Como Relator - Para proferir parecer durante a 114ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Como Relator - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 3461, de 2019, que "Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, para prever a personalidade jurídica do condomínio edilício".

Autor
Mecias de Jesus (REPUBLICANOS - REPUBLICANOS/RR)
Nome completo: Antônio Mecias Pereira de Jesus
Casa
Senado Federal
Tipo
Como Relator - Para proferir parecer
Resumo por assunto
Direito Civil:
  • Como Relator - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 3461, de 2019, que "Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, para prever a personalidade jurídica do condomínio edilício".
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2021 - Página 39
Assunto
Jurídico > Direito Civil
Matérias referenciadas
Indexação
  • RELATOR, PARECER, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO CIVIL, OBTENÇÃO, AQUISIÇÃO, PERSONALIDADE JURIDICA, CONDOMINIO, EDIFICIO, REGISTRO CIVIL, PESSOA JURIDICA.

    O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/REPUBLICANOS - RR. Para proferir parecer. Por videoconferência.) – Sr. Presidente, boa tarde! Cumprimento V. Exa. e a todos os colegas Senadores e Senadoras – digo "boa tarde" porque estou em Roraima, Presidente, e aqui nós temos uma hora a menos.

    Quero agradecer a V. Exa. pela confiança de me designar Relator do Projeto de Lei 3.461, de autoria do nosso Líder Senador Fernando Bezerra.

    Passo agora ao relatório.

    O projeto em epígrafe, de iniciativa do ilustre Senador Fernando Bezerra, vem ao exame do Plenário do Senado Federal e possui três artigos. A proposição visa sanar lacuna legislativa, atribuindo personalidade jurídica ao condomínio edilício, considerando que não há previsão legal do condomínio no rol das pessoas jurídicas elencadas no art. 16 do histórico Código Civil de 1916, nem no atual Código Civil de 2002, conforme preconizado no seu art. 44.

    O art. 1º do Projeto de Lei 3.461 visa incluir o inciso VII ao art. 44 da Lei 10.406, de 2002, para integrar o condomínio edilício ao rol das pessoas jurídicas de direito privado.

    O art. 2º acrescenta o inciso IV ao art. 114 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que versa sobre o registro civil de pessoas jurídicas. A alteração almeja estabelecer que o ato que institui e a convenção que constitui o condomínio edilício, suas alterações e a ata que registra a decisão pela constituição da pessoa jurídica sejam inscritos no registro civil supramencionado.

    O art. 3º estabelece a vigência da lei a partir da data de sua publicação.

    Entre os fundamentos expostos pelo ilustre Senador Fernando Bezerra, ressalta a necessidade de sanar a referida omissão legislativa, positivando a temática que perpassa pelos meios de integração das normas e hermenêutica dos tribunais do País, com cenário doutrinário e jurisprudencial.

    Argumenta que, após a entrada em vigor do Código Civil vigente, surgiu uma forte corrente de doutrinadores contemporâneos que defendem o reconhecimento do condomínio edilício como pessoa jurídica, a partir da interpretação de que o rol do art. 44 do atual Código Civil seria meramente exemplificativo.

    Colaciona entendimento exarado pela I Jornada de Direito Civil (2002), promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na qual foi aprovado o Enunciado 90, que reconhece a personalidade jurídica do condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse. Ainda, destaca o Enunciado 246, aprovado na III Jornada (2004), que segue entendimento análogo, porém ampliando o sentido do anterior ao não se prever qualquer condicionamento a esse reconhecimento.

    Fundamenta que o presente projeto decorre das necessidades econômicas e sociais e demonstra que, a partir do registro de sua instituição, o condomínio já adquire diversas obrigações legais, como o cadastro na Receita Federal, a fim de obter o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); deve recolher contribuições sociais relativas a seus funcionários; preenche livros fiscais; deve cadastrar-se no INSS, recolher recursos ao FGTS; ainda possui capacidade postulatória. Assim, o condomínio edilício atua como verdadeiro sujeito de direitos, sendo incongruente o não reconhecimento da sua personalidade jurídica.

    Por fim, aduz que o presente projeto permitirá que os condomínios, especialmente aqueles maiores, possam constituir-se em pessoa jurídica, passando a atuar com mais liberdade no mundo jurídico na defesa e cumprimento de seus interesses sociais.

    Após a inclusão na Ordem do Dia desta sessão deliberativa, foram apresentadas duas emendas.

    A Emenda nº 1, de autoria do Senador Veneziano Vital do Rêgo, visa a que os valores cobrados para a inscrição do condomínio no Registro Civil de Pessoas Jurídicas devem ser fixados de modo a não tornar impeditiva a inscrição dos condomínios formados por pessoas de menor poder aquisitivo. A Emenda nº 02, de autoria da Senadora Rose de Freitas, tem por finalidade que, no condomínio edilício que tenha adquirido personalidade jurídica, esteja sujeita à aprovação de dois terços dos condôminos qualquer decisão que implique despesas que, caso não possuísse tal atributo, o condomínio não poderia ter assumido.

    Análise.

