Como Relator - Para proferir parecer durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Como Relatora - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 5091, de 2020, que "Altera a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, para tipificar o crime de violência institucional".

Autor
Rose de Freitas (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Como Relator - Para proferir parecer
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário:
  • Como Relatora - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 5091, de 2020, que "Altera a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, para tipificar o crime de violência institucional".
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2022 - Página 62
Assunto
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Matérias referenciadas
Indexação
  • RELATOR, PARECER, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, ABUSO DE AUTORIDADE, TIPICIDADE, CRIME, AGENTE PUBLICO, PREJUIZO, VITIMA, TESTEMUNHA, VIOLENCIA.

    A SRA. ROSE DE FREITAS (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - ES. Para proferir parecer.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o item 5, que é um projeto de lei importantíssimo, de autoria da Deputada que estava há pouco, Soraya Santos, tem o objetivo, esse projeto que é tão importante, de tipificar o crime de violência institucional caracterizado pela ação ou omissão do agente público que prejudique o atendimento à vítima ou testemunha de violência ou cause a sua revitimização, punível com pena de detenção de três meses a um ano e mais multa.

    Sr. Presidente, o meu relatório é um relatório que destaca, justifica e argumenta a importância de existir uma lei como essa.

    Acho que todos se lembram do acontecido com uma mulher que compareceu ao tribunal para denunciar e ser apreciada a questão do estupro a que ela foi imposto. No entanto, o Brasil acabou estarrecido assistindo à audiência do processo de acusação de estupro que figurava como vítima a testemunha de acusação Mariana Ferrer. O que se viu durante todo o vídeo foi a ridicularização da vítima, Sr. Presidente.

    A defesa do acusado, o empresário André Camargo Aranha, mostrou fotos sensuais tiradas pela jovem no exercício de sua profissão de modelo, como se elas reforçassem o argumento de que a relação foi consensual; argumentou que “jamais teria uma filha do nível” daquela mulher que ali estava, da Mariana, além, além de classificar o choro que acometeu a vítima naquele momento, durante a audiência, de dissimulado e falso. Passaram os julgadores daquela sessão a serem acusadores, numa cena ridícula, injusta e que não pode jamais instruir um processo em julgamento dentro de um tribunal. Em nenhum momento o advogado foi questionado sobre a relação das fotos incluídas naquele processo com o caso, e nas poucas vezes em que foi interrompido pelo juiz, foi pedido apenas que se mantivesse o “bom nível". 

    A vítima, já desgastada por todo o processo, reclamou, pediu por respeito, afirmou que nem o acusado fora tratado de tal maneira. Mas, incrível, como resposta, teve apenas o consentimento do juiz para se recompor e tomar água. Não houve também nenhuma interferência do Ministério Público, presente, que acompanhou a testemunha, Sr. Presidente, e que – e sei que falo para alguém que entende o processo judicial – a viu ser humilhada e revitalizada a sua acusação na frente do tribunal do qual ela se socorria para obter justiça. 

    É inconcebível que os agentes públicos, operadores do direito, não tenham em momento algum se utilizado de suas posições para coibir a atitude inaceitável da defesa. A justiça deve ser um local de acolhimento da vítima. Ali ela está buscando a correção da Justiça para cada crime cometido.

    O caso Mariana Ferrer, que tive oportunidade, inclusive, de debater, apenas escancara o que ocorre entre quatro paredes em diversas instituições públicas, como delegacias e tribunais.

    Então, Sr. Presidente, eu queria até falar da importância que temos para, na lei dos crimes, no art. 15-A da Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade, criminalizar a conduta do agente público, que não pode ser ignorada, que por meio de atos comissivos ou omissivos, prejudique o atendimento à vítima ou à testemunha de violência, ou que causem exatamente o que aconteceu com a Mariana, a sua revitimização. E tal conduta chamou a violência de todos neste Brasil. É uma conduta de violência institucional.

    Como tratar esse assunto? Ignorar, fazer de conta que não acontece, se é cotidianamente esse comportamento que humilha mais ainda as mulheres?

    E esse PL de que nós estamos tratando não chegou a tramitar por nenhuma Comissão, Sr. Presidente. Está sob a guarda do Plenário do Senado Federal desde 9/08/2021.

