Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Insatisfação com a decisão do STF que considerou o marco temporal de demarcação das terras indígenas inconstitucional. Apelo ao Presidente Lula para que sancione o Projeto de Lei nº 2903/2023, que regulamenta o marco temporal para o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.

Autor
Chico Rodrigues (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco de Assis Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação do Judiciário, Domínio e Bens Públicos, Governo Federal, Patrimônio Genético, População Indígena:
  • Insatisfação com a decisão do STF que considerou o marco temporal de demarcação das terras indígenas inconstitucional. Apelo ao Presidente Lula para que sancione o Projeto de Lei nº 2903/2023, que regulamenta o marco temporal para o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2023 - Página 32
Assuntos
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Administração Pública > Domínio e Bens Públicos
Outros > Atuação do Estado > Governo Federal
Meio Ambiente > Patrimônio Genético
Política Social > Proteção Social > População Indígena
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCONSTITUCIONALIDADE, MARCO TEMPORAL, TERRAS INDIGENAS, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SANÇÃO PRESIDENCIAL, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, PROIBIÇÃO, CULTIVO, Organismo Geneticamente Modificado (OGM), AREA, UNIDADE, CONSERVAÇÃO, EXCEÇÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, ESTATUTO, INDIO, COMPETENCIA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL (DF), MUNICIPIOS, GARANTIA, COMUNIDADE INDIGENA, POSSE, USUFRUTO, CRIAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, GESTÃO, TERRAS, DEFINIÇÃO, PRINCIPIO JURIDICO, PROCESSO ADMINISTRATIVO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDIGENAS (FUNAI), LIMITAÇÃO, PERIODO, RECONHECIMENTO, OCUPAÇÃO, INDENIZAÇÃO, PROPRIEDADE, BENFEITORIA, POSSUIDOR, DESAPROPRIAÇÃO, INTERESSE SOCIAL, HIPOTESE, DESTINAÇÃO, IMOVEL.

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR. Para discursar.) – Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Antes de iniciar o meu pronunciamento, desejo completo restabelecimento ao Senador Oriovisto Guimarães. S. Exa., que é um Senador que conhece, como poucos, os temas na área econômica e a defende com tanta propriedade, aqui nesta Casa, se está restabelecendo dessa enfermidade covid, que tomou conta de toda a humanidade.

    Tenho certeza de que, com o seu vigor, com o seu cuidado, logo estará de volta aqui, para desenvolver um brilhante trabalho, no Senado da República.

    Sr. Presidente, em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a chamada tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

    Como sabemos, de acordo com essa interpretação, uma área só pode ser demarcada se os povos indígenas comprovarem a sua ocupação antes da data em que foi promulgada a Constituição de 1988.

    A discussão se originou em um pedido judicial do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina referente à reintegração de posse de área localizada na Reserva Biológica do Sassafrás. Ocorre que essa área foi declarada, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), como de tradicional ocupação indígena. A Funai, no recurso, contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, favorável ao Instituto Catarinense.

    De acordo com o TRF da 4ª região, não houve prova de que os indígenas ocupavam tradicionalmente essa área e, por isso, foi confirmada a sentença de reintegração de posse.

    Pois bem, a questão é muito complexa! Não nos deixemos levar pela narrativa de que quem é a favor do marco temporal é contra os povos indígenas! O marco temporal é, sim, elemento essencial para a segurança jurídica envolvendo questões de terra no Brasil.

    Todos sabemos que a diversidade é uma das grandes riquezas do Brasil. Possuímos mais de 300 povos originários. O Brasil é o país com a maior diversidade linguística do mundo. Temos nada menos que 180 línguas indígenas catalogadas e estudadas – 180 línguas indígenas.

    Sabemos, também, que, desde a colonização, esses grupos étnicos foram oprimidos, de muitas formas. Foram, e ainda são, vítimas de exploração e violência. Precisamos, portanto, intensificar as ações de proteção a essa população, fortalecendo as políticas de assistência e, principalmente, combatendo as invasões de seus territórios já constituídos.

    Atualmente, existem 740 terras indígenas no Brasil, compreendendo mais de 851 milhões de hectares. Esse total corresponde a 13,9% do território brasileiro. Na Amazônia Legal, 23% da área total é constituída de terras indígenas. De acordo com dados do IBGE, existem cerca de 1,7 milhão de indígenas no Brasil. Esse total corresponde a 0,83% da população brasileira. E esse grupo ocupa, como vimos, quase 14% do território nacional; ou seja, apesar de todo o discurso de um segmento que procura politizar o tema – ao menos do ponto de vista do acesso à terra, nos últimos anos –, o Brasil tem cuidado de seus povos originários!

    Venho de um estado que faz parte da Amazônia Legal, o Estado de Roraima, e tenho conhecimento das importantes questões culturais e históricas relacionadas ao tema. Sei o que significa o território para um indígena! Mas não adianta dar mais e mais terras sem oferecer políticas públicas efetivas e sem reconhecer as demandas reais de cada comunidade.

    Conheço de perto a situação desses povos em Roraima e posso afirmar, com toda a convicção: nossos indígenas estão desassistidos! Em muitas comunidades, falta acesso à saúde básica e é muito sério o problema da desnutrição, do garimpo ilegal e agora, em função da agravação, com a estiagem!

