Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao Ministro da Justiça, Flávio Dino, por supostamente ter sugerido em audiência pública da Comissão de Segurança Pública (CSP) que, caso o Congresso Nacional não aprove o Projeto de Lei nº 2630/2020, conhecido como PL dasfake news, o Governo Federal e o STF possam tomar medidas de regulamentação do conteúdo da matéria. Críticas ao mencionado projeto, com destaque para a preocupação com um dos pontos da matéria que torna obrigatória a criação de uma entidade governamental para avaliar se uma postagem é verdadeira ou falsa.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Imprensa, Telefonia e Internet:
  • Críticas ao Ministro da Justiça, Flávio Dino, por supostamente ter sugerido em audiência pública da Comissão de Segurança Pública (CSP) que, caso o Congresso Nacional não aprove o Projeto de Lei nº 2630/2020, conhecido como PL dasfake news, o Governo Federal e o STF possam tomar medidas de regulamentação do conteúdo da matéria. Críticas ao mencionado projeto, com destaque para a preocupação com um dos pontos da matéria que torna obrigatória a criação de uma entidade governamental para avaliar se uma postagem é verdadeira ou falsa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2023 - Página 76
Assuntos
Outros > Imprensa
Infraestrutura > Comunicações > Telefonia e Internet
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, FLAVIO DINO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PUBLICA, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, DEFINIÇÃO, NORMAS, DIRETRIZ, LIBERDADE, RESPONSABILIDADE, PUBLICIDADE, MIDIA SOCIAL, SOFTWARE, COMUNICAÇÃO DE MENSAGENS, INTERNET, COMBATE, AUSENCIA, INFORMAÇÃO, DIVERSIDADE, FALSIFICAÇÃO, CONTAS, USUARIO, SERVIÇO, DIVULGAÇÃO, NOTICIA FALSA, SANÇÃO.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - AM. Para discursar.) – Presidente Rodrigo Pacheco, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, em um esforço para pressionar o Congresso a votar a chamada Lei das Fake News ou Lei da Censura, como nós preferimos chamá-la, o Ministro Flávio Dino, que hoje deu uma demonstração de arrogância aqui no Senado, produziu uma ameaça tão estarrecedora quanto esclarecedora.

    Após defender a proposta e dizer que prefere ver a questão regulada por lei, aprovada pelo Congresso, partiu para o ataque e disse que se, abro aspas, "os adeptos do faroeste digital [assim desqualificando os opositores] conseguirem impedir essa aprovação, que ficassem sabendo: a repressão seria feita inevitavelmente". Flávio Dino afirmou que o Governo conta com a legislação derivada de decisões administrativas, inclusive do Ministério da Justiça, e que também a regulação poderia vir do Judiciário – e falou dos processos que lá, no Judiciário, no Supremo, para ser mais exato, tramitam. Concluiu, a meu ver, belicosamente: quem resistir perderá. A tradução disso tudo é que o Governo está disposto a impor a sua vontade, seja por qualquer mecanismo, seja ele qual for.

    Há, porém, outras gravíssimas implicações. Trata o Judiciário – e isso fica patente –, ainda que de forma camuflada que ele pretende, como braço auxiliar dos desígnios do Executivo e, enfim, torna claro que, para o atual Governo, o Congresso Nacional não serve para absolutamente nada ou, se funcionar, será ultrapassado.

    É evidente que a postura do Ministro embute uma chantagem dirigida ao Congresso, mas traz também posturas que vão além disso, como a convicção de que o Judiciário, ou melhor, o Supremo Tribunal Federal, entrará em uma atribuição do Congresso, que é legislar, que não é novidade, mas continua sendo condenável o Supremo legislar. Ou será que o Ministro Flávio Dino aposta em que o Supremo fará e faz o que o atual Governo quiser? Eu não tenho nem dúvida disso.

    Na realidade, o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que não pode intervir em questões internas do Poder Legislativo. Em junho de 2021, o Plenário do Supremo decidiu que não cabe ao Poder Judiciário fazer o controle jurisdicional da interpretação do sentido e das normas regimentais das Casas Legislativas quando não ficar caracterizado o desrespeito a regras constitucionais pertinentes ao processo legislativo. A decisão, por maioria, foi tomada na sessão virtual relativa ao julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.