    Inicialmente, avaliamos que, quanto à constitucionalidade, a proposição não apresenta vícios, uma vez que, de acordo com o inciso I do art. 22 da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Além disso, o art. 61 estabelece que a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, portanto, não invade as competências privativas do Presidente da República previstas no §1º do art. 61. Desse modo, o disposto no PL nº 3.461, de 2019, enquadra-se no desideratum constitucional mencionado, ou seja, no campo de atuação material do Poder Legislativo da União estabelecido pela nossa Constituição Federal.

    No tocante à técnica legislativa, a proposição está em conformidade com as normas da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração e consolidação das leis.

    Quanto ao mérito, estamos de acordo com os fundamentos destacados pelo autor, o eminente Senador Fernando Bezerra.

    Para conferir segurança jurídica, é necessário aprovar a proposição, a fim de incluir o condomínio edilício no rol das pessoas jurídicas de direito privado, de sorte a não permitir interpretações dissonantes dos atuais valores externados pelo direito civil constitucionalizado, como socialidade, eticidade e operabilidade. Já existe na perspectiva social a visão do condomínio edilício como sujeito de direitos e deveres.

    Ato contínuo, a doutrina e jurisprudência vêm consolidando o entendimento do condomínio como pessoa jurídica, desta forma, assegurando personalidade jurídica a ele.

    A falta de previsão legal do condomínio no rol das pessoas jurídicas elencadas no art. 16 do histórico Código Civil de 1916 tem respaldo jurídico em razão dos valores como individualismo, contratualismo, patrimonialismo, que naquela época norteavam este diploma legal. Na história do nosso Código Civil, verificamos reflexos do histórico código francês, o Code de France, de 1804, e do código alemão, de 1896. Vale destacar, nobres Senadores, que essas fontes históricas de inspiração tiveram grande influência sobre os juristas brasileiros e seus projetos de Código Civil, como Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua, Tobias Barreto e Ruy Barbosa.

    Com a edição de leis especiais, como a Lei nº 4.591/64, regulando as incorporações e condomínios, e a Lei nº 6.015/73, Lei de Registros Públicos, entre outros diplomas legais, já passávamos por notório sentimento de ressignificação do histórico Código Civil de 1916. De fato, essa mudança ocorre com a efetiva constitucionalização do Direito Civil, tema este cortejado no cenário jurídico, que significou uma verdadeira repersonalização do direito privado. Afinal, os valores e princípios emanados da Constituição Federal, através dos direitos fundamentais e sociais, passaram a seguir o caminho da eficácia horizontal em relação ao direito civil, adentrando nas relações privadas.

    Carregados por esta conjectura axiológica, valorativa, a jurisprudência e doutrina são movidas à identificação de um novo conceito e reflexos jurídicos para as pessoas. Assim, a nova visão de pessoa para o mundo jurídico é construída com alicerces principiológicos, como solidariedade social, igualdade e dignidade. Por conseguinte, a visão de pessoa jurídica perpassa por esses valores, conforme dispõe o próprio Código Civil atual em seu art. 52, considerando que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

    Desta forma, a Constituição da República de 1988 assegurou inovadora dogmática jurídica, tendo como elemento propulsor essa nova tábua axiológica constitucional atrelada à natureza das pessoas naturais e jurídicas.

    Assim, o condomínio edilício, conhecido como ente despersonalizado, sob a perspectiva dos valores do Código Civil de 1916, na verdade, na visão social, doutrinária e jurisprudencial atual, passa na prática, de modo natural, a ser compreendido com a efetividade que almeja a Constituição Federal e o direito civil constitucionalizado, ou seja, como pessoa jurídica.

    Com essa previsão normativa, diminuem-se os riscos e a instabilidade de situações que escapariam da previsão legal; desta forma, garante-se aos condomínios edilícios representatividade real, legal e não mais, apenas, simbólica, doutrinária ou jurisprudencial.

    O rol de pessoas jurídicas de direito privado, previsto no art. 44 do Código Civil, não contempla o condomínio edilício. Este, ademais, é instituído com o registro no cartório de registro de imóveis, conforme disposto no art. 1.332 do Código Civil.

    O contexto contemporâneo faz impreteríveis novas ponderações, no sentido de alcance da realidade moderna, impondo ao Direito, a busca pela hermenêutica amparada pelas novas demandas sociais. Desta forma, cabendo não somente ao Poder Judiciário, mas também aos legisladores verificarem os fins sociais a que a norma se destina.

    É de conhecimento notório que os condomínios assumem inúmeras responsabilidades, tais como responsabilidade trabalhista, previdenciária e fiscal, respondem civilmente pelos acidentes que eventualmente venham a ocorrer em suas dependências, entre outras. Desta forma, urge a necessidade de assegurar, na legislação federal, a personalidade jurídica para a prática de atos ordinários à sua atuação cotidiana.

    A ausência de positivação acerca da personalidade jurídica aos condomínios edilícios provoca incongruência jurídica. A título de exemplo, verificamos a legitimação para representar o interesse coletivo dos condomínios nas relações jurídicas, inclusive perante terceiros. Ainda, a aquisição de bens imóveis em nome próprio que perpassa por embaraços legais, buscando o Judiciário para equacionar as tais circunstâncias. Desta forma, caros colegas Senadores e Senadoras, ressalta-se o papel fundamental do Senado Federal no sentido de empreender esforços para sanar tais lacunas.