    Onde estão a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas, que não apresentam respostas efetivas para esses problemas? Enquanto o Estado brasileiro discute o tema do marco temporal, nossos indígenas sofrem por causa da ineficiência dos órgãos governamentais que têm a missão constitucional de protegê-los.

    Em um país complexo e diverso como o nosso, é preciso pensar e agir com muito equilíbrio e cautela; e, com todo respeito, preciso dizer que esse bom senso não foi demonstrado por nossa Corte mais alta, quando decidiu pela inconstitucionalidade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Todo um contexto socioeconômico já estabelecido e que envolve mais de 200 milhões de brasileiros foi desconsiderado. O agronegócio, a produção agrícola familiar e as necessidades alimentares da sociedade brasileira, tudo isso parece ter sido negligenciado na decisão.

    Sras. e Srs. Senadores, a incerteza e a insegurança jurídica são os piores inimigos da livre iniciativa, e estamos falando de uma área vital, que produz alimentos para o Brasil e para o mundo, contribuindo decisivamente para o equilíbrio de nossa balança comercial. Entidades e lideranças ligadas ao agronegócio estão classificando a decisão como um desastre para a agricultura brasileira. Vejam, há uma jurisprudência consolidada sobre o tema. Sua revisão, a essa altura, terá consequências drásticas para um setor que é reconhecido atualmente como o motor da economia nacional.

    Em 2022, o agronegócio foi responsável por 25% do Produto Interno Bruto, e o setor tem tido um crescimento impressionante, ano após ano. O agronegócio tem papel fundamental no desempenho da economia nacional.

    Entre os pequenos produtores rurais, a situação também é de apreensão. Segundo o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar de 2023 – portanto, recente –, divulgado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares, a Contag, se todos os agricultores familiares do Brasil formassem um país – se todos os agricultores familiares do Brasil formassem um país –, seria o oitavo maior produtor de alimentos do mundo. São 4 milhões de propriedades de agricultura familiar, representando 77% dos estabelecimentos agrícolas do país. Temos, portanto, um patrimônio construído ao longo de vários anos, com muito trabalho e apoio governamental.

    É por isso que vemos com muita preocupação a decisão recente do STF. Ao impor à sociedade brasileira uma decisão de repercussão geral extremamente impactante, o Poder Judiciário extrapolou suas funções, no nosso entendimento, principalmente porque, como todos sabemos, o tema vem sendo discutido no Poder Legislativo.

    O papel de legislar, repito, é do Congresso Nacional. As Casas do Congresso Nacional são os espaços que repercutem as demandas da sociedade brasileira, ambientes verdadeiramente democráticos e plurais, onde representantes eleitos debatem a fundo os temas políticos de interesse nacional.

    Por isso, quero parabenizar o Senado Federal, que, no dia 27 de setembro, aprovou o Projeto de Lei nº 2.903, de 2023, conhecido como PL do Marco Temporal, em um debate plural em que venceu a democracia por meio do voto dos representantes eleitos. A decisão...

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – ... longe de ser consensual, foi escolhida pela maioria dos representantes do povo – e isto chama-se democracia.

    O PL do Marco Temporal, uma vez sancionado, trará segurança jurídica para esse impasse ao regulamentar o art. 231 da nossa Carta Política, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. A proposta faz uma série de adequações na legislação em vigor e dá transparência ao processo demarcatório. Segue agora para a sanção do Presidente da República.

    Aqui faço um apelo ao Sr. Presidente da República e ao Governo, para que este projeto seja sancionado, diante de sua importância para o nosso setor produtivo e diante do equilíbrio entre os Poderes, uma vez que a prerrogativa de legislar é do Poder Legislativo.

    É necessário que o Poder Executivo reconheça que este PL é fruto de uma discussão pormenorizada das duas Casas do Congresso.

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – Além disso, prevê a manifestação de entidades da sociedade civil e, principalmente, das comunidades indígenas diretamente interessadas em todas as etapas da demarcação.

    De outro modo, não teremos outra alternativa a não ser tratar desse tema por meio de uma proposta de emenda à Constituição, a exemplo da PEC 48, de 2023, a qual assinei, para estabelecer, com clareza, o marco temporal para a demarcação de terras indígenas na nossa Constituição.

    Volto a ressaltar também que o tema das terras indígenas não é o único que precisa ser debatido por quem defende os povos originais do país. É preciso que a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas cumpram o seu papel e formulem políticas públicas efetivas, para atender as necessidades atuais dos povos indígenas, que não clamam somente por terra...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – Os povos indígenas clamam por saúde, educação, apoio para produção, fiscalização e proteção de seus territórios, entre outras tantas demandas que merecem mais atenção desses órgãos.

    Portanto, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a nossa preocupação é uma preocupação em função de vivermos um momento em que a agricultura do Brasil tem dado um salto enorme na sua história e, recentemente, pelos números que apresentamos, representa mais de 25% do PIB nacional. Os produtores pequenos, médios e grandes, em todos os rincões do país, estão realmente assustados com os movimentos e com as invasões de terra que já começam a acontecer.

    Nós esperamos que haja uma decisão equilibrada e cuidadosa do Governo, no sentido de que aquilo que se trata aqui na Casa Legislativa, na Câmara Alta do país, ou mesmo no Congresso Nacional como um todo, prevaleça, porque é a vontade soberana da maioria da população brasileira.

    Era esse o meu pronunciamento e é essa a minha preocupação hoje, Sr. Presidente.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2023 - Página 32