Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à aprovação, na Câmara dos Deputados, da PEC no. 3/2021, que amplia as prerrogativas parlamentares.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação da Câmara dos Deputados:
  • Críticas à aprovação, na Câmara dos Deputados, da PEC no. 3/2021, que amplia as prerrogativas parlamentares.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2025 - Página 12
Assunto
Outros > Atuação do Estado > Atuação da Câmara dos Deputados
Matérias referenciadas
Indexação
  • REPUDIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), TENTATIVA, TRANSFORMAÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, IMPUNIDADE, DEPUTADOS, INSTAURAÇÃO, VOTO SECRETO, JULGAMENTO, PROCESSO JUDICIAL, DEPUTADO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, FORO ESPECIAL, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PREOCUPAÇÃO, POSSIBILIDADE, DISPUTA, ELEIÇÕES, MEMBROS, CRIME ORGANIZADO.
  • CRITICA, ARTICULAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO LIBERAL (PL), NOMEAÇÃO, EDUARDO BOLSONARO, DEPUTADO FEDERAL, LIDER, MINORIA, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, CASSAÇÃO, RESULTADO, FALTA, SESSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • EXPECTATIVA, DESAPROVAÇÃO, AMBITO, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), SENADO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), IMPUNIDADE.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, público que nos acompanha pelos serviços de comunicação do Senado e nos segue pelas redes sociais, lamentavelmente, a Câmara dos Deputados proporcionou ontem uma má surpresa ao povo brasileiro: a aprovação da chamada PEC da blindagem, que é uma das coisas mais equivocadas e atentatórias à moralidade pública já havida neste país. E é, sem medo de errar, um dos maiores retrocessos institucionais, desde a redemocratização, a tentativa de transformar privilégios em regra, de transformar imunidade em impunidade.

    A Constituição de 1988 estabeleceu garantias necessárias à democracia – afinal, estávamos saindo de 21 anos de ditadura –, mas fomos vendo, com o passar dos anos, que alguns dispositivos pensados para proteger o Parlamento e seus membros de violações políticas estavam sendo deturpados. Lembro que, entre 1988 e 2001, nenhuma investigação contra Parlamentares avançava, nem em casos de corrupção, nem mesmo em homicídios. O Congresso era cúmplice da blindagem. E aí foi forçoso que nós corrigíssemos distorções que haviam transformado o foro privilegiado em escudo de proteção para criminosos do colarinho branco. E é a uma situação pior que essa, vencida há mais de 20 anos, que a Câmara dos Deputados pretendeu devolver o país com essa PEC.

    Essa proposta é um acinte ao Brasil e ao povo brasileiro, porque, em um momento em que combatemos privilégios, penduricalhos em salários, vencimentos absurdos em alguns Poderes, o Parlamento aprova uma proposta que blinda políticos acusados de crimes. Nós aqui votamos diuturnamente aumento de penas para os mais diversos delitos do Código Penal. Não são poucos os que aqui defendem o lema do "bandido bom é bandido morto", que aplaudem a violência policial contra jovens pobres e negros das periferias do Brasil, porém pautam, votam e aprovam proteção a Deputados Federais e Senadores acusados de crimes, com efeito cascata sobre as assembleias estaduais, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as câmaras municipais. Imaginem, a partir de agora, se essa proposta for aprovada, a quantidade de indivíduos vinculados ao crime organizado, corruptos, que vão se candidatar e ser eleitos para Vereadores, Deputados Estaduais, Federais, até Senadores e que passarão a ter uma condição de cidadãos de primeiríssima categoria, que não são atingidos pela mão da lei, que deve ser o tempo inteiro igual para todos.

    Isso é vergonhoso, é casuísta, é oportunista, é um acordo inaceitável em que aqueles que votam as leis fazem uma lei para proteger a si mesmos, e não o povo brasileiro. Perdeu-se, nesse caso, completamente o pudor.

    Não é coincidência que essa votação ocorra no rastro das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal a golpistas que atentaram contra a democracia ou que estão enrolados com o desvio do dinheiro de emendas parlamentares. A reação é evidente: punir o Judiciário e premiar o Parlamento com poderes que não lhe cabem. O Congresso se transforma em um tribunal de exceção para julgar a si próprio.