    De acordo com o voto vencedor do Supremo Tribunal Federal – e eu falo aqui isso para lembrar que o Supremo Tribunal já decidiu, o que não garante que não vá mudar, como tem mudado de voto –, a jurisprudência do Supremo é pacífica no sentido de que, em respeito ao princípio da separação dos Poderes, não é possível controle jurisdicional em relação à interpretação de normas regimentais das Casas Legislativas. Segundo ele, nesses casos, é vedado ao Poder Judiciário substituir o Legislativo para dizer qual o verdadeiro significado da previsão regimental, matéria de natureza interna.

    Não é possível, portanto, interferir na alçada do Legislativo, até pelo óbvio, que é tratar-se de outro Poder. Se o Legislativo toma uma decisão, inclusive a de não votar determinado projeto, isso está na sua esfera de poder. A gente decidir não votar o projeto é uma prerrogativa nossa, do Legislativo. O Supremo Tribunal Federal pode, e deve, manifestar-se sobre a inconstitucionalidade de legislação, mas nunca substituir o Legislativo para impor a sua solução – que é como o Ministro Flávio Dino está ameaçando, está chantageando o Congresso Nacional.

    O pronunciamento do Ministro da Justiça vai além, ao mostrar a confiança em que a vontade do Executivo sobre determinada questão legislativa deve se impor à de outro Poder – e ele é um Senador eleito. E vai além, também, ao afirmar que, se não for ele próprio, o Executivo, a decidir, o Judiciário o fará no mesmo sentido. Mais uma vez, querem que o Judiciário decida, legisle. Nós não podemos julgar e o Judiciário não pode legislar.

    Presidentes sem comedimento ou controle podem aparelhar a Suprema Corte, alterando sua composição, ou contornar o Congresso, governando por decretos. Assistimos, há pouco, a esse tipo de tentativa de ação ditatorial até em democracias mais estabelecidas e mais vividas do que a nossa. Isso ocorre com mais frequência, é evidente, em regimes mais frágeis do ponto de vista da liberdade.

    Mas aparentemente, aparentemente não, mas firmemente e claro é o que preconiza o Ministro, afinal, o que é dizer que o Judiciário pode fazer o que quer o Executivo por meio de regulação em processos que lá já estão? E o que é dizer que é regulação derivada de decisões administrativas senão governar por decreto?

    Fica aí mais que evidente, Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, o ímpeto autoritário do atual Governo. É evidente isso para nós e, hoje, o Ministro Flávio Dino deu demonstração do quanto está se lixando para o Legislativo.

    Seria até dispensável lembrar que esse ímpeto se manifesta no projeto em que se relaciona a fala truculenta do Ministro em relação à Lei das Fake News. Vamos lembrar que ele se prende à declaração de que uma postagem é verdadeira ou falsa. Quem vai determinar a veracidade dessa postagem? Pelo texto original, uma agência especial a ser criada imagina só por quem? Pelo Governo. Vá lá que o Relator admitiu substituí-la, mas pretende colocar outra entidade em seu lugar.

    Registro aqui, meu amigo Senador Esperidião Amin, que foi um dos primeiros a ler aquele livro Como as Democracias Morrem. Cito aqui: aponta o livro que:

A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato [abalar] a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade.

    Fecho aspas aqui, citando o livro Como as Democracias Morrem. E mais:

Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes.

    Olha só a coincidência dos fatos acontecendo no país.

    Como as Democracias Morrem escancara também o que constitui uma:

[...] tendência a restringir liberdades civis de rivais e críticos. [Afinal] [abro aspas] Uma coisa que distingue autocratas de líderes democráticos [...] é sua intolerância à crítica e à disposição de usar seu poder para punir aqueles que – na oposição, na mídia ou na sociedade civil – venham a criticá-los.

    Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, e os que nos assistem, você brasileiro, você brasileira, tudo isso se parece demais com um filme que já vimos – já vimos esse filme antes – e se parece mais ainda com o filme que estamos vendo agora, cujo desfecho, eu posso dizer, o final, será favorável ao vilão e não ao mocinho.

    O Supremo Tribunal Federal precisa abandonar essa ideia de tutelar a democracia. A verdadeira democracia não precisa de tutela. Não precisa de quem diga o que pode e o que não pode. É hora de o Supremo Tribunal abandonar essa ideia e essa prática...

(Soa a campainha.)

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - AM) – ... de interferir, de afanar as prerrogativas dos outros Poderes.

    Fica patente o que eles estão pretendendo, e assim é que começam a morrer as democracias.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2023 - Página 76