Discussão durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 1958, de 2021, que "Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União".

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Servidores Públicos:
  • Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 1958, de 2021, que "Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União".
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2024 - Página 68
Assunto
Administração Pública > Agentes Públicos > Servidores Públicos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, CRITERIOS, RESERVA, VAGA, NEGRO, PROVIMENTO, CARGO PUBLICO, EMPREGO PUBLICO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ADMINISTRAÇÃO DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, UNIÃO FEDERAL.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discutir.) – Presidente, querido amigo Veneziano, eu estou há muito tempo nesta Casa. Como eu digo, eu venho, talvez, de outros tempos. Sei que está na hora de voltar para casa, eu sei disso.

    Permitam-me aqueles que me antecederam, e sabem do carinho que eu tenho por todos vocês, por todos, mas nós estamos discutindo aqui como se fosse um fato novo, porque nós estaríamos inventando agora a cota do serviço público. Isso é uma lei aprovada há mais de dez anos! Alguém tem dúvida de que deu certo? Alguém tem dúvida de que não houve nenhum litígio? Que não houve conflito entre negros, brancos, índios, quilombolas? Ninguém tem dúvida. As falas que eu ouvi aqui, inclusive, mostram isso.

    Presidente, essa proposta, atualizando-a, agora, foi aprovada, praticamente, por unanimidade, na CDH o Senador Contarato, que tinha problemas, não pôde estar lá, o Senador Flávio Arns foi Relator ad hoc , sem nenhum questionamento! Não sei como é que, agora, do dia para a noite, inverteu tudo... Eu queria um pouco entender, mas não dá para entender.

    Presidente, todos que aqui falaram reconhecem! Não tem como não reconhecer uma frasezinha simples: a pobreza tem cor neste país e é preta! A ampla maioria é preta!

    Bom, alguém disse, e eu repito também, porque acho até interessante: "Mas não tem branco pobre?". Claro que tem! Mas aqui, neste debate que nós estamos travando, 70% são para brancos e 30% são para negros, que são 54% da população! Negros são 54%. Aqui se propõe 30%. Brancos vão ficar com 70%, e eles são minoria, na proporção de negros e pardos. É disso que está se tratando aqui. Podemos ser contra! Podemos dizer: "Olha, negro tem que ficar mesmo é na favela! O que é que negro quer com concurso público?". Se é isso, digam!

    Quando foi o debate das cotas na universidade, nós tivemos que fazer o mesmo debate nesta tribuna. Felizmente, a ampla maioria, o Senado, mais uma vez, naquele debate, ficou do lado do povo brasileiro, do lado de brancos, de negros, de índios, de quilombolas, como está sendo hoje, Presidente.

    Alguém tem dúvida de que é um Senador negro do Rio Grande do Sul? Já tenho aqui três mandatos. Teve um mandato em que eu fiz quatro milhões de votos. Por quê? Porque lá entenderam que era fundamental haver esse encontro! E a política de cotas nos ajudou e está ajudando!

    Quando eu olho aqui para os consultores da Casa, percebo que já temos consultores negros aqui, fruto da política de cotas, porque antes não tínhamos. É ou não é? Antes não tinha. E as consultoras e os consultores aqui estão tristes porque têm negros e negras do lado deles? Não é um nem são dois – eu não quero só citar o nome de um ou de outro, porque eu deixaria alguns fora –, mas entraram pela política de cotas.

    Isso é grandeza, é solidariedade, políticas humanitárias, é querer dizer, como aqui foi dito por vocês, voltando na história, que os negros foram sequestrados no seu país de origem e muitos, a maioria morreu até naquela rota dos tubarões. Vocês reconhecem que foi um crime. Isto aqui é uma política reparatória, compensatória. Por isso que eu digo a todos vocês, com o maior carinho que eu tenho: nós estamos tratando aqui de ações afirmativas.

    Olha, eu vou falar um detalhe da minha vida – não é a minha vida pessoal, eu, eu, eu. Eu tenho uma filha que mora nos Estados Unidos. E ela me disse: "Pai, tu não sabes a importância que teve a política de cotas aqui, nos Estados Unidos". E ela está muito bem, obrigado, lá, viu? É uma profissional.

    Nos Estados Unidos, sabe quantos anos ficou a política de cotas? Não foram dez anos, mas 50 anos, até quando aquele povo entendeu e a Suprema Corte decidiu, "não há mais necessidade de política de cotas", e não há, pronto. E, quando alguns dizem "não, não é dez anos"... É dez anos de revisão, sim. Aí, daqui a dez anos, na revisão, se nós chegarmos à conclusão de que não é preciso mais política de cotas, e eu vou torcer para isto, termina a política de cotas. Eu vou torcer para isso.

    E é bom lembrar que, no projeto aprovado na Comissão de Direitos Humanos, seria com 25 anos a primeira revisão. O nosso querido Senador Humberto Costa acatou emendas da oposição, e temos que dar o mérito à oposição, e puxou para dez anos, para evitar um conflito maior.

    Senhoras e senhores, repito, guardem estes números: 70% e 30%. Trinta por cento ficam para negros e pardos. Não é negros, mas pretos e pardos, porque o Senador Plínio fez questão de dizer que não queria que constasse a palavra negro na lei, e o Senador Humberto Costa o atendeu e tirou "negro", ficando "pretos e pardos", porque aí se estaria contemplando os mestiços.

    Onde estão os negros e pardos neste país, na sua ampla maioria? Nas palafitas, nas comunidades mais pobres... Quando vocês ouvem falar em bala perdida, vocês veem que a ampla maioria é de negros e negras. Essa é a situação que os senhores conhecem.