    Foram apresentadas as seguintes emendas ao PL: 

    – Emenda nº 1, do Senador Fabiano Contarato, que pretende ampliar a proteção contra o abuso de autoridade não só para as testemunhas de violência, bem como para as testemunhas de toda e qualquer infração penal;

    – Emenda nº 2, do Senador Rogério Carvalho, que pretende suprimir o §2º do novo art. 15-A da Lei de Abuso de Autoridade, uma vez que repete a descriminante putativa já constante do Código Penal; e

    – Emenda nº 3, do Senador Randolfe Rodrigues, que propõe dobrar as penas previstas para o tipo de violência institucional; retirar seu nomen iuris do texto, porque essa técnica não é utilizada pela Lei 13.869, de 2019; o afastamento da necessidade de reincidência específica para a perda do cargo; e ainda a exclusão dos parágrafos sobre a descriminante e omissão imprópria, que constam do Código Penal.

    Eu farei a análise, Sr. Presidente, e vou tentar ser mais sucinta.

    Preliminarmente, quero registrar que a matéria sob exame neste momento não apresenta vícios de constitucionalidade formal, uma vez que o Direito Penal está compreendido no campo da competência legislativa privativa da União, consoante dispõe o art. 22, I, da Constituição Federal. Ademais, não se trata de matéria submetida à iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do §1º do art. 61 da Carta Magna.

    No mérito, em que pesem suas louváveis intenções, afirmamos que o projeto não pode ser aprovado na forma em que se encontra.

    A proposição legislativa em comento foi apresentada perante a Câmara dos Deputados em 04.11.2020, na esteira da justa comoção gerada pela divulgação da filmagem de audiência em que foi ouvida a vítima de estupro Mariana Ferrer pela Justiça de Santa Catarina.

    Inspirado no Decreto 9.603, de 10 de dezembro de 2018, que trata do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência instituído pela Lei 13.431, de 2017, o projeto de lei tramitou na Casa de origem por apenas 36 dias.

    Não é de se admirar, assim, que os §§2º e 3º do novo tipo penal tratem de reproduzir normas já constantes da Parte Geral do Código Penal, notadamente o art. 20, §1º, e o art. 13, §2º. Isso não só não é apropriado do ponto de vista da boa técnica legislativa, como contribui para dificultar a interpretação sistêmica do Código Penal. Tais parágrafos, Sr. Presidente, obviamente, têm que ser retirados do texto. Vão nesse sentido, aliás, a Emenda nº 2, do Senador Rogério Carvalho, e a Emenda nº 3, do Senador Randolfe, que serão, nessa parte, devidamente incorporadas pelo presente relatório.

    Mas isso nem é o mais complicado no PL. A descrição da conduta do tipo diz apenas – entre aspas – “praticar o agente público violência institucional”, sem ao menos definir o que seria violência institucional. A rigor, pela redação proposta para o tipo, qualquer ato que prejudique o atendimento à vítima ou à testemunha de violência poderá ser considerado crime.

    A falta de insumos médicos, por exemplo, poderá levar à responsabilização penal dos administradores hospitalares nesses casos. O princípio da taxatividade não autoriza tamanha elasticidade na aplicação da lei penal.

    Poder-se-á argumentar que o tipo contém expressamente a referência à violência institucional e que essa remissão ao conceito de violência poderia bem delimitar o tipo. Sucede que violência em Direito Penal tem significado próprio, remetendo, quase sempre, à noção de brutalidade ou atentado à integridade física da vítima, o que, nesse passo, levaria ao paradoxo do novo tipo não ter aplicação, mesmo em tese, a situações análogas à que foi submetida a modelo Mariana Ferrer.

    De todo modo, é preciso superar a compreensão inquisitorial da busca da verdade “a qualquer custo” no processo penal brasileiro e algum anteparo legal também deve proteger as vítimas.

    Como bem destaca Luciane Potter Bitencourt:

Os meios probatórios inquisitoriais inerentes ao processo penal brasileiro ofendem não apenas os direitos dos acusados – discurso corrente das teses garantistas – mas, fundamentalmente, os direitos das vítimas, visto entendê-las como objeto e não sujeito de direitos. A desconstitucionalizada abordagem dos operadores do direito para investigar a hipótese de crime é a manutenção do inquisitorialismo, cuja efetividade na justiça criminal brasileira permite a ampliação da violência contra quem não ocupa o espaço de poder no processo penal. Assim, paralelo à criminalização secundária, amplamente investigada pela criminologia crítica, verificou-se processos de vitimização secundária no qual a vítima atua como mero objeto colaborador da investigação judicial, ignorando-se seus direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal brasileira.

    "A vitimização secundária de crianças e adolescentes e a violência sexual intrafamiliar" é uma dissertação de mestrado, da PUC de Porto Alegre, publicada em 2007, na p. 23.

