Discussão durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 1958, de 2021, que "Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União".

Autor
Randolfe Rodrigues (S/Partido - Sem Partido/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Servidores Públicos:
  • Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 1958, de 2021, que "Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União".
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2024 - Página 60
Assunto
Administração Pública > Agentes Públicos > Servidores Públicos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, CRITERIOS, RESERVA, VAGA, NEGRO, PROVIMENTO, CARGO PUBLICO, EMPREGO PUBLICO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ADMINISTRAÇÃO DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, UNIÃO FEDERAL.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (S/Partido - AP. Para discutir.) – Sr. Presidente, não é para dividir, é para unir o Brasil, porque as raízes do nosso racismo são estruturais, na formação do Brasil e da sociedade brasileira.

    Falou-se aqui, reportaram-se à ciência. Vamos àquela que eu acredito que é o motor das ciências e a mãe de todas, a história. A formação de nosso país é baseada numa triste chaga, na chaga da escravidão. Doze milhões de negros africanos, pretos africanos foram trazidos mar abaixo, da África para a América, em uma das piores e mais tristes chagas da humanidade, a chaga da escravidão por raça.

    E é por isso que eu ouço, me parece, me soa, às vezes, que o discurso tenta eufemizar o racismo, tenta dourar o racismo, esquecendo a raiz estrutural da escravidão sobre o povo preto, da formação da sociedade e do Estado brasileiro.

    Ora, Sr. Presidente, completando o dado, 12 milhões foram trazidos pelos europeus, escravizados, da África. Doze. Desses 12, mais de 5 milhões vieram para formar o povo brasileiro – mais de 5 milhões. Boa parte deles, 3 milhões, não chegou até a América, não chegou até o Brasil. Sabe por quê, Presidente? Porque eram jogados no Atlântico. Este crime, de tão cruel que foi, mudou os hábitos alimentares e o percurso dos tubarões sobre o Atlântico: seguiam os navios negreiros.

    Objeto isso, inclusive, de poesia memorável de Castro Alves, que assim dizia:

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

    É à história que nos reportamos, Sr. Presidente, é à história que estruturou o racismo como um traço lamentavelmente indelével na formação da nossa sociedade. Este projeto e outros são para parar isso.

    Não, Presidente, não é para dividir! É para unir o Brasil, porque o nosso Brasil é essa diversidade que tem que ser celebrada – branca, indígena, negra –, mas é uma diversidade que lamentavelmente foi forjada sobre a espoliação dos povos originários, dos povos indígenas que estavam aqui e sobre o sangue do povo negro, sobre a triste chaga da escravidão.

    Então, primeiro, tem que se reconhecer isso historicamente, porque se se desconecta disso, da nossa história, da nossa realidade, fica realmente algo pendurado: "Não, querem dividir". Não, nós queremos unir. E o primeiro passo para unir é esse.

    O segundo passo para unir, Presidente, é a realidade. Foi dito aqui nos números: a herança desse passado colonial escravista, que não foi superado no 13 de maio de 1888, montou e fez surgir uma sociedade desigual em que o preto, em que o povo negro era tirado da senzala e era jogado para as favelas e para a exclusão social.

    Isso está nos números de agora, Sr. Presidente, que foram até reportados aqui ao Plenário. Na faixa salarial entre R$3 mil e R$4 mil, 67%, 68% de nosso povo que está nessa faixa salarial é do povo preto. E o crescimento... A proposta de cotas aqui não é para os poucos que foram excetuados e estão no topo, entre R$30 mil e R$35 mil. Esses são poucos e são exceção ainda na formação da sociedade brasileira. Vamos nos reportar a isso concretamente, a partir dos dados concretos.

    Sabe, Presidente, quantos diplomatas no Brasil são pretos hoje? Cinco porcento. A gente estabelecendo e aprovando isso, nós vamos chegar a 35% de diplomatas negros no Brasil somente em 2060 – somente em 2060 nós vamos chegar a esse número.

    Procurador da Fazenda Nacional – outra carreira, tipicamente de Estado que está no topo das carreiras –, hoje nós temos menos de 5%. Com a aprovação desse projeto de lei, nós chegaremos a 38% – a 38% – somente em 2060.

    Ou seja, Presidente, é para a sociedade brasileira, o Estado brasileiro reconhecer, incluir e unir. O afastamento, o apartheid social foi constituído historicamente na nossa formação. O apartheid social é a realidade da atualidade, dos dados, dos números. Grita perante nós – grita perante nós, grita perante nós –, diante da história muito bem declamada por Castro Alves em O Navio Negreiro. Grita perante nós diante da realidade, Sr. Presidente.

    Veja, mesmo com a Lei de Cotas. E olha o absurdo que parece que ouvi aqui, neste Plenário. Eu jamais poderia... Talvez seja, minha querida Senadora, um sinal dos tempos. A gente está vivendo tempos tão tortuosos e tristes da realidade nacional, que eu jamais poderia imaginar, há dez anos, quando aprovei a Lei de Cotas, neste Plenário, por unanimidade, celebrada por todos, que a Lei de Cotas...

    É uma conquista civilizatória, que não é uma conquista importada! Pelo amor de Deus! Não é uma conquista importada porque, se for reconhecida como uma conquista importada, quer dizer que nós não reconhecemos a nossa história, que nós não nos olhamos no espelho.

    Nós somos a maior nação negra das Américas, a maior nação negra fora da África, percentualmente só inferior à população da Nigéria. A gente vai mascarar essa realidade?

    Eu sinto existir aqui a prática de um eufemismo racista. Então, vamos dourar as palavras, vamos botar um social, para, na prática, fazer o mesmo que foi feito há 500 anos, há 400 anos: excluir o povo preto, reproduzir o que era lamentado em O Navio Negreiro por Castro Alves, vamos reproduzir o traço histórico que, lamentavelmente, está preso diante de nós.

    Então, Sr. Presidente, não é importado, é nacional, é da realidade brasileira. Grita diante da nossa história, grita diante da realidade. Basta ir às esquinas deste país, basta ver qual é a cor que está nas esquinas deste país, basta ver qual é a cor dos excluídos deste país. O racismo... Não vamos dourar a história de que o racismo foi superado no 13 de... Porque daqui a pouco é isso o que eu vou estar ouvindo aqui, que talvez o racismo tenha sido superado no 13 de abril de 1888. Não foi. Mudou-se a senzala, mudou-se o lugar da senzala para favela, mudou-se o peso da chibata pela exclusão.

    É diante dessa realidade, do ontem, do hoje, que nós queremos mudar o amanhã. É a isso que se destina esse projeto. Esse projeto, hoje... Nós temos 37% de brasileiros pretos e pardos no serviço público. O que se busca com isso é aproximar, é incluir. Não é, Presidente, para dividir, é para unir os brasileiros. E só se une reconhecendo a história, o ontem, e reconhecendo a atualidade, o hoje, para mudar o amanhã.

    Não é importado, Sr. Presidente, é nacional. Tristemente é nacional, porque é triste a realidade histórica que nos forjou, tristemente é nacional porque a exclusão grita com o povo preto, pobre e pardo...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (S/Partido - AP) – ... que está nas periferias brasileiras.

    Presidente, é um projeto da realidade do Brasil, para mudar o Brasil, para unir o Brasil e superar a estratificação histórica que foi criada no passado e que existe até hoje.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2024 - Página 60