Discussão durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2024 - Página 48
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discutir.) – Sr. Presidente, senhoras e senhores, com a consciência tranquila e com a coragem que Deus me deu, mais uma vez subo a esta tribuna para falar e para denunciar que essa PEC das drogas é uma PEC que, mais uma vez, vai criminalizar a pobreza.

    Essa premissa constitucional da qual eu acabei de falar, de que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, está longe de ser uma realidade. Aquela inquietação que o Pastor Martin Luther King tinha, aquele sonho, eu também tenho: o sonho de um dia termos uma sociedade muito mais inclusiva, justa e plural.

    O que a PEC está fazendo? Ela não está inovando em absolutamente nada. Ela simplesmente coloca na Constituição Federal, que já foi remendada 132 vezes, que portar substância para uso próprio é crime. Ora, nós não estamos enfrentando o problema, nós não estamos definindo, por requisitos de natureza objetiva e subjetiva, quem é que vai ser tratado como traficante e quem é que vai ser tratado como usuário. Por que nós não estamos fazendo isso? Porque está faltando a esta Casa altivez, coragem, como falta em inúmeros temas. Eu falo de um tema que é caro para mim que é, por exemplo, o direito da população LGBTQIA+.

    Todos esses direitos foram dados pela via do Poder Judiciário. Por quê? Porque nós nos acovardamos, porque nós colocamos o assunto para debaixo do tapete. E aí vêm denunciar o Supremo, de que está fazendo um ativismo judicial. Eu quero esclarecer aos colegas que existe um princípio da inafastabilidade jurisdicional, que está inserido no art. 5º, XXXV, que diz: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ora, se nós não falamos, se nós não legislamos, o Poder Judiciário é instado a dizê-lo, e isso ele bem está falando.

    Então, eu quero fazer essa denúncia para você mãe que tem um filho que é dependente químico, para você pai que tem uma filha que é dependente química, para você que tem um irmão que é dependente químico. O que vocês querem é que seus filhos sejam tratados com humanidade pelo Estado. O que vocês querem é que seu filho não seja... Vocês não querem que seu filho seja tratado, ou encarcerado, ou colocado dentro do sistema prisional como traficante. Agora eles serão rotulados por dois motivos: como dependentes, mas também como traficantes, porque eu não tenho dúvida disso, minha gente.

    Olhe, me perdoe, Senador Rodrigo Pacheco! O despacho fundamentado da autoridade policial que vai atender a uma ocorrência de um jovem preto portando uma bucha de maconha numa boca de fumo vai ser que é tráfico de entorpecente, porque o requisito é pelas circunstâncias fáticas. E qual é a circunstância fática? É a cor da pele? É o bolsão de pobreza? Mas eu sei que nos bairros nobres os playboys promovem festa regada a cocaína em bandeja de prata, e ali não pode, porque ali é outro estado, ali é outra lei. Ali ele é dependente, tem que ser tratado como dependente. Mas as cadeias serão lotadas.

    E trago dados aqui que estão em todos os sites, se alguém tem dúvida. Quase 70% da população carcerária no Brasil é de pretos e pardos. Se isso não me disser... (Pausa.)

    Isso tem que me dizer alguma coisa.

    Desculpe, Sr. Presidente. (Pausa.)

    Eu não posso me furtar a fazer essa reflexão com os colegas.

    Eu fui utilizado por 27 anos como delegado para agir de forma contundente contra pobres e pretos e é essa a Justiça que nós temos, é esse o objetivo dessa proposta de emenda à Constituição. Por que colocar na Constituição que portar substância para uso próprio é crime, se isso já está na lei de entorpecentes?

    O que aconteceu com a lei de entorpecentes é o tratamento que já é dado hoje. A pessoa não é presa em flagrante, não vai se exigir fiança, o nome dela não vai para o rol dos culpados. Efetivamente é isso que vai acontecer.

    Agora, colocar na Constituição que portar substância entorpecente para uso próprio... Nós não estamos definindo por requisitos, com critérios objetivos, qual vai ser a conduta que vai tipificar o crime de tráfico de entorpecentes ou de porte de substância para uso próprio.

