério Carvalho, propõe ajuste redacional no caput do art. 265 do CPP, para que conste que a comunicação ao juízo deve ser realizada previamente ao ato processual.

    E, por fim, a Emenda nº 5, da Senadora Rose de Freitas, propõe alteração no caput do art. 265 do CPP, para substituir a expressão “defensor” por “patrono da parte” e inserir o dispositivo legal da Lei nº 8.906/94, que é o Estatuto da Advocacia, que descreve a infração administrativa relacionada ao abandono injustificado.

    Passo para a análise.

    Preliminarmente, registramos que a matéria sob exame não apresenta vícios de constitucionalidade formal, considerando que, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, compete à União legislar privativamente sobre Direito Processual Penal. Ademais, não se trata de matéria submetida à iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do §1° do art. 61 da Carta Magna.

    Também não encontramos óbices relacionados com a constitucionalidade material, com a juridicidade ou com a regimentalidade da matéria.

    No mérito, consideramos o projeto conveniente e oportuno.

    O texto vigente do caput do art. 265 do CPP é o seguinte:

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

    Como se vê, o dispositivo:

    (i) possibilita que magistrados imponham sumariamente multa ao advogado, ao arrepio do devido processo legal em que esse profissional poderia exercer seu direito de defesa;

    (ii) esse dispositivo conflita com o processo disciplinar previsto nos arts. 34, inciso XI, 44, inciso II, e 70, todos do Estatuto da Advocacia, que é a Lei 8.906, de 1994, invadindo, assim, a competência da Ordem dos Advogados do Brasil; e

    (iii) eleva o juiz para a posição de supervisor do advogado no exercício da sua profissão, contrariando sumariamente o art. 6º da Lei 8.906, de 1994, visto que a norma estabelece que não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público.

    Em nota técnica, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apoiou formalmente o projeto de lei, esclarecendo que o caput do art. 265, na redação vigente, em nada contribui para que advogados e advogadas exerçam com empenho suas atividades de postular em juízo pela defesa dos direitos e garantias daqueles que necessitam da tutela jurisdicional. E a OAB federal continua, dizendo que, ao contrário, impõe um risco excessivo e desproporcional ao exercício da advocacia sob o pretexto de sancionar uma conduta lesiva, que já se encontra devidamente disciplinada e fiscalizada, com base nas normas éticas da profissão, cuja observância e implementação competem aos Conselhos Federal e Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil.

    Em igual sentido, a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) apoiou o projeto, argumentando que a atual redação do art. 265 do Código de Processo Penal fere a autonomia e o livre exercício da advocacia, além de deixar ao subjetivismo do julgador a aplicação da multa, sem a existência de um prévio e devido processo legal, em que se possa exercer a ampla defesa e o contraditório. Arrematou a Aasp, consignando que o dispositivo com a redação atual entra em conflito com as disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, na medida em que o art. 6º dispõe que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

    Ao comentar sobre esse tema, Damásio de Jesus, no Código de Processo Penal anotado, assinala que o juiz não tem atribuição constitucional para impor sanções aos membros da advocacia. Cabe ao magistrado representar à Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da respectiva seccional, para que se instaure o competente processo disciplinar, com a possibilidade de aplicação pelo órgão competente da sanção pecuniária referida no dispositivo.

    Por fim, vale aqui a transcrição da ementa da ADI nº 2.120, relatada pelo Ministro Celso de Mello – é do Amazonas esse processo –, de onde se extrai a exigência do devido processo legal para a aplicação das penalidades. Diz o Ministro Celso de Mello:

Nenhuma penalidade poderá ser imposta, mesmo no campo do direito administrativo, sem que se ofereça ao imputado a possibilidade de se defender previamente. A preterição do direito de defesa torna írrito e nulo o ato punitivo. [...] O direito constitucional à ampla (e prévia) defesa, sob o domínio da Constituição de 1988 [...], tem como precípuo destinatário o acusado, qualquer acusado, ainda que em sede meramente administrativa. O Supremo Tribunal Federal, ao proclamar a imprescindibilidade da observância desse postulado, essencial e inerente ao [...] [devido processo legal], tem advertido que o exercício do direito de defesa há de ser assegurado, previamente, em todos aqueles procedimentos – notadamente os de caráter administrativo-disciplinar – em que seja possível a imposição de medida de índole punitiva. Mesmo a imposição de sanções disciplinares pelo denominado critério da verdade sabida, ainda que concernentes a ilícitos funcionais desvestidos de maior gravidade, não dispensa a prévia audiência do servidor público interessado, sob pena de vulneração da cláusula constitucional garantidora do direito de defesa. A ordem normativa consubstanciada na Constituição brasileira é hostil a punições administrativas, imponíveis em caráter sumário ou não, que não tenham sido precedidas da possibilidade de o servidor público exercer, em plenitude, o direito de defesa.

    Diante disso, consideramos que, como bem argumenta a justificação do projeto, o caput do art. 265 do Código de Processo Penal é incompatível com a Constituição Federal, que consagra os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, além do contraditório, consoante dispõe o art. 5º e seus referidos incisos, além de ferir frontalmente os artigos 34, XI, 44, II, e 70, todos da Lei Federal nº 8.906, de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.

    Passamos, neste ponto, à análise das emendas.

    Com relação à Emenda nº 3, observamos que, frequentemente, a advocacia pública e as defensorias públicas patrocinam defesas em processos penais, estando sujeitas, portanto, aos deletérios efeitos da sanção pecuniária prevista pela atual redação do art. 265, do CPP. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº 1.240.999-SP, definiu que o defensor público submete-se somente ao regime próprio da Defensoria Pública, sendo inconstitucional a sua sujeição também ao Estatuto da Ordem.

    Dessa forma, nós acolhemos a Emenda nº 3, do Senador Randolfe Rodrigues.

    No tocante à Emenda nº 1, observamos que a alusão ao dispositivo da 8.906, de 1994, é incompatível com a redação mais genérica dada pela Emenda nº 3, acolhida nesta oportunidade. Dessa forma, rejeita-se a Emenda nº 1.

    A Emenda nº 2, por sua vez, deve ser acolhida, porque inclui no Código de Processo Penal Militar a regra que se quer inserir no CPP e, ao mesmo tempo, suprime a previsão de prevalência da defesa por “advogado de ofício” sobre eventual defesa por advogado de livre escolha da praça.

    Com relação à Emenda nº 4, observamos que é de todo conveniente que o juízo seja previamente comunicado pelo defensor acerca do abandono da causa, para evitar prejuízo à parte. Obviamente não se está a tratar da mera falta a um ato processual, sem prévia comunicação, pois, prosseguindo o defensor na defesa do acusado, não resta configurado o abandono. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do STJ, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, da Sexta Turma, e da Ministra Maria Thereza também, no acórdão de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, entre outros julgados. Dessa forma, nós acolhemos a Emenda nº 4 do Senador Rogério Carvalho.

    Finalmente, em relação à Emenda nº 5, a substituição do termo “defensor” pela expressão “patrono da parte” é inócua, Sr. Presidente. Observamos, neste ponto, que o termo “defensor” é gênero, no qual se inserem o defensor público e o advogado. Aliás, o termo “defensor” já consta da redação vigente do art. 265 do CPP e nunca foi levantada dúvida sobre sua abrangência. Dessa forma, rejeitamos a Emenda nº 5.

    Voto.

    Diante do exposto, o voto é pela aprovação do Projeto de Lei nº 4.727, de 2020, e das Emendas nºs 2, 3 e 4 e pela rejeição das Emendas nºs 1 e 5. As emendas acatadas são do Senador Randolfe Rodrigues e do Senador Rogério Carvalho.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Quero parabenizá-lo, mais uma vez, pela proposta, agradecer pela honra de poder relatar tão importante projeto de lei e lhe dizer que a advocacia está orgulhosa do seu trabalho. O número de ligações foi imenso, felizes da vida, e eu quero deixar aqui as portas abertas para que todos aqueles que se incomodem, os advogados, nós que estamos ali na labuta do dia a dia, tragam para nós projetos de lei que visam melhorar a atuação nos nossos tribunais.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2022 - Página 20