    Diante de tal quadro, Sra. Presidente, reformulamos o projeto para criminalizar a revitimização indevida, com o estabelecimento de causa de aumento de pena se ocorrer a intimidação de vítimas de crime violento, como aconteceu com Mariana. Veja, estamos propondo que seja crime intimidar a vítima diretamente e, com a mesma pena, também quando o agente público permitir que terceiro a intimide.

    Para tais casos graves, portanto, alcançaremos as penas propostas pelo Senador Randolfe em sua emenda.

    Com esse proceder, acreditamos respeitar princípios comezinhos do Direito Penal e, ao mesmo tempo, repreender e prevenir condutas como a que, lamentavelmente, ocorreu em Santa Catarina.

    Por fim, tratamos especificamente das emendas oferecidas. Todas as emendas foram, ainda que parcialmente, atendidas, embora apenas formalmente indiquemos a rejeição.

    A Emenda nº 1, do Senador Contarato, trouxe o mérito de deixar claro que a situação de revitimização pode alcançar a vítima de qualquer crime. É, sem dúvida, muito mais grave nos casos de crimes violentos, mas, mesmo em um simples estelionato, a vítima deve se ver respeitada diante de um tribunal, sem ser submetida a tratamento vexatório que traduza a condição de ter sido feita de boba ou de ter caído no "conto do vigário", por exemplo. Deixamos claro, portanto, a garantia para “qualquer vítima”, como consta na emenda do Senador Contarato.

    A Emenda nº 2, do querido amigo Senador Rogério Carvalho, foi acolhida na íntegra.

    Já a Emenda nº 3, do Senador Randolfe, marcou que, para casos mais graves, as penas poderiam estar brandas. Na hipótese de indevida intimidação da vítima de crimes violentos, portanto, adotamos exatamente as penas propostas pela emenda. O nomen iuris também é, efetivamente, suprimido, assim como os parágrafos que repetem o Código Penal.

    Não compactuamos, no entanto, com o afastamento da regra do art. 4º da Lei do Abuso de Autoridade para o novo crime. A Lei nº 13.869, de 2019, constitui microssistema penal recentemente instituído e prevê diversas outras condutas também tão ou mais graves, de modo que, por ora, entendemos ser necessário adotar a regra geral para todos os crimes da mesma espécie.

    Portanto, Sr. Presidente, o voto.

    Com essas considerações, somos pela aprovação do Projeto de Lei nº 5.091, de 2020, pela rejeição das Emendas nºs 1, 2 e 3, bem como pela apresentação da seguinte emenda:

EMENDA Nº -PLEN

Dê-se ao art. 15-A da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, de que trata o art. 2º do Projeto de Lei nº 5.091, de 2020, a seguinte redação [é importante que guardem este momento histórico deste projeto de lei e do relatório que trazemos para apreciação dos senhores e das senhoras]:

"Art. 15-A Submeter qualquer vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que as levem a reviver, sem estrita necessidade:

I – a situação de violência; ou

II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento e/ou estigmatização.

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada em dois terços.

§2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro."

    Sra. Presidente, este é o voto, este é o relatório.

    Quero, mais uma vez, Sra. Presidente Eliziane, Líder da Bancada Feminina, dizer aqui, desta tribuna, que a história não se faz com grandes, gigantescos movimentos, atos e posicionamentos, mas construindo leis como esta. Apenas olhar para o episódio de Santa Catarina, apenas se revoltar e se indignar com o que foi feito com a Mariana não é fazer o papel de um Parlamentar, de um construtor ou construtora de leis; é, sim, dotar a sociedade de instrumentos para que ela possa obrigar a Justiça a cumprir o seu papel e jamais adotar, abusivamente, desrespeitosamente, ultrajando uma vítima que precisava do abraço da Justiça, a situação humilhante que ela viveu naquele tribunal, inclusive agindo com o parceiro da acusação contra a Mariana, que recorria à Justiça para proteger a vítima, a escabrosa vítima de um estupro que, sim, repudiado pela sociedade, não pode encontrar abrigo ou proteção na lei ou nas seções pertinentes a esse julgamento.

    O que eu quero dizer, Sra. Presidente, é que está aqui o relatório, espero que os meus colegas Senadores e Senadoras presentes, aquelas que nos ouvem, Zenaide e todos, deem um voto para que possamos aprovar e que esse seja um instrumento contra essa orgia que se pretende fazer nos tribunais, que deveriam oferecer segurança e justiça às vítimas de tamanha violência, principalmente as mulheres.

    Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2022 - Página 62