    Ato contínuo, destacamos evidentes compassos da prática social que vislumbram o condomínio numa visão contemporânea. Assim, verificamos que a partir de sua instituição, há o cadastro a fim de obter o CNPJ, conferindo a possibilidade de o condomínio contratar empregados, preencher livros fiscais, cadastrar-se junto ao INSS, FGTS, e praticar relações jurídicas obrigacionais em geral.

    Outro pressuposto relevante tange ao fato de alguns julgados entenderem pela inviabilidade, por ausência de personalidade jurídica, dos condomínios sofrerem ofensa à honra objetiva. Entendemos que tal fundamento não deve prosperar, data venia, em razão de que inúmeros condomínios são absolutamente conhecidos pelas suas identificações, como nome, imagem e características peculiares, que podem vir a sofrer danos à honra objetiva coletiva.

    No âmbito do direito comparado, passaram a reconhecer a personalização dos condomínios, primeiramente em razão do pronunciamento jurisprudencial e posteriormente consagrou-se no Direito Positivo. Assim, na Colômbia, desde a Lei nº. 675, datada de 2001, o condomínio é dotado de personalidade jurídica, sob a condição de que haja inscrição no órgão municipal competente. Por sua vez, na Argentina a Lei nº. 13.512, datada de 13 de outubro de 1948, incluiu os condomínios no rol das pessoas jurídicas.

    Já no Chile, o desenvolvimento do Direito Administrativo igualmente resultou na personalização desses entes. Na França, a Lei nº 60.577/65, em seu art. 14, reconheceu a personalidade jurídica desses condomínios, denominando-os “sindicato de proprietários”.

    Desta forma, a aprovação do Projeto de Lei nº 3.461, de 2019, garantirá estabilidade jurídica e externará o sentimento efetivo do direito civil constitucionalizado, concedendo ao condomínio edilício tratamento jurídico-legal mais adequado à sua realidade, gerando segurança jurídica aos condomínios e condôminos.

    Foram apresentadas, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, duas emendas, que serão analisadas a seguir.

    A Emenda nº 1, de autoria do Senador Veneziano Vital do Rêgo.

    A emenda visa que os valores cobrados para inscrição do condomínio no Registro Civil de Pessoas Jurídicas devem ser fixados de modo a não tornar impeditiva a inscrição dos condomínios formados por pessoas de menor poder aquisitivo.

    Preliminarmente, destacamos a legítima e meritória proposição apresentada pela Senador Veneziano. Como ressalta o nobre Senador, a emenda objetiva que a aquisição da personalidade jurídica não fique restrita aos condomínios de maior poder aquisitivo, em razão dos valores envolvidos.

    Salientamos que acolhemos a emenda, nos termos da emenda desta Relatoria, com a devida adequação de técnica legislativa, face a compatibilidade do mérito com entendimento já exarado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. Para tanto, destacamos a aplicação, no que couber, das disposições constantes do Código de Processo Civil para instrumentalizar a referida finalidade.

    A Emenda nº 2, de autoria da Senadora Rose de Freitas, tem por finalidade que no condomínio edilício que tenha adquirido personalidade jurídica, esteja sujeita à aprovação de dois terços dos condôminos qualquer decisão que implique despesas que, caso não possuísse tal atributo, o condomínio não poderia ter assumido. Compreendemos as considerações da nobre Senadora Rose de Freitas, em razão das distorções provocadas pelo cenário atual da nossa legislação em relação ao condomínio edilício; no entanto, vislumbramos a garantia de segurança jurídica em relação à possibilidade de previsibilidade legal do condomínio no rol das pessoas jurídicas. A prática de atos desconexos da atividade que lhe confere a razão de existência, data venia, não é pressuposto do estabelecimento do condomínio edilício como pessoa jurídica.

    A atuação do condomínio edilício com base na legislação atual, amparada em cenário doutrinário e jurisprudencial, já assegura sua autonomia, sua forma de administração, a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as alterações, regimento interno, através da elaboração e estipulação de cláusulas constantes da convenção que expressará os anseios dos titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção, conforme preconizado no Código Civil. Ainda conforme o art. 1.332-A do Código Civil, constante do art. 1º do PL, verifica-se que a ata que registra a decisão pela constituição da pessoa jurídica deve conter o voto favorável dos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais.

    Assim, pelos motivos expostos, consideramos a prejudicialidade da Emenda nº 2, já contemplada no Código Civil e constante da proposição, além de entendermos íntegra a autonomia privada do condomínio, reiterando as medidas atualmente determinadas no cenário jurisprudencial pelos tribunais do País.

    Voto, Sr. Presidente.

    Ante o exposto, votamos pela constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade e, no mérito, pela aprovação do Projeto de Lei 3.461, de 2019, com o acolhimento da Emenda nº 01, nos termos da emenda apresentada por esta Relatoria e pela prejudicialidade da Emenda nº 2.

    É como voto e peço o apoio dos Senadores e Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2021 - Página 39