    Está aqui a Carol. A Carol diversas vezes me disse que, dentro do Congresso – e eu não vou dizer que é esse ou aquele o culpado –, quando ela chega e se senta numa cadeira, de repente, alguém diz: "O que essa moça negra está fazendo aqui?". A Carol é Deputada Federal com uma enorme votação.

    Carol, é uma alegria ver você aqui, sentada nessa cadeira.

    O racismo existe.

    Dandara, você tem uma história linda, mas entrou... Ambas entraram depois que nós começamos a ter uma política também para negros e negras no debate da política eleitoral, da divisão de recursos, inclusive em TV. O meu estado não tinha Deputados Estaduais, e hoje tem, tem Deputados Federais.

    O princípio das cotas é o princípio do equilíbrio, atendendo os que mais precisam. Claro que ela é social! É social e racial. Se a maioria dos negros são pobres, ela tem um compromisso social e racial e, consequentemente – eu falo muito aqui nos 70 e nos 30 –, 70% de amigos, que votam em mim, lá do meu Rio Grande, são brancos e entraram, pela política de cotas, agora recentemente, no meu estado, na Universidade Federal, e com muito carinho, com orgulho eu falo isso. Política de cotas nas universidades.

    Então, o princípio da política de cotas é verdadeiro, é real e é justo.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Sr. Presidente, eu vou dar um dado aqui para mostrar a boa vontade de nós outros de ajudar aqui aqueles que pensam diferente. Qual é esse dado? O Senador Humberto Costa acatou em torno de dez emendas em relação ao projeto da Câmara e ao que aprovamos na CCJ.

    O Senador Esperidião Amin teve algumas dessas emendas, de destaque, inclusive que votou do lado de cá, como tem outros que votaram do lado de lá, legitimamente – e conversamos muito.

    Então, eu não tenho aqui, eu diria, nenhuma posição de brabeza, de raiva, de ódio com ninguém. Eu sei que todos queremos o bem comum e, por isso, nós estamos aqui fazendo, mais uma vez, esse debate.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – O Senador Humberto Costa – faço questão, porque ele foi o Relator – acatou emendas dos Senadores Magno Malta, Rogerio Marinho, Flávio Bolsonaro, Alessandro Vieira, Plínio Valério, Carlos Portinho, Carlos Viana, total ou parcialmente, num total de dez emendas.

    Achamos até que, hoje, seria uma votação tranquila, como seria lá na Comissão, mas houve recurso – é legítimo.

    Eu digo que essa política de cotas é social e racial.

    Alguém tem dúvida – só como exemplo – de que a cor nas universidades mudou depois que nós implantamos, com o apoio deste Congresso, a política de cotas nas universidades? Hoje, você chega numa universidade e você vê...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Olha, a nossa juventude não é racista! Tenho certeza, não é. Você vê jovens brancos, negros, dançando, caminhando, brincando juntos, formando-se, sendo amigos. Eu fui a casamentos de jovens e, com orgulho, eu vi lá brancos e negros. Esse é o caminho natural pelo qual as políticas afirmativas nos guiam.

    Alguém tem dúvida – Presidente, eu vou já para o encaminhamento final – de que nós estamos aqui contribuindo para termos um país igual para todos, e esse equilíbrio vai ser construindo o desequilíbrio que existe hoje...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... e a política de cotas vai permitir que, com o tempo, nós tenhamos... Se são 54% de negros, que nós tenhamos um número de 30%, 40%, como se está propondo aqui, de negros ocupando a política de cotas.

    Senador Jaques Wagner, V. Exa., que é Líder, e é um líder incontestável, V. Exa., que veio da nossa querida Bahia, Jaques Wagner, eu tenho muito orgulho de ser liderado por você, mas orgulho mesmo. E digo aqui, como diria para qualquer Senador que está neste Plenário que comungasse com as mesmas visões em matéria de uma sociedade para todos. Jaques, parabéns pela sua caminhada. O Jaques conseguiu, na Bahia, ser eleito Governador duas vezes e reelegeu, contribuiu, junto com Otto Alencar, que está aqui, branco também, eles contribuíram muito para ter hoje um Governador negro na Bahia, negro e indígena ainda, se não me engano.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – É isso que nós temos que construir juntos, e é possível, pessoal.

    Eu faço até um apelo: vamos votar simbolicamente. Eu tenho certeza de que, no fundo do coração de vocês, nenhum de vocês é preconceituoso, nenhum. Podemos estar olhando para caminhos diferentes, mas nós queremos uma sociedade melhor para todos.

    Presidente, termino aqui e agradeço a V. Exa., agradeço a todos os Senadores que, de uma forma ou de outra, lá na CCJ, ajudaram. Quando eles apresentaram emenda e o Humberto acatou, ajudou para a gente votar lá e chegar a este momento aqui.

    Meu sonho é este: negros, brancos, indígenas, quilombolas, LGBTs, todos numa única nação, num único país, num único Brasil, como estou vendo agora a solidariedade ao Rio Grande.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Solidariedade inclusive da Bahia, muito grande, essa solidariedade é que guia os nossos passos, meu querido amigo Humberto Costa. Humberto Costa, que chegou agora aqui no Plenário, sabe, Humberto, que falei de você diversas vezes, pela sua grandeza na negociação, que vai, no meu entendimento, colaborar muito para esse acordo final de todos nós neste Plenário.

    Era isso, Presidente. Vida longa a brancos, negros, índios, LGBTs, mulheres, enfim, todos os segmentos da nossa querida sociedade. Viva o Brasil!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2024 - Página 68