    Eu queria que esta Casa... E aqui eu faço um apelo. Por que nós não promovemos aqui uma sessão de debates sobre isso? Por que nós não... Vamos trazer para cá especialistas para debater isso.

    Agora, é cômodo mandar, levar isso, passar para a população um engodo, porque está sendo enganada a população. Aquela mãe que tem um filho dependente não pense ela que seu filho vai ser tratado como dependente. Ele vai ser tratado como traficante. Ele vai ser jogado no cárcere. Ele vai ser jogado no sistema prisional. Naquele sistema prisional que criminaliza a cor da pele; naquele sistema prisional que criminaliza a pobreza. Basta você verificar essa população carcerária.

    Eu tenho dados que comprovam que um homem branco, para ser tipificado em uma conduta como traficante, ele tem que estar portando 80% a mais do que um homem negro porta. Isso tem que me dizer alguma coisa, porque se não me disser nada, tem algo errado é comigo. Nós não podemos perder a capacidade de indignação.

    Agora, o que este Senado está fazendo? Ele está, simplesmente, a pretexto de que está resolvendo o problema da criminalidade... porque a população adere a esse discurso por uma questão muito simples: ela está cansada de ser vilipendiada pela falta de segurança pública. Porque isso está na Constituição Federal, no art. 144: a segurança pública é direito de todos, mas é dever do Estado. Então, o Estado falha na segurança pública. Então, ela não se vê com outra tábua de salvação, a não ser querer um comportamento nessa linha.

    Mas é essa, efetivamente, a função do Estado? É essa a função desta Casa, do Senado Federal? Nós estamos resolvendo qual é o problema em tipificar um traficante com requisito de natureza objetiva? Não é isso que está sendo feito. E por que nós não estamos fazendo isso? Porque, mais uma vez, é essa justiça do Porsche, de que eu falei, do crime de trânsito... Está lá o motorista conduzindo o veículo de mais de R$1 milhão e que sequer fez os testes do bafômetro; sequer fez o teste do etilômetro; sequer foi autuado em flagrante. Mas a lei vai agir com rigor contra aquela camada economicamente menos favorecida.

    Segurança pública... a criminalidade é um fenômeno social e todos temos interesse na redução desse fenômeno. Mas criminalidade se reduz é com saneamento básico; é com iluminação pública; é com escola pública de tempo integral e de qualidade; é com saúde pública de qualidade; é com redução da carga tributária. É para que aqueles empresários que ganham mais paguem mais e quem não ganha tanto pague menos. Aí sim.

    Agora, você agir de forma contundente, colocar na Constituição Federal que portar substância para uso próprio vai resolver o problema do combate ao tráfico; é óbvio que não. Eu quero aqui – e sempre vou estar lutando para isto – aumentar a pena do traficante. Essa é uma bandeira de todos nós, mas eu não posso me furtar em dizer para vocês que colocar na Constituição Federal que portar substância para uso próprio vai resolver o problema da criminalidade; não vai resolver. Que vai resolver quem vai ser traficante, quem vai ser usuário; não vai resolver. Que vai resolver o problema de saúde pública; não vai resolver. Que vai resolver o problema de segurança pública; também não vai resolver.

    Então, eu queria que nós, Parlamentares, tivéssemos a serenidade, a sobriedade, o equilíbrio, a responsabilidade de fazer, de legislar, de forma contundente, contra o traficante, mas entendendo que o porte de substância para uso próprio...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... do dependente químico já está regulamentado pela atual lei de entorpecente. E eu faço esse apelo aos colegas: não vamos cair nesse canto da sereia, num discurso fácil, imediatista, populista; vamos entender que esse crime é um fenômeno social.

    E finalizo mais uma vez lutando para que a nossa Constituição Federal, que no art. 5º diz que todos somos iguais perante a lei, independente de raça, cor, etnia, religião, origem ou orientação sexual, um dia seja realidade. Por enquanto, essa premissa constitucional está deitada eternamente em berço esplêndido.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2024 - Página 48