    É preciso que a população entenda o que essa PEC estabelece. O texto aprovado traz aberrações, como determinar que um Deputado ou Senador só possa ser processado... Veja, processado, não é ser preso nem perder o mandato. Para ser processado pelo Supremo Tribunal Federal, só ocorrerá isso se houver autorização da respectiva Casa, abrindo as portas da impunidade.

    Estão querendo, ainda hoje, reinstaurar que isso seja feito por meio do voto secreto, previsão que foi derrubada durante a madrugada, ou seja, além de o Congresso decidir se aquele Parlamentar será processado ou não, essa decisão será feita pelo voto secreto. É absolutamente lamentável.

    Outro ponto vexatório é ampliar o foro especial para presidentes de partido, criando uma casta intocável. Por que razão o presidente de um partido precisa ter imunidade? A imunidade é uma prerrogativa, é um instrumento para o exercício autônomo e independente do mandato parlamentar, porque o Parlamentar precisa da autonomia para fiscalizar o Executivo, para fiscalizar a sociedade e para apresentar e aprovar propostas legislativas. Então, é inaceitável; é inaceitável que o presidente de um partido tenha uma imunidade como a imunidade de um Parlamentar.

    É preciso que se diga também que, em um cenário onde o crime organizado está se enraizando pelas instituições, não será estranho que, num futuro próximo, membros do PCC ou do Comando Vermelho disputem eleições como forma de se protegerem de investigações, de processos, tornando mandatos lugares seguros para milicianos e narcotraficantes.

    Eu fico me perguntando como esses Parlamentares vão olhar para as pessoas nas ruas. Essa PEC mina a confiança da sociedade nas instituições. Num país onde o povo clama por justiça, aprovar uma proposta que cria privilégios para políticos é virar as costas para a cidadania. É dizer às pessoas: a lei vale para você, mas não vale para nós.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - PE) – Isso corrói a democracia, porque a democracia não sobrevive quando o povo percebe que as instituições existem só para proteger poderosos.

    E isso aconteceu no mesmo dia em que o PL de Bolsonaro fez uma manobra, na mesma Câmara dos Deputados, para nomear Eduardo Bolsonaro, que, desde fevereiro, vive nos Estados Unidos e não pisa no Brasil para trabalhar, como Líder da Minoria, para que ele não seja cassado por faltas. Não se pode nem chamar essa manobra de legalização do telemandato ou do home office para Deputado, porque Eduardo Bolsonaro simplesmente não trabalha. Quando não está agindo contra o Brasil e traindo o país, ele está passeando na Disney à custa do dinheiro público, que continua utilizando, mesmo sem exercer o seu mandato parlamentar pelo Estado de São Paulo. Esse ato do bolsonarismo é a mais completa desfaçatez, que não pode ser recepcionada pelo comando da Câmara dos Deputados.

    No que compete a este Senado, tenho certeza de que a Casa não será cúmplice da afronta que representa essa PEC da blindagem. A tramitação precisa passar pela nossa Comissão de Constituição e Justiça, e espero que já, lá, ela seja devidamente enterrada. Confio que aqui haverá resistência suficiente para derrubar essa agressão à moralidade pública.

    O papel do Senado, como Casa revisora, é corrigir distorções, e não as aprofundar. É aqui que precisamos restabelecer a lógica republicana, reafirmar que mandato parlamentar é instrumento de representação, e não um salvo-conduto para práticas ilegais.

    Quero, então, registrar minha posição claramente contrária à PEC da blindagem. Estarei firmemente lutando, dialogando com todos os colegas e todas as colegas que compreendem a gravidade do momento. Não se trata de disputa partidária; trata-se de decidir se o Brasil vai andar para frente ou se vai retroceder para os porões da impunidade.

    Estou convencido de que o Senado derrotará essa PEC. Estou convencido de que a sociedade brasileira não aceitará que os seus representantes legislem em causa própria, ainda mais em meio a um contexto de pressões de grupos que buscam transformar a pauta política em um escudo para criminosos condenados.

    Espero que este Senado seja sensível à voz das ruas, ao clamor do povo brasileiro, que exige transparência e igualdade perante a lei e responsabilidade de todos os que exercem cargos públicos, que não se dobre ao casuísmo, ao corporativismo. Rejeitar a PEC da blindagem é defender a democracia; é afirmar que, neste país, ninguém está acima da lei; é mostrar que, em tempos de crise de confiança, o Senado ainda pode ser farol de dignidade, de justiça e de bom senso.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2025 - Página 12